Por mais de uma década, Ahaus tem servido como um laboratório para a digitalização urbana. Iniciativa integra serviços e tecnologias ao dia a dia da cidade.Em um dia típico de dezembro, os visitantes chegam ao Smartel, um dos maiores hotéis de Ahaus, uma cidade de 40 mil habitantes no estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália. Com suas malas de rodinhas e celulares em mãos, os hóspedes estão prontos para escanear um QR code em uma tela de terminal na entrada.
Em vez de serem recebidos por um recepcionista, os hóspedes que chegam devem usar seus smartphones para navegar pelo hotel. Esses dispositivos não apenas abrem as portas, mas também controlam o aquecimento e a iluminação dos quartos, já que não há interruptores.
Nos corredores e no saguão, robôs de limpeza trabalham silenciosamente. Os únicos humanos que você pode encontrar ocasionalmente são os funcionários da cozinha reabastaecendo o buffet de café da manhã.
O diretor da empresa Tobit, Peter Sommer, que trabalha com soluções para tornar indústrias mais digitais, explica que quando o Smartel ainda se chamava Ratshotel Residenz, costumava ser o maior hotel da cidade. O glorioso passado do prédio chegou ao fim no início dos anos 2000. Foram anos até conseguir encontrar um novo proprietário.
Em 2017, porém, a Tobit, cuja sede fica em Ahaus, decidiu reverter a situação do hotel modernizando o edifício e equipando seus 44 quartos com uma tecnologia desenvolvida por uma de suas subsidiárias, a Chayns.
Esta é uma das iniciativas da empresa que propõe transformar Ahaus em uma cidade digital em diversas áreas. O projeto, batizado de Smart City Ahaus, integra serviços e tecnologias no dia a dia da cidade.
"Cidade inteligente"
O que chama atenção na cidade é a grande quantidade de adesivos circulares azul e branco com QR codes, fixados em praticamente todos os lugares. Eles podem ser encontrados em mesas de restaurante, portas de hotéis, barcos de passeio, bicicletas para aluguel, prateleiras de supermercados e até no parque da cidade. Através deles é possível fazer reservas, pagar e liberar serviços.
No final de 2024, Ahaus foi coroada a cidade rural mais inteligente da Alemanha após o concurso nacional "Lugares Digitais 2024", organizado pela iniciativa Alemanha – País das Ideias.
A campanha patrocinada pelo governo visa aumentar a visibilidade internacional da Alemanha como um centro de ideias e inovação e é apoiada por empresas e pela sociedade civil.
Ahaus foi elogiada por integrar vários serviços digitais em uma plataforma única, acessível por meio de um único aplicativo. Muitos moradores possuem uma conta no software da Chayns porque, durante a pandemia da covid-19, testes e vacinas eram agendados pela plataforma.
Digitalização para frear o declínio urbano na Alemanha
Para Margarete, uma professora da cidade vizinha de Velen, a experiência em Ahaus oferece um vislumbre do que o futuro de sua cidade natal poderia ser. Ela se juntou a um tour guiado por Sommer e lamenta que, em Velen, não se encontre mais um supermercado local. Quando ela quer sair para jantar, precisa fazer uma reserva com dias de antecedência.
O chamado declínio urbano é um problema para muitas cidades pequenas na Alemanha, devido à perda populacional, estagnação econômica e falta de investimentos. Lojas pequenas e cinemas estão desaparecendo, enquanto os hotéis enfrentam dificuldades para encontrar funcionários e clientes. Será que um investimento maciço em digitalização pode frear a morte silenciosa dessas comunidades?
Em Ahaus, encontrar pessoas suficientes para trabalhar em atrações turísticas, por exemplo, já não é mais um problema. Humanos não são mais necessários no serviço de aluguel de barcos perto do castelo barroco da cidade.
Bicicletas e guarda-chuvas também podem ser alugados digitalmente. Os pedidos no restaurante local TKWY também são feitos por aplicativo. Lá, uma tela de vídeo mostra quem é o próximo a pegar sua comida. O cliente libera a refeição via aplicativo, e a comida simplesmente aparece em um compartimento.
Margarete acha isso "um pouco impessoal" e diz que sentiria falta de conversar com os garçons. "Mas eficiente", contra-argumenta o guia e diretor da Tobit, Peter Sommer, afirmando que agora a equipe pode se concentrar mais na cozinha. O domínio da língua alemã também "não importa", ele afirma, pois a comida pode ser pedida em diferentes idiomas.
Sem dinheiro em espécie e livre de conflitos
Nos bares de Ahaus, a necessidade de funcionários também é mínima, pois os garçons e bartenders servem apenas o que os clientes já pagaram online, eliminando disputas sobre a conta e verificação de idade. Os dados dos usuários são armazenados em aplicativo.
De acordo com a Tobit, quase 80% de todos os hotéis e pousadas em Ahaus utilizam o aplicativo Chayns, cujo serviço se expandiu para incluir fazendeiros, clubes esportivos e outros prestadores de serviços. Eles utilizam a rede digital da Tobit para vender produtos ou oferecer acesso às suas instalações a qualquer hora.
Em um pub chamado The Unbrexit, o garçom Sven Klawikowski ainda leva bebidas e refeições às mesas. Mas ele não precisa mais fazer pedidos, processar pagamentos ou verificar com os clientes se há algo mais que eles precisem. Com dez mesas para cuidar, isso economiza tempo suficiente para igualar a carga de trabalho de um turno inteiro, afirma. Além disso, ele pode trabalhar apenas quatro dias por semana, recebendo ainda o salário de uma semana completa.
O Wallstreet Bar, próximo dali, é um dos imóveis antes vazios de Ahaus que foram comprados pela Tobit para testar sua tecnologia. Dentro do bar, um painel de ações rola continuamente na enorme tela.
Enquanto tomam um drinque, os clientes podem investir em ações, ETFs, criptomoedas ou commodities. Mas essa oferta é apenas para diversão, já que se trata de um jogo de realidade virtual sem dinheiro real.
"Podemos testar novas tecnologias e torná-las acessíveis a outras cidades", diz Sommer.
Moeda local para manter o dinheiro na cidade
Benedikt Hommöle, chefe do Departamento de Marketing e Turismo de Ahaus, acredita que empresas de tecnologia como a Tobit acham mais fácil testar seus projetos em fase beta na cidade porque o município e seus habitantes são favoráveis a mudanças. "Adotamos o conceito de laboratório vivo. Somos os cobaias; mas, em contrapartida, temos coisas aqui que outras cidades não têm", disse à DW.
Um conceito digital frequentemente replicado é o chamado vale da cidade, uma moeda digital local que, de acordo com a Tobit, foi imitada por mais de 70 municípios.
Em Ahaus, os vales são usados como presentes de boas-vindas para novos residentes e vencedores de um quiz online semanal. Os empregadores também usam os vales da cidade para distribuir subsídios mensais aos trabalhadores. No entanto, o vale só pode ser gasto em um dos 200 pontos da cidade e deve ser utilizado dentro de um prazo limitado.
"Você pode usá-lo para comprar ração para cachorro, pães ou pneus novos", diz Hommöle. Cerca de 800 mil euros em vales (R$ 4,8 milhões) circulam todos os anos.
Como Ahaus está localizada perto da fronteira com a Holanda, a cidade é popular entre os turistas holandeses. No final do tour, Peter Sommer lembra de uma visita recente dos prefeitos de 10 cidades e vilarejos do país vizinho, conhecidos por serem mais abertos a tudo o que é digital do que a Alemanha.
Sommer diz que, para os alemães, Ahaus parece ficção científica pura.