Inflação do mercado de transferências atinge futebol brasileiro; entenda

Inflação do mercado de transferências atinge futebol brasileiro
Inflação do mercado de transferências atinge futebol brasileiro Foto: Montagem: ISTOÉ / Freepik

“Estamos assustados, mas temos que montar um time”, afirma o presidente do Fluminense. Assim como outros dirigentes e treinadores do futebol brasileiro, Mário Bittencourt enfrenta diariamente preços “assustadores” para contratar reforços.

Os jogadores pedem salários exorbitantes e seus passes custam muito mais do que há algumas temporadas, disse na sexta-feira o técnico do time tricolor em entrevista coletiva.

“Desde que eu cheguei aqui, na presidência [em junho de 2019], jogador que tinha salário de 400 ou 450 mil reais, hoje custa R$ 900 mil. Dobrou”, afirma Bittencourt.

“Nós temos volantes e zagueiros ganhando milhão, mais de um milhão de reais, imagina quanto não querem os atacantes”, diz o dirigente. “Os números estão assustadores. Não está fácil”.

Apesar das dificuldades e de ter feito uma má campanha em 2024, o que significou rendimentos inferiores, o Fluminense contratou o jogador da seleção uruguaia Agustín Canobbio por seis milhões de euros (cerca de R$ 37,7 milhões pela cotação atual) numa das contratações mais caras da sua história.

Em um exemplo de distorção de valores, problema que também afeta o futebol europeu, dias antes o Palmeiras havia recebido a proposta para que pagasse 18 milhões de euros (aproximadamente R$ 113 milhões) pela transferência do atacante uruguaio de 26 anos, que jogava no rebaixado Athletico-PR.

“O Palmeiras vende a um preço alto e terá que comprar a um preço mais alto”, justificou há uma semana o treinador do ‘Verdão’, o português Abel Ferreira, ao revelar o valor do negócio que não foi levado adiante.

A “bolha vai estourar”

A diretoria do Fluminense não é a única voz a alertar sobre a inflação do mercado de transferências neste início de temporada na liga mais poderosa da América do Sul.

A subida dos preços, segundo especialistas, se deve à entrada de novos capitais em algumas equipes (sob a fórmula das Sociedades Anônimas de Futebol, as SAFs), a administrações irresponsáveis e ao patrocínio de casas de apostas, superiores aos de outros patrocinadores.

“A entrada dos investimentos de SAF também inflacionou, porque é um dinheiro de fora e isso não representou um crescimento da receita dos clubes, e sim um aporte”, disse Marcelo Paz, diretor executivo do Fortaleza, ao portal UOL.

“Essa bolha vai estourar em algum momento e sobre isso não existe a menor dúvida. Os clubes que querem se manter organizados vão ter dificuldade de competitividade, porque vão concorrer com quem inflacionou e que vai ter performance esportiva de curto prazo melhor”, acrescentou.

Os vinte clubes do Brasileirão gastaram US$ 330 milhões ao câmbio atual (cerca de R$ 2 bilhões) em reforços em 2024, valor recorde e inatingível para seus pares sul-americanos, segundo uma medição do portal Globo Esporte.

O Botafogo, uma SAF do polêmico magnata americano John Textor, investiu 70 milhões (R$ 423 milhões) em jogadores, incluindo estrelas em ascensão como Luiz Henrique e o argentino Thiago Almada. Com eles, o alvinegro carioca conquistou o Brasileirão e sua primeira Copa Libertadores.

Na luta para se manter na primeira divisão, o Corinthians destinou quase 30 milhões (R$ 181 milhões) a contratações, apesar de ser o time mais endividado do país, com um passivo estimado em 428 milhões de dólares (R$ 2,58 bilhões).

“Todo dia sai uma notícia que tem conta bloqueada, que tem problema com patrocinador, e está contratando jogador de seleção” com salários milionários, como o holandês Memphis Depay, questionou Cristiano Dresch, presidente do rebaixado Cuiabá, em outubro. “Isso é ridículo, tem que parar”.

‘Fair play’ financeiro?

Como medida de choque contra valores elevados e para evitar potenciais crises econômicas das instituições, vários dirigentes solicitaram a implementação de um ‘fair play’ financeiro.

“É a única solução que temos no médio prazo”, afirmou o presidente do Fluminense.

Mas a ideia – que limita as despesas de acordo com as receitas – não satisfaz a todos.

“Os clubes de cima poderão gastar muito dinheiro, mas os de baixo não”, disse o dono da SAF do Botafogo ao Globo Esporte em julho.

“Se quisermos paridade, precisamos de um teto salarial”, como o da NBA, acrescentou Textor. A ideia, por enquanto, tem pouco eco.

Os preços elevados obrigaram alguns clubes a procurar jogadores mais baratos em torneios vizinhos e a fortalecer as suas categorias de base.

Já outros aproveitaram a inflação para lucrar com as suas joias.

O Palmeiras vendeu recentemente o zagueiro Vitor Reis, de 19 anos, ao Manchester City por 35 milhões de euros (cerca de R$ 220 milhões pela cotação atual), de acordo com a imprensa inglesa.

Semanas antes, o time paulista havia pago um valor semelhante pelos atacantes Paulinho e o uruguaio Facundo Torres.