Recuo do Pix e falta de comunicação podem minar credibilidade do governo Lula

Especialista e parlamentares apontam necessidade de revisão de estratégia para evitar uma crise ainda maior com polêmicas futuras

Recuo do Pix e falta de comunicação podem minar credibilidade do governo Lula

O recuo do governo federal sobre as novas regras do Pix e a falta de comunicação para desmentir notícias falsas sobre a taxação nas transferências podem minar a credibilidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por um momento. Essa tem sido uma das maiores preocupações de interlocutores do Planalto ouvidos pelo site IstoÉ.

Na avaliação de um aliado, o governo perdeu o timing para rebater os vídeos com notícias falsas sobre as regras e havia a necessidade de um tom mais duro contra as fake news. Para o assessor palaciano, o Planalto também falhou ao fazer o anúncio do endurecimento da fiscalização.

A Receita Federal bateu o martelo sobre as novas regras em outubro do ano passado, mas anunciou apenas na última semana. As medidas foram publicadas em meio à troca na comunicação do governo petista, sem haver tempo hábil para discussões sobre o formato de divulgação.

Com a “desorganização”, opositores de Lula entraram em campo e passaram a criar vídeos e correntes para afirmar que o governo taxaria as transações pelo Pix, alavancando mais de 20 milhões de visualizações nas redes sociais. Para tentar estancar a crise, Lula optou por publicar uma medida provisória para excluir a possibilidade de taxação do meio de pagamento.

Na avaliação da especialista em comunicação política Lilian Carvalho, as ações do governo reduzem a credibilidade de Lula e podem dar “dor de cabeça” à nova comunicação do Planalto. Os recuos ainda podem atingir a imagem do petista, que busca melhorar sua posição para disputar a reeleição no pleito do próximo ano.

“Impacta, sim, com certeza, e o pior é que impacta porque não é o primeiro deslize. Mas também não é prerrogativa deste governo somente ter deslizes de comunicação. A maioria dos governos, em todas as esferas, tem muitos problemas de comunicação e trazer a comunicação para a era digital”, afirma.

A ideia vai ao encontro da do deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), que vê o Planalto em descrédito e com a comunicação atabalhoada. O paranaense ressalta a falta de assessoramento ao presidente da República, citando o advogado-geral da União, Jorge Messias.

“Foi uma decisão atabalhoada, fruto da incompetência e da covardia do governo de enfrentar o problema seriamente. Segundo [ponto]: mal assessorado. Estava junto no anúncio o advogado-geral da União, que deveria ter alertado o presidente da República para os crimes de responsabilidade e de prevaricação”, afirma.

“No momento em que ele aceita uma chicana, né, um assédio como foi feito contra a medida da Receita Federal, ele enfraquece a liderança dele, enfraquece o governo e, principalmente, a própria Receita”, completa o parlamentar.

O deputado ressalta que o trabalho da Receita também foi descredibilizado por uma manipulação política.

“A Receita Federal não pode estar nessa situação nem sofrer nenhum tipo de assédio, de manipulação política. [A repercussão] arranhou o Leão, dobraram o joelho do Leão. O que passou para a população brasileira é que a Receita Federal estava errada, equivocada e querendo cobrar algo que é indevido e injusto, o que não é real”, declarou.

Sequência de recuos

Essa não é a primeira vez que Lula precisa recuar de uma decisão após uma repercussão negativa. Foram ao menos sete vezes em que o petista precisou desistir de medidas ou indicações que gostaria de impor.

Um dos recuos envolve a desoneração da folha de pagamentos para empresas e municípios. Lula vetou o projeto aprovado pelo Congresso Nacional e ainda recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) após ter a medida revogada pelos parlamentares. Após a pressão dos congressistas e as ameaças de barrar projetos de interesse do Planalto, o petista recuou e aceitou fazer um acordo para a retomada da cobrança escalonada até 2027.

Outro caso envolveu a indicação de Guido Mantega para o Conselho de Administração da Vale S.A. A União mantém uma pequena participação por meio do fundo de pensão do Banco do Brasil. Lula tentou cobrar a indicação de Mantega, mas a notícia caiu como uma bomba no mercado financeiro, provocando a desvalorização das ações da mineradora, obrigando a desistência do chefe do Planalto.

A mais simbólica aconteceu no ano passado, quando o Ministério da Fazenda queria taxar as compras internacionais. Conhecida como “taxa das blusinhas”, a medida tinha o objetivo de aumentar o caixa da União para cumprir a meta fiscal. A tentativa foi por água abaixo com a repercussão negativa entre os eleitores, provocando o recuo mais simbólico do governo Lula 3 até então.

Na avaliação de Lilian Carvalho, os erros mostram um governo com a comunicação analógica. Lilian ressalta que as novidades sobre as transferências via Pix não foram comunicadas de forma clara, o que abriu brecha para os adversários nadarem de braçada.

“O primeiro erro é que a comunicação não foi clara. O assunto não é tão simples assim, mas, de qualquer forma, a comunicação da normativa foi bem confusa naquele juridiquês que é comum das instituições, das leis, enfim, da comunicação governamental de uma forma em geral. Isso poderia ter sido melhorado”, explica.

Esse é um dos principais cenários que Lula quer mudar para a segunda metade do seu governo. Para reverter o quadro atual, o petista demitiu Paulo Pimenta e nomeou o publicitário Sidônio Palmeira para o comando da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Na avaliação do chefe do Planalto, Palmeira é técnico e poderá contornar a avaliação ruim do governo pensando em 2026.

Logo nos primeiros dias, o novo ministro palaciano já colocou suas digitais na comunicação. Demitiu aliados de Lula, colocou nomes próximos e nomeou a responsável pelas redes sociais do prefeito de Recife, João Campos (PSB), para cuidar da parte digital do Palácio do Planalto.

A especialista alerta para a necessidade de o governo entrar em definitivo na internet e aumentar os investimentos na comunicação direta com o eleitor por meio das redes sociais. A divulgação de textos no site oficial ou coletivas pode provocar um desvio de informação para o público final.

“Somado a essa comunicação não clara, vem a questão de que o governo, em todas as suas instâncias, ainda está numa inércia de uma comunicação extremamente analógica. Ainda se comunicando por meio, primariamente, por press release e a mídia tradicional. Hoje a gente tem um canal direto com a população, que são os perfis de redes sociais das mais diversas”, completa.