Militares israelenses podem ser processados no exterior por suposto crime de guerra?

Militares israelenses podem ser processados no exterior por suposto crime de guerra?

Uma fundação com sede na Bélgica tem ganhado destaque internacional por sua missão específica: processar soldados israelenses suspeitos de crimes de guerra enquanto eles viajam para o exterior.

No final de dezembro, a Fundação Hind Rajab (HRF) conseguiu, no Brasil, sua tentativa mais bem-sucedida até o momento de atingir este objetivo.

Yuval Vagdani, de 21 anos, estava de férias na Bahia, quando se tornou alvo da justiça brasileira depois que a juíza Raquel Chiarelli, da Justiça Distrito Federal, acatou uma ação da organização e ordenou a polícia a investigá-lo por supostos crimes de guerra.

A HRF coletou vídeos publicados nas redes sociais, dados de geolocalização e fotografias do soldado e o acusou de praticar “demolições em massa de casas de civis em Gaza durante uma campanha sistemática de destruição”.

Segundo a organização, este foi o primeiro caso em que um Estado aplicou domesticamente o Estatuto de Roma sem recorrer ao Tribunal Penal Internacional (TPI). O tratado define que os crimes estabelecidos no estatuto, como os crimes de guerra, sejam investigados e punidos pelos signatários.

Na ocasião, a Embaixada de Israel no Brasil disse que a HRF explora “de forma cínica os sistemas legais para fomentar uma narrativa anti-Israel” e que suas ações “carecem de qualquer fundamento legal”.

Nesta semana, a HRF apresentou uma nova queixa contra o general-major Ghassan Alian, chefe da Coordenação das Atividades Governamentais nos Territórios (Cogat) do governo israelense. Ele é conhecido por comentários feitos três dias após o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, que resultou na morte de 1.200 pessoas e no sequestro de mais de 250.

“Animais humanos devem ser tratados como tal”, disse Alian na ocasião, em uma mensagem de vídeo dirigida aos habitantes de Gaza. “Não haverá eletricidade e nem água. Haverá apenas destruição. Vocês quiseram o inferno, então terão o inferno.”

Seu comentário é frequentemente citado por organizações de direitos humanos como prova de uma suposta intenção genocida de Israel contra os palestinos. Desde 7 de outubro de 2023, a campanha militar israelense em Gaza matou mais de 46.000 pessoas, segundo o Ministério da Saúde do território palestino.

Na última segunda-feira, a HRF informou que Alian estava em Roma em uma “visita secreta” e pediu às autoridades italianas que o prendessem.

Processos se multiplicam

Fundada como uma organização sem fins lucrativos em setembro de 2024, a HRF tem buscado queixas semelhantes contra soldados israelenses ao redor do mundo, incluindo no Equador, Emirados Árabes Unidos, Sri Lanka, França, Chipre e Tailândia.

Autoridades israelenses frequentemente afirmam que a HRF é dirigida por extremistas antissemitas, algo que os fundadores da organização negam.

Em uma entrevista a um programa de notícias independente, System Update, no final de semana, o presidente da HRF, Dyab Abou Jahjah, argumentou que, ao longo do último ano, soldados israelenses postaram milhares de vídeos e fotos nas redes sociais de suas atividades em Gaza.

Nos vídeos, os militares mostram saques, casas de civis incendiadas por eles, ou posam ao lado de corpos mortos em que falam abertamente sobre torturar e exterminar palestinos.

A HRF também utiliza informações de fontes abertas para identificar militares que cometem possíveis violações. Os casos potenciais são preparados quando surgem evidências, mas só são usados se e quando o suposto criminoso viajar para o exterior. Advogados voluntários em outros países então entram com as ações contra esses soldados.

A Alemanha pode abrir processos contra israelenses?

A HRF ainda não apresentou queixas na Alemanha contra soldados israelenses, disse um porta-voz à DW.

Mas a lei alemã permitiria a acusação de crimes de guerra cometidos no exterior por não-nacionais, explica o advogado Alexander Schwarz, codiretor do Programa de Crimes Internacionais e Responsabilidade no Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos, com sede em Berlim. Desde 2002, a Alemanha incorporou crimes internacionais ao seu sistema legal, com seu Código de Crimes contra o Direito Internacional.

Uma organização como a HRF poderia apresentar uma queixa, mas quando se trata de crimes envolvendo não-nacionais, mas o promotor alemão pode decidir sobre se vai ou não prosseguir com a investigação.

Embora seja mais fácil processar um “crime de guerra”, como o assassinato ilegal de um civil em Gaza, o “crime contra a humanidade” é mais difícil de ser provado, explica Schwarz.

Sem decisões até agora

Até o momento, os processos da HRF não foram testados em tribunais. De acordo com uma reportagem da revista New Yorker, vários casos estão sendo conduzidos na Holanda, Bélgica e França, mas ainda não foram a julgamento.

No caso brasileiro, o militar apagou suas postagens nas redes sociais e deixou o país.

Este tipo de “guerra jurídica”, definida como o “uso de ação legal para causar problemas a um oponente”, tem gerado impacto.

O jornal New York Times noticiou na semana passada que as autoridades israelenses estão minimizando as queixas da HRF, mas, recentemente, soldados israelenses foram alertados a retornar imediatamente de alguns países, com medo de serem presos.

No final da semana passada, o exército israelense também endureceu as regras para o uso de redes sociais de seus militares, a fim de protegê-los de possíveis processos enquanto estiverem no exterior.

Agora, todos os militares abaixo do posto de coronel não poderão mostrar seus rostos ou nomes completos, nem ser vinculados a um evento de combate específico em que participaram.