Por que Trump quer a Groenlândia, e o que a Groenlândia quer

Por que Trump quer a Groenlândia, e o que a Groenlândia quer

"GroenlândiaParte do reino da Dinamarca e alvo da cobiça do presidente eleito dos EUA, ilha vê renascer debate sobre quem deve controlar território em meio a aspirações crescentes locais pró-independência.Donald Trump ainda não foi empossado presidente dos Estados Unidos e já causa alvoroço entre líderes políticos internacionais. Em sua investida mais recente contra os europeus, o republicano voltou a deixar claro seu interesse pela Groenlândia, afirmando a jornalistas na última terça-feira (07/01) não descartar o uso de força militar para assumir o controle do território, que é parte do Reino da Dinamarca.

A Alemanha e a França reagiram com aversão à declaração. O porta-voz do governo alemão, Steffen Hebestreit, não quis comentar se as ameaças estavam sendo levadas a sério por Berlim, mas aconselhou Trump a não tentar "mudar fronteiras à força".

O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, insistiu que o "princípio de inviolabilidade das fronteiras vale para todos os países". Já o ministro francês do Exterior, Jean-Noel Barrot, frisou que a Europa não permitirá que outros países, "quaisquer que sejam", ataquem suas fronteiras soberanas, e lamentou que o mundo tenha entrado "em uma era da volta da lei do mais forte".

A própria Dinamarca também reagiu à fala, dizendo que a Groenlândia – ilha do Ártico rica em recursos naturais e de importância estratégica do ponto de vista militar – pode se tornar independente se assim o desejar, mas é improvável que seja incorporada ao território americano.

A ameaça de Trump foi proferida no mesmo dia em que um filho dele, Donald Trump Jr., fez uma visita-relâmpago de poucas horas à Groenlândia.

O empresário se esforçou em fazer a visita parecer algo inofensivo, coisa de um "amante da natureza" interessado em se "divertir um pouco" – em suas próprias palavras – e gravar imagens para um podcast. Mas Trump pai não perdeu a oportunidade de mencionar que o filho viajou acompanhado de "vários congressistas" e anunciar que os groenlandeses "vão se beneficiar imensamente se, e quando, virarem parte de nossa Nação".

"Vamos protegê-los […] de um mundo muito cruel", prometeu Trump em mensagem direcionada aos groenlandeses postada na rede Truth Social. "Eles [povo da Groenlândia] e o Mundo Livre precisam de segurança, força e PAZ! Este é um acordo que precisa acontecer."

Interesse de Trump na Groenlândia não é novo

O interesse de Trump na Groenlândia não é propriamente novo. O republicano já havia manifestado interesse na compra do território em 2019, durante seu primeiro mandato, mas foi ignorado pela primeira-ministra Mette Frederiksen à época, e reagiu cancelando uma visita oficial à Dinamarca.

Nas últimas semanas, Trump voltou a insistir no tema. E o timing não parece exatamente ruim, já que o debate interno na Groenlândia pró-emancipação tem crescido.
Horas antes da viagem do filho, o republicano postou um vídeo que mostra um homem usando um boné do MAGA – um acrônimo para "Make America Great Again", slogan de campanha dos apoiadores de Trump – e apelando ao americano para que compre a Groenlândia e a liberte do "domínio colonial" dinamarquês.

Desde que ganhou as eleições em novembro, Trump já reivindicou para si o controle de alguns lugares fora do território americano: além da Groenlândia, falou em reaver o canal do Panamá e ameaçou até mesmo o vizinho Canadá, sugerindo uma fusão com os EUA.

Mas depois da visita do filho da Groenlândia, ele escalou o tom ao dizer na terça-feira (07/01) que não "pode garantir" que não recorrerá a intervenções militares ou retaliações econômicas para tomar de volta o Canal do Panamá ou comprar a Groenlândia. "Precisamos deles para a segurança econômica."

O que Trump quer com a Groenlândia

Os Estados Unidos, que fazem fronteira com o Ártico no estado do Alasca, operam desde 1951 uma base aérea no noroeste da Groenlândia. A presença militar americana é respaldada por um acordo de décadas que prevê a presença de tropas e radares na maior ilha do mundo. A anexação significaria um ganho de influência econômica e geopolítica em uma região rica em recursos naturais, onde tensões militares com a Rússia e a China têm crescido.

É o que argumenta Marc Jacobsen, professor no Royal Danish Defence College: "Se olharmos para os inimigos primários dos EUA neste momento, temos grande competição com a China por poder. E se principalmente a Rússia enviasse mísseis aos EUA, a rota mais curta seria pelo Polo Norte, por cima da Groenlândia."

Jacobsen também aponta que a Groenlândia tem "enormes quantidades" de terras raras, minerais "extremamente importantes" para fabricação de todo tipo de tecnologia, desde equipamentos militares até geradores de energia eólica e smartphones, cuja mineração é hoje dominada pela China.

Um outro fator de interesse é que numa era de aquecimento global e derretimento das geleiras nos polos do planeta, o gelado e imenso território da Groenlândia abre novas possibilidades para rotas comerciais marítimas.

Professor de política internacional e externa na Universidade de Colônia, Thomas Jäger vê ainda um outro motivo para o interesse de Trump na Groenlândia: "É possível que Trump queira se alinhar à tradição de presidentes que expandiram o território americano. No século 19, quando os EUA cresceram em direção ao oeste, depois compraram o Alasca – isso seria algo que faria dele realmente um grande presidente", disse em entrevista ao canal alemão NTV.

Por que a Dinamarca acha que Trump pode estar falando sério desta vez

A viagem de Trump Jr. e as declarações polêmicas de Trump pai deixaram a classe política dinamarquesa em alerta.

Pouco antes da visita, circularam na imprensa local relatos de que o chefe de governo da Groenlândia, Múte Egede, cancelou em cima da hora um encontro com o rei Frederik da Dinamarca, aparentemente por incompatibilidade de agendas, mas sem maiores explicações. O gesto acabou sendo interpretado como um recado da ilha à monarquia dinamarquesa.

Um dia depois, na quarta-feira (08/01), o ministro dinamarquês do Exterior sinalizou que o país quer discutir o futuro da Groenlândia com o governo Trump. "Estamos abertos a um diálogo com os americanos sobre como podemos cooperar de forma ainda mais estreita para garantir que as ambições americanas sejam atendidas", disse Lars Lokke Rasmussen.

À CNN, um funcionário da Defesa dinamarquesa confessou que o país teme que uma Groenlândia independente exponha a ilha a turbulências políticas, tornando-a mais vulnerável também à influência russa e chinesa. A emancipação também implicaria, ao menos num primeiro momento, que a ilha deixaria de fazer parte da Otan, a aliança militar do Ocidente, que a Dinamarca integra.

Colonização ainda é ferida aberta na Groenlândia

E como tem reagido a classe política na Groenlândia às aspirações de Trump e ao nervosismo dos dinamarqueses?

Em sua mensagem de ano novo, o chefe de governo groenlandês exigiu "passos importantes em direção a um país independente". "O futuro e o país pertencem a nós!", frisou Egede. "Não estamos e nunca estaremos à venda. Não podemos perder nossa longa batalha pela liberdade."

"Não quero ser uma peça no tabuleiro dos sonhos loucos de Trump de expandir seu império e envolver nosso país nisso", postou no Facebook a deputada groenlandesa e pró-independência Aaja Chemnitz. Ela ocupa um dos únicos dois assentos no Parlamento dinamarquês reservados aos groenlandeses.

Habitada pelo povo inuit (popularmente conhecidos como esquimós), a ilha de 57 mil habitantes foi colonizada no século 18 pela Noruega e a Dinamarca, e está há 600 anos sob domínio dinamarquês. E embora após a Segunda Guerra Mundial a Groenlândia tenha oficialmente deixado de ser uma colônia, conquistando a autonomia em 1979, mulheres da ilha foram submetidas a controle obrigatório de natalidade e tiveram seus filhos raptados e levados para a Dinamarca.

Os horrores daquele período – e as continuidades remanescentes nos dias de hoje – estão sendo reexaminados criticamente a passos lentos e reforçam em muitos groenlandeses o desejo de se libertarem da Dinamarca de uma vez por todas. E desde 2009, isso já é possível mediante referendo.

Quando um novo Parlamento for eleito na Groenlândia em abril, muitos apoiadores da independência do território autônomo esperam fortalecer sua causa.

Em sua mensagem de Ano Novo, Egede disse que o Parlamento já começou a trabalhar numa Constituição para uma Groenlândia soberana.

"Reconhecemos totalmente que a Groenlândia tem suas próprias ambições. Se elas se materializarem, a Groenlândia se tornará independente, mas dificilmente com a ambição de se tornar um estado federado dos Estados Unidos", disse o ministro Rasmussen.

Dinamarca não quer abrir mão do território

Hoje, a Groenlândia recebe o equivalente a cerca de 550 milhões de euros (R$ 3,49 bilhões) da Dinamarca todos os anos. O valor, que responde por aproximadamente um terço do Orçamento, é usado por críticos da independência como argumento de que a separação seria inviável.

E a Dinamarca dificilmente vai querer abrir mão do território devido aos seus recursos naturais e importância geoestratégica. Tanto que pouco depois da oferta de Trump à Groenlândia, o ministro dinamarquês da Defesa, Troels Lund Poulsen, divulgou uma lista de investimentos em infraestrutura militar na ilha.

Ao mesmo tempo, a monarquia dinamarquesa mudou seu brasão, ampliando o urso que representa a Groenlândia e o carneiro que designa as Ilhas Faroé.

"Devemos ficar juntos", disse o rei Frederik em sua mensagem de Ano Novo. A ressonância da mensagem entre os groenlandeses deve continuar sendo tema de campanha. Se independência, anexação aos EUA ou permanência sob a autoridade da Dinamarca (possivelmente em troca de mais verbas públicas): a valorização geopolítica de um Ártico em degelo joga a favor da Groenlândia.

Com informações de David Ehl.

ra/bl (DW, AFP, Reuters, ots)