É véspera de Natal e a data sempre nos traz memórias de outros tempos, outros lugares… da infância. A espera pela chegada do Papai Noel, as longas ceias em família. A família. Tempo de união e de reflexão – sobre o ano que está chegando ao fim, sobre os desafios que enfrentamos.
O Estadão convidou personalidades para falar sobre o significado da data, relembrar um momento especial e contar uma história marcante.
A apresentadora Luciana Gimenez conta uma história engraçada, quando seu cachorro abocanhou o peru natalino. Flavia Viana, também apresentadora, fala sobre um Natal angustiante, mas bonito, quando passou a data ao lado de seu pai em um hospital.
O antropólogo Roberto DaMatta, colunista do Estadão, narra o momento em que descobriu a verdade sobre Papai Noel. Mas… que verdade, se Tatiana Lazzarotto, a própria filha do Papai Noel, nos conta uma cena inesquecível vivida ao lado dele? Ela é autora do romance Quando as Árvores Morrem (Claraboia), em que reflete sobre o luto pela morte do pai, que conseguiu registrar a marca e se tornou o Papai Noel do Brasil.
Confira os relatos sobre o Natal
Luciana Gimenez, apresentadora
“Eu quero contar uma história engraçada do Natal. Já faz um tempinho isso… Eu estava fazendo uma ceia para o Natal. Vocês sabem que o peru tem que ficar cozinhando a noite toda, para a carne ficar bem macia, suculenta. Tiramos o peru depois que estava pronto, no dia 24, deixamos ali em cima da mesa, para que fôssemos terminar o que já estava cozido.
De repente, eu saí da sala, fui até o banheiro e, quando eu volto, cadê o peru? Eu tinha ficado responsável por ver o peru. De repente, eu olho… Eu tinha um cachorrão, um pastor alemão. Quando eu vejo, o pastor tinha pegado o peru da mesa e levado o peru embora. Nossa, foi uma briga. A culpa foi minha, porque eu deixei o peru sem nenhum tipo de atenção. Isso foi uma história bem engraçada.
E uma outra história que eu queria dividir é que, todos os anos, eu faço questão de fazer algumas entregas, perto de algumas datas importantes, seja Natal, Páscoa, para pessoas em situação de rua.
O que eu achei muito marcante para mim, no ano passado, foi quando eu cheguei com os meus filhos para fazer essa entrega e algumas dessas famílias se lembraram do meu carro. Ao abrir a porta do meu carro, eles já vieram chamando pelo meu nome. Então, isso me marcou muito, porque eu faço com muito amor.
Mas o Natal é o ano inteiro. Na vida, ou somos nós que ajudamos, ou somos os ajudados. Eu tenho muita alegria de poder ajudar. Eu tenho muita sorte nessa minha vida e eu acho que eu tenho muitas bênçãos. Então, eu fico muito feliz em poder ajudar alguém que esteja precisando, porque eu já tive muita ajuda, sabe? E eu fico feliz em saber que eles lembram de mim, e que eu vou poder continuar ajudando.
Então, lembrando, Natal é o ano inteiro. Nós sempre temos que estar fazendo o bem. Espero que vocês tenham curtido as minhas histórias e ‘bora’, que é mais um ano.”
Roberto DaMatta, antropólogo e colunista do ‘Estadão’
“Eu estou com 88 anos e eu fui criado acreditando em Papai Noel. Nós éramos cinco irmãos e uma irmã. Quando chegava a época do Natal, a nossa excitação, como de toda criança, era de ganhar o presente. Evidentemente, com a minha imaginação fértil desde criança, eu imaginava sempre um presente mirabolante.
Mas o problema para ganhar isso era o Papai Noel. Tinha lá em casa uma história que, se você se comportasse mal, você não ganhava presente. No seu sapato que você botava embaixo da cama – porque não tem lareira no Brasil -, você ganhava pedra.
Então, quando alguém fazia alguma besteira, nós, os irmãos, já falávamos: ‘Você toma cuidado, Papai Noel vai te dar pedra’. E isso [o Papai Noel] é uma crença que é universal. Começou na Europa, foi para os Estados Unidos e, de repente, foi ampliado com a música americana. Tem uma música belíssima que o Sinatra canta: ‘You better watch out. Santa Claus is coming to town’ [‘É melhor tomar cuidado. Papai Noel está vindo para a cidade’].
Um dia, antes do Natal, umas duas semanas antes, meus dois irmãos chegaram para mim dizendo: ‘Papai Noel não existe. Papai Noel não existe. Nós fomos no guarda-roupa do papai, abrimos e os presentes de Natal estão lá’. Nós descobrimos. E não era propriamente uma descoberta. Era uma confirmação, como acontece na vida.
Quando vamos ficando mais velhos, mais adultos, vamos confirmando certas desilusões, que certas coisas não existem mesmo. Não adianta você achar que existe. Isso faz parte da ambiguidade, das contradições, da existência humana, da condição humana. A condição humana está sempre se destruindo, se reconstruindo, se refazendo e se criando.
Então, nós descobrimos que o Papai Noel não existe. Aí nós saímos cantando: ‘Papai Noel não existe. Papai Noel não existe’. E o meu irmão Ricardo, que era mais novo que nós, começou a chorar, porque ele falou: ‘Não, ele existe sim’. E nós gritando: ‘Papai Noel não existe’.
Ninguém falou se existia ou não, porque não existe mesmo. Mas existe na nossa fantasia maravilhosa de doar, de presentear.”
Flavia Viana, apresentadora
“Falar de Natal, para mim, é sempre muito especial. Eu tenho um Natal muito marcante, inesquecível, que eu não sonhei nem desejei. Mas nós não escolhemos nada nessa vida. Tudo tem um propósito e nós vivemos.
No Natal de 2014, meu pai estava doente. Meu pai teve um câncer no esôfago e, em dezembro, ele piorou e foi internado. No dia 24, ele continuou internado e sedado. E a minha família se arrumou para o Natal, passou no hospital e eu estava lá com ele.
Eu decidi ficar ali, porque, na minha cabeça, o Natal sempre foi de encontros, da chegada da família para comemorar junto. Talvez eu tivesse outros Natais com a minha família, que estava bem. E aquele poderia ser o último com o meu pai.
Foi um Natal silencioso, demais. Eu passei de mão dada com ele e eu me lembro de ouvir fogos sozinha no quarto do hospital com o meu pai. Eu escrevi o que eu estava sentindo no meu bloco de notas, porque eu precisava colocar para fora.
Eu pensei: como serão os próximos Natais com essa vivência, com essa memória? Eu fui muito feliz pela minha escolha. Foi um Natal que me trouxe uma grandiosidade de sentimentos. Eu entendi, ali, o verdadeiro sentido do Natal.
Hoje, eu comemoro os meus Natais com muita alegria, com muita união e abraçando muito a minha família. Hoje eu tenho o Gabriel [filho da apresentadora], pequeninho. A Sabrina [filha da apresentadora] bem, feliz, saudável. Toda a minha família com muita saúde. Hoje eu comemoro com essa grandiosidade de sentimentos que eu guardo em uma caixinha muito especial e, agora, estou dividindo com vocês. Feliz Natal.”
Tatiana Lazzarotto, escritora e filha do Papai Noel do Brasil
“Ter um Papai Noel oficial em casa é para bem poucos e eu tive essa sorte por muitos anos. Dono de um CEP especial, cujo destino era nossa casa, meu pai recebeu mais de 1,5 milhão de cartas de crianças, e a maioria eu ajudei a responder. Todo dezembro ele descoloria a barba e os cabelos num processo quase selvagem para encarnar o Bom Velhinho, personagem que o fez percorrer milhares de cidades e colecionar eventos que às vezes tinham mais de 50 mil pessoas.
Essa maratona pausava no dia 23 de dezembro. O Natal sempre foi na nossa casa, cujo quintal se entupia de piscas-piscas. Não seria exagero dizer que me lembro de todos os Natais desde que meu pai virou um Papai Noel profissional.
Já adulta, meu pai, enfim, aceitou a proposta de um hotel de uma cidade próxima para estar presente na noite do dia 24 e cumprimentar os hóspedes. A única exigência é que a família estivesse presente.
No Natal de 2014, enquanto eu ceava com meus irmãos e minha mãe, vi meu pai entrar pela porta, com seu ‘Hohoho’ habitual, atraindo todos os olhares para ele. Funcionários, hóspedes adultos e até mesmo nós quatro acessávamos o mesmo mistério das crianças que se mantinham boquiabertas. A magia.
Meu pai trabalhava por todos nós, mas aquela fantasia sempre foi o seu sonho particular. Ser mais do que um simples ser humano, viver em estado de devaneio. Quatro anos depois, ele se tornou eterno. Para mim, o Natal continuou sendo um tempo de celebrar, sobretudo, a capacidade do meu pai de transbordar sobre todas as memórias.”
Cinnara Leal, atriz
“Natal para mim é ter a sorte de união com a minha família, e nós temos isso desde sempre. Nós celebramos o Natal juntos, até hoje, e agradeço muito por isso. Mas, quando criança, a sorte era maior ainda, porque passávamos o Natal na casa da minha avó.
Iam todos os primos, uns 15 primos, e ficávamos tão nervosos com a entrada do Papai Noel. Nós não sabíamos se fugíamos ou se iríamos até o Papai Noel abraçá-lo. Mas, uma vez, nos trancamos em um quarto escuro.
Eis que cai, diante dos armários, um guarda-sol e vai parar na cabeça do meu primo. Nós começamos a falar: ‘Não chora, pelo amor de Deus, se não vamos ficar sem presente’. Ele dizia: ‘Mas está doendo, está doendo’. Então, ele olhou e tinha sangue na mão. Todo mundo começou a chorar e a gritar. Não aconteceu nada de mais, foi só um machucado.
Mas eram Natais bem emocionantes. Claro, família grande. Eram Natais divertidos. E é isso que eu desejo para vocês no Natal: muita paz, muito amor e diversão. Que vocês possam celebrar esse dia de união entre amigos, família, quem estiver perto de vocês. Compartilhe essa data tão importante para o mundo inteiro.”
Betty Milan, psicanalista
“O Natal é a maior festa da cristandade, mas ele é também uma grande festa de confraternização. Sem ela, nós não temos como vencer os desafios atuais: o clima, a guerra, a imigração, a pobreza, a fome.
A ética do Natal é contrária à indiferença e é pela inclusão. Por isso, ainda que eu não seja religiosa, eu me reconheço no Natal. Quero desejar um bom Natal para todos e o melhor ano novo possível. O ano será novo se você se renovar.”