SÃO PAULO, 23 DEZ (ANSA) – Por Lucas Rizzi – A iminente mudança nas taxas para reconhecimento de cidadania por direito de sangue (jus sanguinis) na Itália provocou desespero entre ítalo-descendentes no Brasil, que correm contra o tempo para protocolar pedidos judiciais ainda em 2024 e aproveitar os últimos dias dos valores atuais.
A Lei Orçamentária aprovada pela Câmara dos Deputados no fim da semana passada aumenta a taxa para abertura de ações por cidadania na Justiça de 545 euros (R$ 3,5 mil) por pedido, independentemente do número de requerentes, para 600 (R$ 3,9 mil) por pessoa. Além disso, eleva de 300 para 600 euros o valor cobrado na rede consular e fixa uma quantia idêntica para solicitações feitas diretamente nos municípios.
O texto ainda tramita no Senado e precisa ser aprovado antes do fim do ano para entrar em vigor em janeiro, resultado tido como certo, dada a maioria confortável do governo da premiê Giorgia Meloni no Parlamento.
Apenas em novembro a assessoria especializada em cidadania italiana io.Gringo teve um aumento de 400% nas consultas em relação a setembro, enquanto a Cidadania4U viu uma alta de 50% na procura orgânica na primeira quinzena de dezembro, mês de demanda historicamente mais fraca.
“A gente tem feito um mutirão, eu quase dobrei meu time para protocolar processos até dezembro”, relata Matheus Reis, CEO da io.Gringo. “Fizemos uma força-tarefa nos últimos dois meses para protocolar o máximo possível de pedidos viáveis”, concorda Rafael Gianesini, CEO da Cidadania4U.
Segundo ele, tem havido até uma certa pressão de clientes para apresentar pedidos de reconhecimento da cidadania italiana por via judicial ainda em 2024, mesmo com a ausência de todos os documentos necessários, o que aumenta o risco de indeferimento das ações.
“Chegaram três ou quatro famílias que falaram: ‘Quero contratar hoje, mas com a garantia de que vai ser protocolado ainda neste ano’. Mas elas não têm nada. O pessoal quer o protocolo para não pagar a nova taxa, não está preocupado em ser indeferido ou não, só que o importante é ter a cidadania reconhecida”, alerta Gianesini. Para aqueles que ainda não têm a documentação necessária, o CEO da Cidadania4U recomenda esperar, ainda que o processo fique muito mais caro, para aumentar as chances de sucesso.
Uma solução já desenhada por assessorias especializadas é aumentar o parcelamento quando as novas taxas entrarem em vigor.
“Nos primeiros seis meses, acredito em uma queda acentuada nos pedidos, mas depois disso o mercado vai se reajustar. As empresas conseguem dar crédito para o cliente, então, em vez de dividir em 20 vezes, vão dividir em 24”, exemplifica Reis, que vê o aumento das taxas como uma forma de “cercear” o direito à cidadania italiana.
“Nos últimos anos houve uma democratização real, mas isso coloca uma barreira de entrada”, ressalta. Já Gianesini destaca que “algumas pessoas não perderão o direito, mas perderão o acesso”, devido ao reajuste.
Outro fator de preocupação para os ítalo-descendentes no Brasil é o projeto de lei do partido governista Força Itália (FI) que estabelece um limite geracional à transmissão do jus sanguinis. Caso seja aprovada, a medida impediria que pessoas com pais, avós e bisavós nascidos fora da Itália obtenham a cidadania, embora sem efeito retroativo. Ou seja, apenas quem nascesse depois da entrada em vigor da lei seria afetado.
“Essa coisa do limite de gerações é mais antiga, volta e meia é lembrada, então acaba ativando a ansiedade das famílias”, explica Renata Bueno, ex-deputada do Parlamento da Itália e presidente do Instituto Cidadania Italiana, que também fornece serviços de assistência a ítalo-descendentes em busca do reconhecimento de suas origens.
No entanto ela diz não acreditar que a proposta será aprovada. “A própria primeira-ministra já demonstrou isso, então acho que não tem chance de passar”, assegura. (ANSA).