Com uma prorrogação de 180 dias anunciada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e relator do caso, Alexandre de Moraes, o inquérito das fake news completará seis anos em março de 2025.
O inquérito reúne apurações sobre disseminação de conteúdo falso na internet e a ataques contra ministros da Corte e instituições da República. As investigações Tempus Veritatis e Contragolpe da Polícia Federal, que apuram uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022 e têm o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como um dos indiciados, fazem parte dele.
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O magistrado justificou a decisão com o surgimento de novas diligências e suspeitos a serem ouvidos pela PF. “Com a finalidade de finalizar as investigações sobre a comprovação da existência, o financiamento e modus operandi do ‘Gabinete do Ódio’, bem como de todos os seus participantes, o Inquérito 4781 foi prorrogado por 180 (cento e oitenta) dias”, escreveu Moraes.
O ministro ainda determinou a oitiva de mais 20 suspeitos e autorizou a análise da quebra de sigilo fiscal e bancário de investigados — o que pode gerar uma nova prorrogação.
Sinais e efeitos da prorrogação
O site IstoÉ ouviu Alessandro Soares, professor de direito constitucional do Mackenzie, e Nestor Santiago, advogado criminalista e professor da Universidade de Fortaleza e da UFC (Universidade Federal do Ceará), para entender o que o prolongamento do inquérito diz a respeito do caso e do comportamento do Judiciário brasileiro.
IstoÉ A duração de seis anos não é uma exclusividade do inquérito das fake news — o Supremo já prolongou inquéritos por mais de uma década –, mas gera um debate. Quais são as razões para que um inquérito judicial se prolongue por esse período?
Alessandro Soares Há uma grande discussão sobre o tempo razoável para os processos. A Constituição estabelece o direito a um tempo razoável de processo, seja administrativo ou judicial, até para que ninguém fique submetido ‘para sempre’ a um processo.
Por outro lado, há dever do Estado em investigar, identificar os autores de um ato. Não adianta que um prazo seja adotado de acordo com a Legislação penal sem que as investigações estejam concluídas. A depender do caso, um ano pode ser excessivo, e 20 podem ser insuficientes — na prática, o caso concreto é o que determina.
Uma prorrogação pode ser fundamentada pela necessidade de coleta de provas e realização de depoimentos, por exemplo. Novos elementos podem redundar na necessidade de mais procedimentos internos com relação ao inquérito. Se houve prorrogação de prazo, deve-se analisar a fundamentação.
É importante que o juiz, ao fundamentar, também aponte uma perspectiva de finalização — neste caso, foram seis meses. Mas o ministro Moraes também indicou que haverá novas oitivas, o que pode gerar novas provas e ampliar o inquérito outra vez. Essa é uma situação anormal, em que houve novos fatos concretos, como a descoberta de uma trama golpista, e exige reações proporcionais.
Nestor Santiago De uma forma geral, inquéritos com duração tão alargada normalmente passam a investigar pessoas, e não fatos. Ou seja, estamos falando de investigações que vão se espraiando sob o pretexto de um determinado objetivo, mas que se desdobram de forma quase infinita, como se jogasse uma rede de pescaria para apanhar o maior número de peixes possível. No direito, dá-se o nome a isso de “pescaria probatória”.
Por mais complexas que sejam as operações, os Tribunais, geralmente, têm aceito a tese de excesso de prazo na investigação, de forma a poder encerrar o inquérito, já que se trata de situação que caracteriza o excesso de prazo, o que é proibido pela Constituição. O grande problema é que o STF não aceita a impetração de Habeas Corpus contra atos por ele praticados, o que torna impossível falar-se em trancamento desse inquérito policial.
IstoÉ As prisões realizadas pela Polícia Federal e os elementos que se tornaram públicos neste inquérito justificam a necessidade de prolongamento? Não há material suficiente para que ele seja concluído e a Procuradoria-Geral da República apresente uma denúncia?
Alessandro Soares Para afirmar que existem elementos para apresentação da denúncia, estou concluindo que há elementos suficientes para identificar os autores, o modus operandi e os financiadores da suposta organização criminosa. Isso depende da observação do próprio inquérito — que tramita em sigilo –, o que cabe ao próprio relator.
É evidente que há um momento em que o relator terá a função de, ao lado dos investigadores, determinar o encerramento; tem de haver limites, mas é preciso tomar cuidado para não tratar esse como um inquérito normal. Estamos tratando de uma tentativa de abolição do Estado democrático de direito e, portanto, de um contexto de excessiva gravidade.
A ideia, diante deste cenário, é que o inquérito alimente o Procurador com informações suficientes para analisar esse contexto. Esse não é um inquérito comum e, por sua gravidade, não pode ser tratado como tal.
Nestor Santiago Particularmente, não vejo uma relação de causa e consequência entre a notoriedade dos fatos investigados e a duração — excessiva ou não — desses inquéritos. No caso do Mensalão, por exemplo, as investigações foram relativamente curtas — cerca de 2 anos — com a propositura de denúncia pelo MPF em igual tempo.
Por questões jurídicas, não há como terceiros terem acesso à íntegra do dito inquérito das fake news, que tramita em sigilo. Pelo que já foi divulgado, notadamente com relação ao inquérito das joias sauditas e do inquérito dos atos antidemocráticos, há elementos suficientes de acusação pelo Procurador-Geral da República, que poderiam ser devidamente complementados por fatos que, posteriormente e por meio de outras investigações, vierem a surgir.