16/12/2024 - 9:15
Uma estrada serpenteia a entrada de uma mansão com vista para o mar, entre o gramado bem cuidado e uma piscina de azulejos. A residência de verão do presidente sírio deposto, Bashar al-Assad, em Latakia, o principal porto sírio no Mediterrâneo, revolta os visitantes.
“Pensar que gastava todo esse dinheiro enquanto nós vivíamos como miseráveis”, lamenta Mudar Ghanem, 26 anos, libertado depois de passar 36 dias detido em Damasco pela acusação de “terrorismo”.
Ele visitou o local no domingo “para ver com os próprios olhos” como o ditador vivia “quando as pessoas nem sequer tinham energia elétrica”, afirmou diante das janelas da enorme sala de mármore branco.
“Não me importa se o futuro presidente vai morar aqui, desde que ele cuide das pessoas. Que não nos humilhe”, disse.
A província de Latakia é o berço do clã Assad, que permaneceu mais de meio século no poder. Bashar al-Assad foi deposto por uma ofensiva relâmpago de uma coalizão rebelde.
As famílias começaram a caminhar no domingo pela residência de verão do presidente deposto, vigiada por alguns combatentes. Uma das três mansões de Assad na região de Latakia, no Mediterrâneo.
Além do triunfo da ofensiva, os moradores da região demonstram choque e raiva diante de tamanho luxo.
A casa foi completamente saqueada, mas o tamanho dos quartos e o mosaico antigo que adorna a entrada atestam sua opulência
Noura, 37 anos, vivia com sua família nestas terras: “Nos expulsaram. Nunca mais ousei voltar”, conta, antes de afirmar que pretende recorrer aos tribunais para recuperar seus bens.
Assim como Noura, uma semana após a queda do presidente, muitas pessoas que se reuniram no domingo em Latakia estão dispostas a falar, mas no momento de revelar os nomes esbarram no medo provocado pelo clã que governou o país de maneira violenta por mais de 50 anos.
“Nunca se sabe se eles voltarão”, disse Nemer, 45 anos, que estacionou suam moto diante de uma residência luxuosa no distrito de Al Zeraaha: a casa de Munzer al-Assad, primo de Bashar que liderou uma milícia mafiosa conhecida por seus abusos e tráfico com seu irmão Fawaz, que morreu em 2015.
A casa teve os dois andares saqueados. Nada resistiu à fúria da população: fotos de família quebradas, retratos pisoteados, candelabros quebrados, móveis roubados.
“Ganhamos 20 dólares por mês, tenho dois empregos para alimentar minha família”, diz Nemer Emer, que se lembra dos comboios que percorriam as ruas.
Na concessionária “Syria Car”, do filho de Munzer, Hafez, resta apenas um automóvel exposto na vitrine quebrada: como não conseguiram retirá-lo, a multidão destruiu o carro.
Hassan Anouar tem outros planos. O advogado de 51 anos inspeciona as instalações e carrega todos os documentos que podem ser utilizados em processos: Hafez era conhecido por confiscar ou comprar os carros que cobiçava muito abaixo do preço, em detrimento de seus proprietários, explica Anouar.
“Várias denúncias foram apresentadas”, relata.
A “Syria Car” era um grande local de lavagem de dinheiro sujo que mascarava o tráfico da família, diz o advogado.
Na calçada, duas pessoas param sobre uma grade da rede de esgoto, a levantam e retiram centenas de pequenas pílulas brancas: é o “Captagon”, segundo eles, uma droga sintética encontrada em quantidades industriais em todo o país.
Anouar afirma que a droga era exportada de Latakia com etiquetas de roupas ‘Made in China’.
Seguido por dois jovens combatentes que acabaram de chegar de Idlib, o reduto rebelde, ele entra em um prédio anexo por uma janela quebrada, pela qual sai um jovem policial, Hilal.
No porão, Hilal encontrou balanças novas, ainda nas caixas, “para pesar as drogas”, conta, e caixas de pipetas de vidro, tubos de ensaio e tubos que, segundo ele, foram usados para produzir comprimidos de metanfetamina.
“Estou chocado com o nível de criminalidade”, disse Ali, 30 anos, um dos jovens combatentes de Idlib. “Deus se vingará”, afirma o outro, Moudar Ghanem.
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