A defesa de Jair Bolsonaro (PL) pediu, pela segunda vez, que o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), seja impedido de atuar em julgamentos decorrentes das investigações de uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

As investigações da Polícia Federal indiciaram o ex-presidente e outras 36 pessoas pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Bolsonaro não é réu, mas pode acabar preso se o caso for a julgamento no Supremo.

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Os argumentos dos advogados

Na representação, a defesa do político afirmou que o magistrado tem “absoluto interesse pessoal” no caso e, em manifestações nos autos do processo, “reconhece expressamente ter sido alvo de um ‘plano’ cujas finalidades incluiriam até mesmo a sua morte, o que o coloca em uma posição de suposta vítima direta dos fatos em apuração em petições sob a relatoria dele”.

Em agosto, um primeiro pedido neste sentido foi negado por Luís Roberto Barroso, presidente do STF.

Os policiais apuraram que, após as eleições, as atividades e agenda pública de Moraes eram monitoradas por militares das Forças Especiais do Exército (os “kids pretos”, treinados em operações de contra-inteligência, insurreição e guerrilha), que elaboraram um plano para sequestrar o ministro em 15 de dezembro de 2022 e, depois, executá-lo, destino que também teriam o presidente Lula (PT) e o vice, Geraldo Alckmin (PSB). Além de ministro, Moraes era na ocasião presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), posto em que tomou diversas decisões contrárias ao bolsonarismo antes e depois da campanha eleitoral.

O pedido da defesa antecipa a chegada do caso às mãos do magistrado. Neste momento, o inquérito está com a PGR (Procuradoria-Geral da República), que analisa as evidências coletadas pela PF para apresentar ou não denúncias ao Supremo, em decisão que ficou para 2025. Se houver apresentação, a corte instaura um processo criminal, ao fim do qual haverá uma sentença — com voto dos 11 magistrados — pela responsabilização ou não dos hoje indiciados.

As margens para o questionamento

Juízes são impedidos de exercer a função nos casos em que eles próprios, cônjuges ou familiares são parte diretamente interessada pelo Código de Processo Penal, no artigo 252. No caso dos inquéritos em questão, o enquadramento usado pela defesa de Bolsonaro se deve ao fato de que Moraes seria, ao mesmo tempo, suposta vítima e juiz no processo.

“Ainda que o Código de Processo Penal não tenha uma disposição clara neste sentido, a hipótese de que o juiz e as partes são inimigos capitais — os investigados, em tese, queriam matar o ministro — faz com que haja um conflito na atuação de Moraes“, disse ao site IstoÉ Frederico Crissiuma, advogado criminalista da Castelo Branco Advogados Associados.

“Todos os casos de suspeição e impedimento, inclusive quando o próprio juiz se declara impedido, têm como pano de fundo o princípio de imparcialidade da Justiça. Quando você está à frente de um inquérito em que você é a vítima de um plano de homicídio, há margem para que esse princípio seja colocado sob dúvida. O ministro deveria ter aberto mão dessa relatoria“, concluiu o advogado.

Para Davi Tangerino, professor de direito penal da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), a investigação diz respeito a Moraes “na condição de presidente do TSE, não como pessoa física”. “Uma vez que fixaram que ataques institucionais ao Supremo atraem a competência, então este é um ataque institucional”, afirmou ao site IstoÉ.

Em notas oficiais, o Supremo seguiu a linha do professor da Uerj e defendeu a relatoria de Moraes em investigações que o envolvem, afirmando que o Código de Processo Penal “afasta qualquer suspeição ou impedimento quando as ameaças ou coações são feitas ao juiz que já conduz o inquérito ou processo”. O tribunal considera que os supostos crimes julgados não são contra o ministro, mas contra o Estado democrático de direito e, portanto, não há razão para suspeição.

Em 2020, o plenário do STF decidiu, por 10 votos a 1, pela constitucionalidade de julgar inquéritos que incluam ameaças a seus membros. Implicações diretas de um integrante, no entanto, são mais espinhosas — em 2023, a PGR se posicionou contra a inclusão do próprio Moraes como assistente de acusação no inquérito que investigou uma suposta agressão a sua família em um aeroporto na Itália, afirmando que haveria “privilégio de natureza pessoal” na situação.