28/11/2024 - 7:25
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, 27, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pode acabar com todas as possibilidades previstas no Brasil para a interrupção da gestação de forma legal. Hoje, o aborto pode ser feito em caso de risco de morte à gestante, no caso de gravidez decorrida de estupro ou caso o feto tenha anencefalia (má-formação do cérebro). O procedimento passaria a ser vetado mesmo nestes casos.
A discussão da PEC foi tumultuada, com protestos de manifestantes do movimento feminista. “Criança não é mãe/Estuprador não é pai”, entoaram elas. Uma deputada chegou a rezar a Ave Maria no meio da confusão.
Já deputadas governistas se reuniram e chegaram a fazer um cordão em volta das manifestantes e acompanharam os gritos de “retira a PEC”. A proposição agora vai para uma comissão especial, que precisará ser criada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
A PEC aprovada ontem recebeu 35 votos “sim” e 15 votos “não”. Ela havia sido protocolada em 2012 pelo deputado federal cassado Eduardo Cunha (Republicanos-RJ). A redação proposta garante a “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”. “A vida não se inicia com o nascimento e sim com a concepção”, justificou Cunha à época.
Colateral
Manifesto publicado por nove organizações sociais contra a PEC argumenta que a proposição pode ir além de vetar o aborto legal. Ela poderia inviabilizar a fertilização in vitro, já que, no momento da implantação no útero após a fertilização, pode haver perda de embriões (no ano passado, 110 mil embriões foram descartados nesse procedimento).
Entre outros argumentos, esse manifesto diz que a PEC acaba com as possibilidades de aborto legal, viola o direito de planejamento familiar, pode proibir pesquisas em embriões não implantados, impede o acesso a diagnósticos de pré-natal e a técnicas de reprodução assistida, fortalece desigualdades raciais e viola direitos fundamentais. O texto é assinado pelas organizações Nem Presa Nem Morta, Rede de Desenvolvimento Humano (RedeH), Coletivo Feminista, Rede Nacional Feminista de Saúde, CFEmea, Comitê de América Latina e o Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem), Católicas pelo Direito de Decidir, Grupo Curumim e Criança Não é Mãe.
‘Da vida’ X ‘do estuprador’
Oposicionistas chamam a iniciativa de “PEC da Vida”, enquanto governistas dizem que é a “PEC do Estuprador”, já que mulheres não poderiam mais interromper a gestação mesmo após terem sido estupradas. “O que se quer é obrigar crianças a serem mães e legitimar o estuprador. Contra a PEC do Estupro”, disse a deputada Erika Kokay (PT-DF).
Do lado bolsonarista, parlamentares equiparam o aborto ao assassinato e defendem que a vida começa na concepção. “A busca aqui é exatamente a palavra assassinato mesmo. Aliás, eu vou deixar muito claro que desde os primórdios da criação que sangue de inocentes é buscado”, diz Eli Borges (PL-TO), que presidiu a Frente Parlamentar Evangélica no primeiro semestre deste ano.
Na argumentação em defesa da PEC, cinco deputados – Mauricio Marcon (Podemos-RS), Coronel Fernanda (PL-MT), Gilson Marques (Novo-SC), Chris Tonietto (PL-RJ) e Eli Borges – expuseram um pequeno boneco que, segundo eles, representaria um feto que seria abortado. A presidente da CCJ, Caroline de Toni (PL-SC), defende a PEC e intensifica a agenda conservadora no colegiado faltando poucas semanas para o fim do seu mandato à frente da comissão.
O aborto já tinha entrado na pauta do Legislativo federal neste ano, com um projeto de lei que equiparava o aborto após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, estabelecendo penas de seis a 20 anos de prisão para a mulher que realizasse tal procedimento. A Câmara acelerou a tramitação desse projeto de lei no plenário em uma votação que durou cinco segundos. Após fortes críticas de movimentos populares e de organizações da sociedade civil, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu, em junho, criar uma comissão representativa para discutir o projeto e afirmou que essa proposição ficaria para o segundo semestre do ano. Até então, essa comissão não teve avanço.
Proposta segue agora para comissão especial
Com o texto aprovado na CCJ, a proposta precisa agora passar por uma comissão especial, que deve ser criada para que a Câmara analise essa matéria específica – não pelo mérito dela, mas porque se trata de um dispositivo que tem o poder de transformar a Constituição do País.
Após ser avaliada e aprovada por essa comissão, que deve ser constituída de membros indicados pelos partidos e tem o prazo de 40 sessões do plenário para dar um parecer, a PEC precisa ser votada pelo plenário da Câmara em dois turnos, respeitando o intervalo de cinco sessões entre as votações. O texto só seguirá para o Senado caso seja aprovado com 308 votos favoráveis dos deputados.
Uma vez na outra Casa, a proposta também deve passar pela CCJ de lá e, se aprovada, seguir para a votação do plenário em dois turnos. Se a PEC for alterada no Senado, deve voltar para a Câmara, onde precisa ser novamente votada. O trâmite continua até as duas Casas aprovarem o mesmo texto e que, uma vez aprovado, será promulgado como emenda constitucional em sessão do Congresso Nacional. Também é possível que só a parte com que os parlamentares de ambas as Casas concordaram seja promulgada.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.