27/11/2024 - 14:15
O general da reserva Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército durante a tentativa de golpe de Estado que a Polícia Federal concluiu ter ocorrido após as eleições de 2022, passou de militar próximo a Jair Bolsonaro (PL) a figura que resistiu à ruptura institucional nas investigações policiais que levaram ao indiciamento do ex-presidente, ex-ministros e servidores das Forças Armadas.
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Freire Gomes não foi indiciado. Ele e o tenente-brigadeiro Baptista Júnior, à frente da Aeronáutica durante a trama, foram apresentados ao plano, mas não consentiram ou colocaram suas tropas à disposição, ao contrário do que fez o almirante Almir Garnier, que comandava a Marinha, conforme os depoimentos coletados pela PF.
Embora a conclusão tenha alimentado o discurso de que ele preservou o regime democrático, o conhecimento da trama e um antecedente de leniência revelam outra dimensão na conduta do general.
Como foi a trama golpista, segundo a PF
Em harmonia com os ataques
Militar de carreira, Freire Gomes assumiu o comando das tropas verde-oliva em março de 2022, quando Paulo Sérgio Nogueira assumiu o Ministério da Defesa de Bolsonaro. Na ocasião, a corporação já havia sido escalada para formar uma Comissão de Fiscalização e acompanhar o processo eleitoral daquele ano.
Em depoimento aos policiais na condição de testemunha, o general afirmou ter relatado a Bolsonaro que o Exército não encontrou qualquer prova de fraude na votação — argumento usado pelo incumbente e seus aliados para embasar a suposta necessidade de uma revisão do pleito.
O relatório divulgado pela Força após o segundo turno, no entanto, dizia que os fardados não tiveram acesso ao código fonte das urnas, o que contribuiu para alimentar as suspeitas bolsonaristas. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o relato não procedia.
Enquanto isso, acampamentos eram montados em frente a quartéis-generais do Exército por todo o país. Em 11 de novembro, com os manifestantes pedindo intervenção militar a plenos pulmões, os três comandantes das Forças Armadas divulgaram uma nota que não condenava os protestos e transmitia mensagens ambíguas em relação à atuação do Judiciário.
Na mesma data, Freire Gomes orientou suas tropas a não desmobilizarem os acampamentos — mais tarde, os policiais apuraram que essa mobilização popular pelo questionamento do processo eleitoral teve participação dos indiciados no financiamento e organização.
Sob a presença do plano
No período, seus comandados das Forças Especiais (os “kids pretos”, treinados em operações de contra-inteligência, insurreição e guerrilha) elaboravam um plano para consumar um violento golpe de Estado, com participação estratégica do coronel Nilton Diniz Rodrigues, seu assistente. No relatório da PF, não há informação de que o comandante tinha conhecimento de que isso acontecia.
No entanto, a “minuta do golpe”, documento elaborado por Filipe Martins, ex-assessor da Presidência, e pelo advogado Amauri Saad para dar suposto embasamento jurídico à ruptura institucional, foi discutida na presença de Freire Gomes em mais de uma oportunidade. Policiais ainda encontraram mensagens com menções ao documento endereçadas pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, ao general.
Tudo isso aconteceu antes do comandante se opor ao plano. O Código Penal Militar prevê pena de detenção de seis meses a dois anos para um fardado que “retardar ou deixar de praticar ato de ofício”, o que configura prevaricação. Neste caso, o enquadramento poderia ocorrer pela falta de reação pública ou denúncia da trama às autoridades.
“[As investigações dão conta de que] a posição contrária do General influenciou a derrocada da intenção golpista. Nesse contexto, não vejo configurada a prevaricação“, afirmou Fernando Castelo Branco, advogado criminal e coordenador da ESA (Escola Superior de Advocacia), ao site IstoÉ.
Por fim, Freire Gomes se opôs à tentativa de ruptura e virou alvo de ofensas e tentativas de pressão pública e privada para mudar de opinião. Walter Braga Netto, candidato a vice derrotado com Bolsonaro, chegou a chamá-lo de “cagão” nas investidas, mas o general se manteve resistente.
Já com a trama frustrada, o comandante e seus pares cogitaram não realizar a passagem do cargo aos nomeados por Lula, no que seria um sinal de insubordinação ao novo chefe do Palácio do Planalto — e, por consequência, das Forças Armadas — e fidelidade ao ex-presidente, mas foram demovidos da ideia pelo ministro da Defesa do petista, José Múcio, conforme reportou o jornal O Estado de S. Paulo.