As provas reunidas pela Polícia Federal no indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no inquérito que investiga a trama de golpe de estado colocam o capitão da reserva na posição de peça-chave no quebra-cabeça das movimentações antidemocráticas. É como avaliam especialistas ouvidos pelo site IstoÉ.
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O ex-chefe de Estado foi indiciado pela Polícia Federal na última quinta-feira, 21, por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Além dele, outras 36 pessoas, incluindo ex-ministros de sua gestão, são citados no relatório da PF.
Para a Polícia Federal, Bolsonaro é peça-central do grupo. Os investigadores acreditam que o ex-presidente sabia das ações programadas por seus aliados, como a tentativa de homicídio contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na avaliação do advogado especialista em direito criminal Humberto Fabretti, as provas apresentadas pela PF são suficientes para a apresentação do indiciamento do ex-presidente. Ele ressalta que a instauração do inquérito não precisa de uma prova cabal, ao contrário do processo no STF, em que é necessário documentos robustos para a condenação.
“Quando estamos falando de investigação, não é necessário uma prova cabal para o indiciamento, basta indícios de autoria e materialidade do crime. Ou seja, para o indiciamento, a carga probatória necessária é muito menor do que para uma condenação, por exemplo. O que foi apresentado até agora é mais do que suficiente para o indiciamento”, afirma.
A investigação
A apuração da Polícia Federal no roteiro do golpe de Estado durou mais de um ano e meio. O ponto inicial foi a apreensão de um documento de um decreto de intervenção encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. À época, Torres era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e foi preso por omissão nos ataques de 8 de janeiro.
A ideia do golpe de Estado foi confirmada pela delação premiada de um aliado de confiança de Bolsonaro. O tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, se viu obrigado a entregar militares, ex-ministros e até o próprio Bolsonaro para conseguir reduzir sua pena e livrar sua esposa e seu pai da cadeia.
A delação de Cid e as provas colhidas com o militar foram determinantes nas investigações. Deputados, senadores e até a cúpula do Palácio do Planalto davam como certo o indiciamento, a questão era quando seria.
Para a PF, o roteiro do golpe se divide em seis partes: Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral; Núcleo Responsável por Incitar Militares à Aderirem ao Golpe de Estado; Núcleo Jurídico; Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas e Núcleo de Inteligência Paralela.
De acordo com os investigadores, a ideia de golpe de estado começou com as tentativas da cúpula bolsonarista de descredibilizar o sistema eleitoral, além da propagação de notícias falsas. Assim também pensa o coordenador do curso de direito da ESPM, Marcelo Crespo.
“Não dá para dizer que é uma grande surpresa [o indiciamento], porque esses inquéritos vêm acontecendo basicamente desde aquele movimento do dia 8 de janeiro, da tentativa frustrada do golpe, seja lá o que tenha sido efetivamente aquilo ali”, afirma Crespo
“O presidente perdeu a eleição, não aceitou a derrota, já vinha trabalhando uma ideia de que as urnas eram fraudadas da forma mais esdrúxula possível, fazendo aquela reunião com os embaixadores que o tornou inelegível. Então, a gente já tinha um contexto muito complexo que pesa contra o ex-presidente da República”, completa.
Os indiciados
Além de Bolsonaro, ao menos quatro ex-ministros e dois ex-comandantes das Forças Armadas foram indiciados pela Polícia Federal. Torres, como citado acima, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional General Augusto Heleno, o ex-ministro da Casa Civil e Defesa Walter Braga Netto, e o ex-ministro e ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira.
Os nomes citados acima fazem parte da cúpula de extrema confiança de Jair Bolsonaro. Heleno e Braga Netto principalmente.
Além de ter sido o nome forte do governo por mais de um ano, Walter Braga Netto foi premiado com o cargo de vice na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022. Para a PF, o general esteve envolvido e recebeu militares na primeira reunião para arquitetação de um plano para matar Lula, Alckmin e Moraes.
Crespo ressalta que a proximidade do ex-presidente com sua cúpula militar o coloca como envolvido “até o último fio de cabelo” nos crimes investigados pela PF. Ele ressalta ser muito difícil que Bolsonaro não tenha tido conhecimento das ações orquestradas por seus pares.
“É muito difícil que o presidente não tenha tomado conhecimento disso. Agora, ter conhecimento é diferente de dar ordens expressas para que alguma coisa acontecesse. A gente sabe que existia uma clara insatisfação do ex-presidente com o assunto possível derrota, com a possibilidade do ex-presidente Lula e agora presidente voltar a disputar com ele uma eleição”, explica.
“É um discurso coerente no sentido de que ele está envolvido até o último fio de cabelo nisso aí”, ressalta o advogado.
Mesma opinião compartilha o advogado Acacio Miranda. Para o jurista, Bolsonaro não tem a digital direta, mas está indiretamente envolvido na trama do golpe.
“Por mais que não exista a digital dele diretamente nos fatos, é importante a gente lembrar que ele seria o principal beneficiado, porque seria mantido na presidência da República. E mais do que isso, além de ser o principal beneficiário, todas essas circunstâncias foram armadas na antessala dele por pessoas que estavam hierarquicamente vinculadas a ele”.
“Se ele não é o autor intelectual, ele é mandante ou, minimamente, ele é omisso com tudo isso. A gente pode dizer que ele está envolvido com isso, agora resta saber o tamanho desse envolvimento”
A notícia já era esperada nos bastidores do Palácio do Planalto. Na avaliação de interlocutores de Lula, a impressão de documentos com planos para aniquilar o petista foi a pá de cal da cúpula bolsonarista.
Acácio Miranda, no entanto, considera os nomes influentes do governo Bolsonaro como alvos principais para comprometer o ex-presidente no inquérito. Para ele, um nome se destaca como crucial nesse indiciamento: Walter Braga Netto.
“O Braga Neto, eu não preciso nem justificar a proximidade dele com o Bolsonaro. E as provas, se não mostram a participação direta do Bolsonaro, comprovam com muita clareza a participação direta, a autoria intelectual do Braga Neto. Então, essa proximidade, essa proximidade do Braga Neto com ele, eu acho que é determinante”
“E o fato dele ser beneficiário. Porque se a gente lembrar, aquela minuta do golpe que foi tão discutida lá atrás, também foi impressa no Planalto ou no escritório do PL. Eles encontraram vias em alguns lugares. Tudo isso traz ou mostra elementos suficientes, pelo menos para justificar essa investigação”.
O relatório da PF está na mesa do ministro Alexandre de Moraes, que deve distribuir o documento para a Procuradoria-Geral da República (PGR) na próxima semana. O procurador-geral, Paulo Gonet, deverá decidir se denuncia os 37 suspeitos, se arquiva ou pede maiores detalhes aos investigadores.