15/11/2024 - 10:00
Enrique Diaz caiu nas graças do público de vez após entrar de cabeça na teledramaturgia e dar uma pitada de humor a qualquer personagem que lhe é atribuído.
O ator apostou nas novelas quando já tinha uma carreira consolidada no cinema, teatro e como diretor, e admitiu, aos 57 anos de idade, que tinha preconceito com folhetins quando era jovem, mas agora está feliz com o gostinho de poder sentir o carinho do público mais popular nas ruas.
“Eu tenho uma carreira bem longa, mas sempre tive desejo por outros tipos de trabalho. Fazia menos televisão no começo, tinha algum preconceito quando era adolescente, mas tive bastante tempo para essa transformação a ponto de, nos últimos anos, eu ter achado bom experimentar essa relação com o público sem medo de ser devorado”, declarou em entrevista exclusiva ao site IstoÉ Gente.
O ator, que deu vida nos últimos anos ao Durval, de “Amor de Mãe” (2020), Firmino, de “Renascer” (2024), Timbó, de “Mar do Sertão” (2022) e “No Rancho Fundo” (2024), e que estará no elenco da atual novela das 19h, “Volta Por Cima”, a terceira dele este ano, celebrou as oportunidades que apareceram na TV.
“Você fica conhecido demais, anda na rua e as pessoas te olham, falam com você, reproduzem muita simpatia, empatia. Tem muita beleza, porque você está ouvindo as pessoas falarem e vibrarem pelo meu lavoro, pela minha dedicação. É tão bonito ver essa comunicação”, completou ele, que já ficou incomodado com algumas abordagens mais inconvenientes.
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“Sempre tem uma pessoa atirada demais, ou folgada demais, que lida com você como um objeto que, por estar na casa dela [pela TV], pertence a ela, te pega, te bota na foto sem ter educação para falar ‘dá licença’. Isso não é bom, mas é tão infinitamente menor do que a simpatia, do que a delicadeza, do que o olhar bonito em relação ao trabalho, que, nossa, nem se compara”, ressaltou.
Ao ser questionado sobre o lado bom e ruim de se estar vivo, o irmão do também ator Chico Diaz refletiu sobre sua trajetória até aqui. Segundo ele, a vida lhe proporcionou ter disposição e vontade de fugir de alguns padrões para seguir em frente – por exemplo, fazer faculdade e mestrado depois dos 40 anos de idade.
“Já com 40 e tantos fiz faculdade de Letras e mestrado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade, na PUC do Rio. Mas o ônus é estar vivo, né? A gente perde, erra, se estrepam faz um personagem que acha que não fez tão bem, ou não tem o sucesso que esperava, mas do chão não passa, sabe?”
“Eu acho que eu gosto de arriscar um pouco, eu acho que tenho tido muita sorte também, mas às vezes a gente fica cansado, faz coisas demais ao mesmo tempo, eventualmente não tem trabalho. A mim pouco acontece isso, porque eu fui criado em uma tradição que eu mesmo crio os trabalhos se necessário”, ponderou ele, que criticou a gestão do governo de Jair Bolsonaro, que foi presidente da república entre 2019 e 2023, por reduzir os incentivo à cultura da população.
“A gente precisa, principalmente no teatro e no cinema, de fomento, porque as pessoas são criativas, mas elas precisam ter um panorama de que os trabalhos podem acontecer. Sem fomento, você perde a perspectiva e fica só à mercê de ser chamado para trabalhar. Eu fui criado para criar oportunidade, juntar gente, dialogar, se preocupar com o convite ao público, isso é muito importante. Mas precisa de estrutura de governo, de cultura de fomento para a cultura, que foi vilanizada nesse período terrível do Bolsonaro. É superimportante e muda o panorama da criação”, argumentou.
Etarismo
Próximo de completar 60 anos de idade, Enrique Diaz não se diz preocupado em sofrer um possível etarismo no futuro por parte do mercado de trabalho, que reduz as oportunidades dos atores que atingem a terceira idade.
“Eu não sei exatamente como acontece essa preocupação com o futuro. As coisas vão mudando essencialmente, filosoficamente, e vão ficando mais fracas. Não é só uma questão do mercado. Mas eu não sei me preocupar, acho que um dado de realismo é saber que as coisas acontecem e como posso me defender disso. Eu me defendo mais internamente, no sentido do meu pensamento, do meu estudo, do meu tipo de relação com o pensamento”, afirmou.
“O espaço da criação é essencial para mim. Então, talvez por isso eu tenha ido fazer mestrado. Sem dramatizar, mas quando eu quis fazer a faculdade e o mestrado, era uma coisa que eu estava me devendo, um pouco pela tradição da minha família, mas era uma coisa que eu queria ter como se fosse uma homeopatia intelectual, como uma prática, como um hábito, como uma ginástica”, explicou.
Diaz contou que não rema contra a maré e sabe que o físico vai se deteriorando com o tempo. Por isso, quer sempre manter a mente ativa para buscar mais tempo no ofício da arte.
“Vai ter uma hora que o corpo fica menos ativo, então eu quero ter o treino da leitura, o treino da literatura, o treino da narrativa, o treino da escrita, para eu também me ocupar com isso quando eu for mais velho. Não é só uma preocupação de trabalho, de emprego, mas já é de espaço criativo e de ação”, destacou.
A “Dança dos Famosos” ajudou nisso?
“A dança me ajudou na capacidade de risco, de me divertir com as coisas mais inusitadas, diferentes, não ter preconceito demais com coisas que você não conhece tão bem e ver que tudo tem um lado legal. Eu poderia ficar com medo daquilo só e não ter tido oportunidade. E eu tive uma oportunidade muito legal, foi divertido, foi humano, amistoso, físico, ortopédico [risos]”, brincou o artista, que teve uma rotina pesada de treinos.
“Fazia muito tempo que eu não treinava e talvez eu não consiga botar isso na minha vida com uma intensidade parecida agora, porque aquilo ali é muito específico e você tem que ter muito foco, muita energia. Mas me deu uma lembrança de um prazer não só físico, mas espiritual também do corpo. O corpo ensina a gente. Embora o contexto seja super específico, de show, de competição, que é uma coisa que eu gosto menos, foi muito divertido”, frisou ele, que achou que sua participação no quadro do “Domingão do Huck” serviu de alerta para o público que o assistiu.
“As pessoas olham de fora e talvez fiquem com um problema bom, que é esse cara que é ator, dirige, dança e faz o mestrado. Acho esse desafio bom para elas também, para elas pensarem que podem ir para muitos lados, que o meu preconceito não permitiria. Eu gosto disso”, complementou.
“O Auto da Compadecida 2”
No elenco do filme “O Auto da Compadecida”, lançado em 1999 de uma adaptação para o cinema da peça teatral de Ariano Suassuna, Enrique Diaz fará parte do “Auto da Compadecida 2”, que estreia no dia 25 de dezembro nas telonas.
O ator, que deu vida ao temido cangaceiro Joaquim Brejeiro no longa, contou que sua participação desta vez será um pouco menor, porém o personagem será o mesmo que ficou conhecido pelo bordão “não gosto de matar padre, não, mas se tem que matar, eu mato”.
“Ele está em um tamanho diferente, mas nesse pertencimento das pessoas. É um pertencimento que a gente já comprovou, claro, desde Suassuna, no sentido da tradição dessas histórias, mas a partir do filme do Guel [Arraes, diretor], a gente teve uma experiência de encontro. Qualquer lugar do Brasil que você vá, claro, especialmente no Nordeste, as pessoas conhecem de cor e têm muita simpatia e falam que é o melhor filme brasileiro”, destacou.
“Então, essa experiência já existe e ela é muito forte e pertence a essa quantidade de gente de muitos tratos sociais. E agora a gente volta para isso, é a sensação de voltar para casa, de estar nos reencontrando com esse encontro, nos reencontrando com uma certa história, nos reencontrando com um tipo de narrativa”, celebrou.
“Claro, aquilo ali não dá conta da complexidade do que é ser brasileiro ou do que é ser nordestino, mas é um lugar de encontro, por ser um lugar amplo, é um lugar que cabe muita gente, é um lugar de qualidade, é um filme muito gostoso”, elogiou ele, que ainda não viu o longa pronto, mas já está com a expectativa alta.
“Tenho uma impressão muito, muito boa, vai ser engraçado, porque será mais de 20 anos depois, a gente está um pouco mais velho, e surge a curiosidade de saber como isso vai acontecer para as pessoas, como vai bater nelas, porque todas elas também estão mais velhas, o Brasil também mudou, que operação vai acontecer, sabe?”, afirmou Enrique, que eu não sei, mas ela é baseada na empatia, na simpatia e em um trabalho de alta qualidade, eu tenho certeza”, encerrou.