Em turnê por São Paulo para o lançamento de “Megalópolis”, Francis Ford Coppola, de 85 anos, comentou o desafio de escrever o novo longa. Durante evento para convidados 19em São Paulo, o cineasta negou que tenha trabalhado no título por 40 anos — como apontavam rumores — e relembrou histórias do passado, como quando jogou estatuetas do Oscar pela janela por revolta relacionada ao filme “Apocalypse Now”. 

Megalomania

No filme protagonizado por Adam Driver, Coppola conta a história de um ambicioso arquiteto, Cesar Catilina, que deseja reconstruir a cidade de Nova Roma com uma tecnologia supermoderna, de modo que a cidade seja autossustentável e se adapte às necessidades daquela sociedade.

Em contrapartida, seu projeto de utopia encontra resistência de grandes figuras daquela metrópole, como o próprio prefeito, Cicero, vivido por Giancarlo Esposito, mas também o apoio da filha deste, Julia (Nathalie Emmanuel), que consegue enxergar genialidade em Cesar onde outros só enxergam devaneios.

Questionado pelo site IstoÉ sobre o processo de escrita de um projeto com temas tão complexos — como filosofia, romance, utopia, tecnologia e fantasia — , Coppola explica: “Eu tinha 40 anos dos chamados ‘roteiros’, um monte de cadernos, artigos que eu havia lido, histórias… Tinha uma coleção de charges políticas. Basicamente, o que eu fiz foi: tudo em ‘Megalópolis’ é verdade, seja porque aconteceu em Nova York nos anos 1940, 1950 ou 1960, ou aconteceu em Roma no momento do fim da República Romana”.

E completa: “Tudo nesse filme aconteceu de verdade, mas onde aconteceu, em que contexto aconteceu, é diferente”.

O diretor conta que, a partir desse compilado de informações, precisava criar um filme que fosse atraente para o público, e que ele tivesse vontade de assistir várias vezes. 

“Eu sabia que ‘Megalópolis’ tinha que ser como ‘Apocalypse Now’, o tipo de filme que não poderia ser tedioso. As pessoas tinham que assistir e pensar: ‘Uau, o que eu acabei de ver? Tenho que ver de novo!’. Toda vez que você assiste, você tem um filme diferente”, diz.

Uma das fontes de inspiração para o modelo de narrativa usada pelo roteirista e diretor no título foi o escritor irlandês James Joyce (1882-1941). “Eu li um artigo no qual ele [Joyce] dizia: ‘Estou escrevendo um livro e vou colocar tanta coisa obscura nele que ele vai ser vendido por 100 anos e as pessoas vão tentar decifrá-lo’. [Esse livro] era ‘Finnegans Wake’. Foi o que eu fiz com ‘Apocalypse Now’, que ainda é um filme que arrecada muito, e é um dos motivos pelos quais estou confiante de que ‘Megalópolis’ vai superar o desafio do tempo”, finaliza.

Estatuetas pela janela

Durante a conversa, Coppola comentou como conseguiu ter estatuetas do Oscar substituídas após um ataque de raiva.

“Quando era jovem, consegui o trabalho para dirigir ‘O Poderoso Chefão’, e eu não tinha nenhum poder. Sempre me falavam que eu provavelmente seria demitido, então me tornei maquiavélico. Usei minhas habilidades para continuar no poder”, diz o cineasta.

“Me vi fazendo dois ‘O Poderoso Chefão’ e eles fizeram muito sucesso e todo mundo ganhou muito dinheiro. Eu mesmo ganhei muitos Oscars, mas quando eu disse o que queria fazer em seguida, que era ‘Apocalipse Now’, me falaram que eu não podia fazer”, explica.

O diretor conta como reagiu com fúria jogando fora as estatuetas que já havia ganhado na carreira:

“Eu disse: ‘O que vale Oscars e dinheiro se eu não posso fazer o filme que quero fazer? Então joguei os Oscars pela janela e eles se espatifaram. Minha mãe pegou todos, foi até a Academia [de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood] e disse: ‘Meu pobre filho, a empregada da casa dele estava limpando e quebrou’. Eles substituíram todos… eles ficaram destroçados.”

Antes de realizar “Apocalypse Now”, lançado em 1979, Coppola já havia recebido pessoalmente cinco estatuetas do Oscar. Três pelos roteiros adaptados de “Patton, Rebelde ou Herói?” (1970), “O Poderoso Chefão” (1972) e “O Poderoso Chefão 2” (1974), além de Melhor Direção e Melhor Filme pela segunda parte do “Chefão”.

Sem ter quem financiasse sua nova empreitada, o cineasta decidiu usar seu próprio dinheiro para bancar a produção de “Apocalypse Now”, que rendeu ao diretor a Palma de Ouro (correspondente ao prêmio de Melhor Filme) no Festival de Cannes daquele ano, além de oito indicações ao Oscar no ano seguinte. “Apocalypse Now” recebeu duas estatuetas na premiação, Melhor Som e Melhor Fotografia, nenhuma delas a Coppola, que estava indicado por Roteiro Adaptado, Direção e Filme.

Sem medo de se arriscar

Essa foi a primeira, mas não a última vez que Coppola desembolsou uma fortuna própria para realizar um filme. Em 1981, o diretor gastou entre 20 e 25 milhões de dólares na produção de “Do Fundo do Coração”, filme que o levou a declarar falência.

Agora, com “Megalópolis”, mais uma vez o ambicioso cineasta chegou a vender parte de sua vinícola na Califórnia para bancar os custos de produção de seu mais recente trabalho, que giram em torno de 120 milhões de dólares, além de cerca de 15 a 20 milhões de dólares em marketing.

Segundo o diretor, ele não se importa com o financeiro, principalmente porque seus filhos, Sofia, Roman e Gian-Carlo, não dependem dele e possuem suas próprias carreiras bem-sucedidas também na indústria do cinema.

“Meus filhos, sem exceção, têm carreiras maravilhosas sem uma fortuna. Eles não precisam de uma fortuna. Então, não importa o que aconteça, estamos bem. Não importa, o dinheiro não importa. O que importa são os amigos”, diz Coppola.

“Megalópolis” encerra a 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo nesta quarta-feira, 30, e tem estreia nacional na quinta, 31.