Por trás do poder indiscutível do aiatolá Ali Khamenei há uma luta de facções. A liderança iraniana está longe de ser monolítica e existe um debate intenso nos bastidores sobre a política a ser adotada em relação a Israel e Estados Unidos, entre a negociação e a força.

O líder supremo assegurou na sexta-feira (4) que seus aliados, como o movimento palestino Hamas e o grupo libanês Hezbollah, não vão recuar em sua guerra contra Israel, seu arqui-inimigo, para quem “não resta muito tempo”.

Contudo, o presidente Masoud Pezeshkian, reformista, instou em setembro a ONU a restabelecer o acordo internacional de 2015 sobre o programa nuclear iraniano, do qual os Estados Unidos se retiraram em 2018, durante o mandato de Donald Trump.

Trata-se de duas posições que, segundo especialistas consultados pela AFP, revelam dissonâncias subjacentes na liderança iraniana.

“Apesar de sua natureza autoritária, a República Islâmica sempre teve facções discrepantes sobre como [o país] deve interagir com o mundo exterior”, declarou à AFP Behnam Ben Taleblu, especialista em Irã da Fundação para a Defesa da Democracia (FDD), em Washington.

Ele explicou que o presidente “não controla nem define a política de segurança. Está ali para propor uma mudança de estilo, mas não de substância”.

Pierre Razoux, diretor acadêmico da Fundação Mediterrânea de Estudos Estratégicos (FMES), assegurou que, na ONU, “Pezeshkian obviamente teve luz verde do líder supremo para propor aos Estados Unidos uma grande negociação e colocar tudo sobre a mesa, inclusive o tema nuclear”.

Mas na disputa com Israel, “se os iranianos chegarem à conclusão de que não podem garantir sua dissuasão sem armas nucleares, atravessarão o limite” de adquirir uma bomba atômica.

– ‘Retirada tática’ –

Os atritos são reais entre o presidente moderado eleito em julho e o Exército de Guardiões da Revolução Islâmica, a força ideológica do regime responsável por sua sobrevivência e influência regional com o apoio de seus aliados Hamas, Hezbollah, as milícias iraquianas e sírias e os rebeldes huthis do Iêmen.

O líder ouve e orienta e, caso não haja consenso, resolve com sua autoridade.

“Khamenei toma suas decisões após consultar os membros do Conselho Nacional Supremo”, ou reúne todas as correntes do poder, analisa Eva Koulouriotis, especialista independente na região.

Mas os argumentos de ambos os lados evoluem conforme os acontecimentos, como ocorreu com a ofensiva israelense que, após destruir a Faixa de Gaza para desarmar o Hamas, eliminou também seu líder político Ismail Haniyeh, em julho em Teerã.

Inicialmente, “Khamenei apoiou uma retirada tática seguindo os reformistas”, assinalou a especialista grega.

No entanto, quando Israel matou em setembro, em Beirute, o carismático líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, dizimando o comando do movimento, o líder supremo considerou que a prudência havia fracassado.

“Ele adotou então a opinião dos conservadores dos Guardiões da Revolução, que haviam exigido uma resposta ao assassinato de Haniyeh”, afirmou Koulouriotis.

Isso explica o lançamento recente dos cerca de 200 mísseis iranianos contra Israel.

– ‘Muitas horas de reuniões’ –

Mas o Hezbollah não é um simples aliado: representa o principal ativo de Teerã, com um poderoso arsenal de drones, foguetes e mísseis de diferentes alcances, além de um exército de 100.000 combatentes.

Alguns especialistas afirmam que seu arsenal de mísseis de longo alcance serve para defender as instalações nucleares iranianas.

“Diante das repetidas debacles do regime iraniano no exterior, em especial a perda da joia que é o Hezbollah, considerado o pilar de sua política externa, a ala radical conseguiu convencer o líder supremo da necessidade de restabelecer a credibilidade do Irã”, resumiu Hasni Abidi, analista argelino e diretor do Centro de Estudos sobre o Mundo Árabe e Mediterrâneo em Genebra, na Suíça.

Por isso é difícil traçar a estratégia iraniana de meses e anos vindouros: depende simultaneamente das dinâmicas regionais, da capacidade de pressionar das grandes potências e das lutas internas iranianas.

No fim, é Khamenei quem decide, daí que persiste a incerteza que obriga os ministérios de Relações Exteriores a fazer conjecturas.

“Sem dúvida ocorreram muitas horas de reuniões, análises, antes de decidir as modalidades dos ataques contra Israel” do início desta semana, considerou Razoux.

“Algo como um campeão de xadrez que estuda com sua equipe todas as opiniões e possibilidades antes de jogar”, explicou.

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