01/10/2024 - 8:00
Após recordes e euforia na Olimpíada de Tóquio, em 2021, o Time Brasil não atendeu às expectativas de novas marcas históricas em Paris-2024. Para Marco Antonio La Porta, candidato de oposição à presidência do Comitê Olímpico do Brasil (COB), a responsabilidade pelos resultados abaixo do esperado deve recair sobre a gestão de Paulo Wanderley, que teria falhado no planejamento para o último ciclo olímpico.
Em entrevista ao Estadão, o candidato da chapa de oposição na eleição marcada para quinta-feira, dia 3, o atual presidente fez uma gestão “acomodada” após os resultados em Tóquio. Além disso, na avaliação de La Porta, Paulo Wanderley afetou o planejamento do Time Brasil ao demitir Jorge Bichara, então diretor de alto rendimento e um dos profissionais mais elogiados pelos atletas, no meio do ciclo.
O candidato à presidência e sua vice, a ex-atleta Yane Marques, que também participou do bate-papo com a reportagem, avaliam que a gestão atual se excedeu na centralização na tomada de decisões dentro do COB, investiu pouco na base e enfrentou dificuldades no relacionamento com os atletas.
Não por acaso a candidatura de oposição diz ter como trunfo os votos dos atletas (19), que correspondem à metade do colégio eleitoral da Assembleia que comandará a eleição, no Rio de Janeiro. Votam também os 34 presidentes de confederações olímpicas de verão e de inverno filiadas ao COB e os dois membros brasileiros do Comitê Olímpico Internacional (COI).
A eleição deste ano, que definirá o presidente até o fim do ciclo olímpico dos Jogos de Los Angeles-2028, terá apenas duas chapas. A disputa eleitoral vem sendo marcada pela contestação da candidatura de Paulo Wanderley. Grupos de atletas alegam que o presidente infringe a Lei do Esporte, a Lei Pelé e o próprio Estatuto do COB, que vetam o exercício de um terceiro mandato na presidência.
O atual presidente assumiu o cargo em outubro de 2017 assim que Carlos Arthur Nuzman renunciou à presidência na esteira das investigações de corrupção – Nuzman chegou a ser preso. Vice, Paulo Wanderley assumiu e se reelegeu em 2020. Uma nova eleição, portanto, caracterizaria uma segunda reeleição.
Questionados pelo Estadão, tanto La Porta quanto Yane garantiram que não vão acionar a Justiça para derrubar a candidatura da chapa de situação. Mas admitiram incômodo com a situação, por julgarem que Paulo Wanderley não deveria se candidatar.
La Porta foi vice-presidente da atual gestão do COB no último ciclo, até o início deste ano, quando deixou o cargo para poder se candidatar à presidência. Sua vice foi medalhista olímpica no pentatlo moderno em Londres-2012. Yane ocupou a presidência da Comissão de Atletas de 2020 até o início de 2024 – também saiu para poder integrar a chapa de oposição.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Você foi vice-presidente da atual gestão. Por que deixou seu cargo para se candidatar?
Nestes últimos quatro anos da gestão, percebi algumas mudanças que eu não concordava, particularmente na área de esporte. Entendo que planejamento para os Jogos Olímpicos é de longo prazo. Precisamos passar por todas as fases. Viemos de um grande resultado em Tóquio, com recorde de medalhas. E, faltando dois anos para os Jogos de Paris, houve uma reformulação na área de esportes que eu fui contra. Nem fui consultado e isso me incomodou bastante. Naquele momento comecei a construir internamente essa possibilidade de sair candidato e também imaginei que o presidente não tentaria um terceiro mandato.
Essa mudança que aconteceu há dois anos foi a saída do Jorge Bichara?
Sim, isso mesmo. E aqui não foi uma reação ao fato, mas ao fato de não poder opinar sobre a mudança. Em nenhum momento eu fui consultado. Eu tinha sido chefe de missão nos Jogos anteriores. Acho que tenho conhecimento técnico suficiente para opinar nestas questões, com toda a carreira que construí no triatlo. E não fui ouvido nem consultado. Achei uma decisão errada. E que mal ou bem acabou se refletindo no resultado em Paris.
A demissão dele influenciou no resultado do Time Brasil em Paris-2024?
Sim, porque houve uma descontinuidade do trabalho que estava sendo feito. E aí você para tudo, o substituto teve que se ambientar e tomar decisões. E aí você não tem todo o background, a memória de todo o trabalho que vinha sendo feito.
Yane Marques: Na época, a gente sentiu, pela forma abrupta que aconteceu. Foi uma surpresa, no meio de um ciclo. Pensando como representação dos atletas, a gente joga luz na preocupação que a gente tinha com a carreira dos atletas que estavam ali no meio de ciclo de um trabalho já iniciado. Não temíamos a capacidade de quem viria para assumir a função. Nossa preocupação era com o impacto desta mudança na carreira dos atletas.
De que forma a demissão do Bichara trouxe quais consequências negativas para o COB?
Eu acredito sempre no trabalho a longo prazo. Só faz sentido trocar um funcionário se realmente não está funcionando. Mudar naquele momento, faltando dois anos para os Jogos… O Ney Wilson, que entrou no lugar, é um profissional extremamente competente. Falei para ele que o meu posicionamento nunca foi contra a entrada dele, mas sim contra a saída do Bichara, porque seria muito difícil o Ney, com apenas dois anos de trabalho, ter conhecimento sobre todas as modalidades, saber a forma como iria trabalhar essas modalidades. Claro que o presidente tem o direito de mudar sua diretoria, mas tivesse feito isso antes para dar tempo de replanejar.
Quais foram os pontos fracos da atual gestão?
O COB, nesse último ciclo, perdeu um pouco o foco na área do esporte. O foco da diretoria não estava tão em cima dos resultados. Acho que se acomodaram achando que os resultados iriam acontecer naturalmente e faltou ter um cuidado e estratégico. E, ao mesmo tempo, houve um afastamento natural das decisões, que no primeiro momento eram tomadas de forma colegiada, passaram a ser muito centralizadas na mão do presidente. Foram os dois principais erros cometidos pela gestão, que eu fiz parte até pouco tempo atrás. Mas eu tenho exata noção do que do que houve de errado e do que foi feito certo. Não houve discussões estratégicas após Tóquio, visando Paris-2024, pensando em resultados.
O foco, que deveria estar no esporte, foi para quais atividades?
Acho que houve muito investimento e preocupação com a questão da comunicação, com a imagem dentro do COB. Acho que é um assunto importante, o trabalho que o diretor de marketing fez foi fantástico. Acho que o COB nunca teve uma arrecadação como está tendo agora. Mas o foco ficou muito em cima disso, e se perdeu um pouquinho o cuidado com determinadas situações que estavam acontecendo com nossos medalhistas de Tóquio, atletas vindo de lesão e que estavam sendo exigidos demais.
Yane Marques: Nós, atletas, fizemos muitos pleitos, alguns bem simples, como ter autonomia para mandar e-mails como Comissão de Atletas. Era algo que a gente pedia e nossos e-mails ficavam centralizados na presidência para poderem serem encaminhados depois. Mostramos, pela nossa atuação, que faríamos isso com responsabilidade, cuidado e zelo. Este é apenas um exemplo de algo simples que poderia ter sido melhorado. E que melhoraria muito a relação da comissão com a gestão. Na última eleição, a comissão apoiou a candidatura do Paulo, reconhece tantas coisas boas que a gestão fez. Mas chegou a hora de dar uma oxigenada, mudar um pouquinho esse futuro promissor que está por vir.
Quais foram os pontos fortes deste último ciclo olímpico do COB?
Com certeza foi a questão dos patrocínios, o aumento dos recursos privados. Acho que diretoria de marketing fez um trabalho fantástico. E realmente melhorou muito a arrecadação. É óbvio que o COB dificilmente vai se livrar da “dependência” dos recursos da loteria. Quanto mais diminuir essa participação da loteria no orçamento do COB, melhor é para o COB. Outro avanço foi reestruturar a distribuição dos recursos das loterias porque antes era muita engessada. Chegou-se a uma distribuição que hoje atende as confederações de forma mais criteriosa. Mas ainda precisa passar por uma revisão, a cada ciclo.
Yane Marques: Do ponto de vista dos atletas, ganhamos assento num grupo de assessoramento para definir esses critérios de distribuição. É um ponto muito positivo também o aumento do número de atletas nas assembleias. Claro que é imposição de lei. Mas éramos um, depois 12, hoje somos 19, representamos um terço dos votos.
O que vocês pretendem melhorar na gestão do COB?
Baseamos o nosso projeto em dois pressupostos importantes. Um é o planejamento estratégico do COB. Não vamos entrar no COB e apertar no botão de ‘reset’, vamos manter parte do planejamento que já está em vigor. Outro pressuposto que vamos seguir é a Agenda 2020+5, do COI, porque parte de alguns pontos muito importantes, como a participação da mulher no esporte olímpico. Já houve avanço grande, mas precisa de mais ações concretas. E a questão da sustentabilidade e que o COB também precisa abraçar. Dividimos o nosso programa em três partes principais: a parte do resultado esportivo, da governança e a comunicação e marketing.
Como o resultado esportivo será trabalhado?
Precisamos fazer um investimento mais assertivo no emprego dos nossos recursos. E a longo prazo, focado na área de desenvolvimento, na base. Passamos por um um ciclo muito bom, do Rio-2016. Mas, em Paris-2024, começou a perder fôlego. Os investimentos depois de 2016 voltaram ao patamar anterior. Vimos que atletas que foram medalhistas em Tóquio, alguns eram prováveis chances de medalha em Paris, a maioria confirmou, alguns não confirmaram e nós temos mais quatro anos. E não estamos vendo muita renovação acontecendo. Já precisamos pensar em Brisbane-2032. Se começarmos agora, temos oito anos para trabalhar.
O que mudaria no alto escalão do COB?
Uma renovação 100% não vai acontecer porque tem que ter muitos profissionais competentes trabalhando no COB. O que precisamos é de uma pluralidade desportiva na alta direção, que está concentrada numa modalidade só (judô). Mas tem muitos profissionais muito competentes ali que a gente realmente pretende manter e a partir daí vamos avaliar as gerências. Não pretendemos fazer uma reestruturação muito profunda porque as pessoas que trabalham hoje no COB são muito competentes. Precisa manter a maior parte delas.
O COB anunciou R$ 160 milhões em patrocínio da Caixa pelos próximos quatro anos. O que faria com esse dinheiro, onde investiria no comitê?
Minha primeira ideia era pegar tudo e colocar na base. Mas tomei uma ‘bronca’ da minha vice (rs). Primeiro precisamos entender como está a questão do orçamento do COB para saber exatamente qual será o orçamento… Vamos pegar toda essa parte privada de recursos e fazer como acontece com as loterias: distribuir pelos mesmos critérios para as confederações. A realidade é que, quando a Caixa fecha um patrocínio gigante como esse com o COB, dificilmente vai investir nas confederações. Então é justo que parte destes recursos vá para as confederações. Vamos aplicar critérios meritocráticos para essa distribuição alinhados com o programa estratégico do COB. O quanto vai ser, não queremos definir agora, precisamos ver o orçamento. E outra parte vai para o desenvolvimento (base), que é o grande gargalo do COB atualmente.
Por que não alcançamos as mesmas marcas de Tóquio em Paris?
Primeiro porque faltou ao COB entender que o fôlego estava acabando e fazer um planejamento estratégico melhor para este período. Eram só três anos de ciclo. O ano de 2022 foi fantástico para o esporte brasileiro, com bons resultados. E talvez esse tenha sido o erro. O atleta deveria talvez ter respeitado o corpo dele, já que ele vinha de um ciclo mais longo, de cinco anos. Teve uma pandemia, que acarretou em vários problemas, com destreino, retreino. Acabou entrando nos dois anos finais do ciclo com bons atletas com chance de medalha passando por cirurgia, com problemas de lesão. Faltou aí um acompanhamento mais acirrado por parte do COB junto com a sua área médica para entender a situação e sentar com a confederações para ver como poderia ter feito melhor essa estratégia. Além disso, poderíamos ter dado atenção para outras modalidades que estavam crescendo.
Yane Marques: O COB pode estar bem próximo dos atletas e das confederações e se antecipar aos fatos. Estamos falando aqui de base, de renovação, de substituição, estamos falando que não dá para jogar a responsabilidade sobre os ombros de um atleta. Estar perto é entender de verdade o que os atletas estão passando, se antecipar, trabalhar mais a prevenção. O COB pode fazer isso, através de suas áreas competentes.
O que o Brasil precisa fazer para se tornar uma potência olímpica?
Precisamos fazer aquilo que fazem as potências olímpicas. Elas têm maior investimento e excelente relacionamento com instituições para alinhar projetos. Muitas vezes diferentes instituições estão fazendo a mesma coisa, por isso precisamos alinhar, para somar recursos, com investimento mais assertivo. Geralmente as potências olímpicas investem em três pontos: modalidades multi-medalhistas, como atletismo e natação; atletas multi-medalhistas, como a Rebeca; e num maior número de modalidades contribuindo para conquistar medalhas. Para tentar virar Top 10 do quadro de medalhas, precisa de um planejamento que mapeie tudo isso. Tem modalidades, por exemplo, que ganham muitas medalhas, mas que no Brasil precisam de uma atenção especial, como remo e ciclismo. Não temos ganhado medalhas nestas modalidades, que fazem a diferença. E precisa aumentar o investimento nas mulheres. O seguimento feminino hoje é uma possibilidade muito maior de medalha do que o masculino porque tem menos mulheres competindo. Essa é uma estratégia que as potências têm adotado.
Yane Marques: Precisamos entender o que as potências estão fazendo e trazer para nossa realidade, respeitando nosso investimento e cultura. A minha história é isso, fui atleta de uma modalidade pouco difundida no Brasil, de uma confederação pequena. Não tínhamos o método de treinar o pentatlo moderno no Brasil, começamos a viajar e fomos pegando um pouquinho de cada país e moldamos nosso trabalho. E deu certo. Fazendo um paralelo, é o que pretendemos fazer no COB.