23/09/2024 - 17:12
É pousar no aeroporto internacional de Belém para já ser recebido com uma enxurrada de propagandas da COP-30, evento climático realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) que será sediado no país em 2025. Na cidade de pouco mais de 1 milhão de habitantes, já é possível perceber a movimentação do comércio, ao mesmo tempo que a cidade entra em ritmo acelerado para receber os visitantes.
Ao pegar o carro de aplicativo e seguir para o centro, já se ouvem os martelos batendo, materiais de construção espalhados pelos canteiros centrais e, claro, muito trânsito. Belém virou um grande canteiro de obras.
São mais de R$ 5 bilhões em investimentos para melhorias e “embelezamento” da cidade. A capital paraense, com uma beleza marcada por prédios históricos e rios, será a cidade mundial do clima em 2025.
As construções apresentaram novos contornos nos últimos meses. A pouco mais de um ano para o evento, os barulhos ganharam maior intensidade para conseguir dar conta das entregas a curto prazo.
Quem visita Belém nesta época precisa dividir suas atenções entre os pontos turísticos e as obras. Passar pelo Mercado Ver-o-Peso, por exemplo, é se deparar com a maior feira a céu aberto da América Latina. Mesmo com a maioria do comércio pelo lado de fora, o prédio que abriga as barracas de peixe — ponto forte da cidade — passa parcialmente por reformas. A região do mercado receberá R$ 47,2 milhões em investimentos nas obras.
Ao lado, na Estação das Docas, o investimento é pesado em obras para a construção de um espaço a mais para receber os turistas. Chamado de “Porto Futuro 2”, o projeto deve abarcar praça para lazer, museu e até um mirante.
“Existem várias obras pela cidade, várias movimentações em andamento e tem muita coisa ainda por acontecer. Vamos dar todas as condições para que as delegações possam vir com tranquilidade. Já investimos cerca de R$ 4 bilhões e esperamos investir mais R$ 1 bilhão até novembro do ano que vem”, afirma Valter Correia, secretário da Secretaria Especial para a COP-30.
“Esperamos que as obras deixem um legado muito grande, tanto em obras quanto na cultura mesmo. A drenagem do rio e o alargamento do canal, por exemplo, vão permitir que outros navios possam fazer expedições pela Amazônia. Isso vai alavancar o turismo na região, além de deixar outras obras de infraestrutura que vão beneficiar a cidade”, completa.
Os valores foram disponibilizados via Itaipu Binacional, BNDES e recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Há ainda obras ligadas à parceria público-privada, sendo uma delas com a participação da Vale.
As obras devem comportar os mais de 50 mil turistas esperados em Belém para o evento, que será realizado em novembro do ano que vem. Para isso, o governo tem preparado uma estrutura extra para hotelaria na cidade.
Atualmente, a região metropolitana de Belém possui cerca de 17,7 mil leitos disponíveis em hotéis, pousadas e motéis. Para conseguir atender todo o público, o governo deve contratar dois navios cruzeiros, além de contar com um programa estadual para a disponibilização de imóveis dos moradores da capital.
“O programa é uma novidade. Já nos reunimos com as empresas especializadas e estamos fazendo o treinamento da população. Deve sofrer um salto muito grande, nós estamos esperando mais de 6 mil. Inscritos pelo menos só nesse tipo de locação. Leitos de qualidade, muita gente já está reformando suas casas”, explica Correia.
“Em um período de 15 ou 20 dias, vale a pena eles saírem de lá temporariamente porque vai ter uma receita bastante significativa com o aluguel”.
Questionado se a estrutura hoteleira seria suficiente para conseguir receber os turistas, Correia foi enfático e garantiu que os trabalhos dos governos federal e estadual devem garantir a suficiência de leitos. Ele citou o Círio de Nazaré, em outubro, quando a cidade recebe cerca de dois milhões de turistas em um fim de semana.
“Belém recebe todo ano, no mês de outubro, quase 2 milhões de pessoas para o Círio [de Nazaré]. São poucos dias, ou um fim de semana, mas são dois milhões de turistas morando em algum lugar, comendo, bebendo água. Nunca causou um colapso na cidade”, exemplifica.
Enquanto algumas não impactam no dia a dia dos moradores, outras dão certa dor de cabeça, principalmente para os motoristas. Quem passa pela avenida Bernardo Sayão precisa dividir a atenção entre o trânsito e os tratores. Sem contar o forte fluxo de pessoas e mercadorias que chegam pelos portos.
No período da tarde, o trânsito acaba sendo tão intenso que mais parece que você está em São Paulo. O motivo: as obras de alargamento da avenida.
A obra é vista como a mais sensível pelo governo. É necessária a desapropriação de áreas próximas aos portos e as negociações estão a todo vapor. A maioria dos moradores da avenida já entrou em acordo e viu suas casas derrubadas. Outros continuam em negociação, entre elas um salão, que se recusa a sair do meio da nova avenida.
Um morador, que se recusou a se identificar quando foi falado que seria veiculado na imprensa, disse que o dono do imóvel está irredutível, mas que o governo insiste, a todo custo, na retirada do estabelecimento. O site IstoÉ tentou de todas as formas localizar o dono da propriedade, mas sem sucesso.
Corrêa afirma que as negociações para a desapropriação do local estão a cargo dos governos municipal e estadual, mas vê as tratativas avançadas. O secretário garantiu à reportagem que todas as obras programadas devem ficar prontas antes mesmo da COP-30.
“Nós estamos tomando todo cuidado para não acontecer o que aconteceu na Copa do Mundo. Muitos projetos que se iniciaram e até hoje não têm nada. Nós só estamos realmente iniciando obras que vão terminar até o período da COP-30”, completa.
Boa vitrine, mas cautela
Motorista de Uber, Eden Andrade anda diariamente pelos quatro cantos da capital paraense. Na avaliação dela, a chegada da COP-30 é uma vitrine da cidade, mas não está confiante sobre a manutenção das obras realizadas.
“Estou esperançosa com a COP. É bom para mostrar a cidade, nossa cultura. Acho que vamos conseguir nos desenvolver melhor após o evento”, afirma.
“São muitas obras. É claro que vamos ter transtornos. Só espero que elas fiquem após o evento. Não acho que vão manter e dar vida ao que vão construir daqui a alguns anos”, completa.
Mesma opinião compartilha a taxista Talita Vieira. Ele acredita que as obras precisam deixar bons frutos para a capital, mas reclama do trânsito provocado pelo fechamento de ruas.
“Toda hora estão fechando ruas aqui. Ali perto dos portos, é um inferno passar depois das 17h. Quero que acabe essa obra logo e que pelo menos traga algo de bom para nós, né?”, diz.
Mas não são só as obras que devem deixar legados aos moradores, alguns têm comemorado a alavancada econômica na esteira do evento. Atendente em sorveteria, Ana Paula Silva conta que atendeu diversos “gringos” após a escolha de Belém para sediar a COP-30. A empresa em que ela trabalha tem investido nas contratações de bilíngues e nos sabores culturais para atrair os clientes.
“Estamos bem felizes com a repercussão. Semanas atrás, eu atendi um grupo de indianos. Nem sabia o que eles estavam falando, mas me senti em outro mundo (risos)”, conta.
“O que mais procuram aqui é o sorvete de Cupuaçu. É o nosso principal aqui. Fora que acabamos de aumentar o número de funcionários. Um que fala inglês e outro francês já chegaram para conseguir atender a demanda de turistas”, ressalta.
Se uns esperam receber mais turistas, outros querem que o evento aumente a geração de emprego na região. O engenheiro eletricista André Nunes tem usado um aplicativo de transporte para gerar renda, mas mantém a expectativa de conseguir um novo trabalho com a chegada da COP.
“Acho que o evento vai ser muito bom para a cidade. Vamos estar em evidência para o mundo e espero que isso seja recompensado. Espero que tenhamos mais empregos aqui, principalmente na área da engenharia. Acho que isso vai ser o maior marco do evento”, desabafa.
Os problemas para solucionar
Em meio a expectativa da transformação de Belém na capital do clima em 2025, a cidade vive duas situações que a colocam no centro de uma discussão na contramão do evento que sediará. A coleta de lixo e a falta de saneamento básico na cidade ainda são pontos sensíveis para os moradores e especialistas.
Nos últimos meses, Belém sofreu com a falta de coleta de lixo após o fim do contrato com a empresa que gerenciava a retirada dos resíduos da cidade. Um imbróglio judicial envolvendo o fechamento de um aterro sanitário também prejudicou a coleta.
Isso provocou uma onda de protestos de moradores de Belém, além de barricadas de lixo pelas ruas da cidade. Cerca de seis meses depois da crise, a reportagem da IstoÉ constatou os reflexos do problema.
Em um sábado à noite, ao passar pela avenida Nossa Senhora de Nazaré, próximo ao clube do Remo, o cheiro já era muito forte. Sacolas de lixo espalhadas pela rua, algumas ficaram até pela calçada, atrapalhando os pedestres. No dia seguinte, do outro lado da cidade, mais lixo foi encontrado pela reportagem.
Valter Corrêa admite que a crise do lixo foi grave, mas vê o problema superado. Em sua avaliação, o problema não deve apresentar rescaldos até a realização do evento.
“Eles ficaram quase um ano sem contrato para a coleta de lixo, por uma série de motivos que eles [prefeitura] podem explicar melhor que eu. Isso transformou a cidade em um caos, mas foi resolvido há alguns meses”.
“Talvez não seja o suficiente para COP, mas, certamente, vamos trabalhar junto ao governo municipal, junto ao governo estadual para dar um salto de qualidade nesse quesito. O que precisar, o governo federal estará à disposição”.
Outro fator que preocupa é a falta de saneamento básico na cidade. De acordo com o Instituto Trata Brasil, Belém tinha apenas 19,88% do esgoto tratado em 2022. Os números não chegam nem perto da média registrada no país, atualmente próximo dos 68%.
“Belém tem problemas gravíssimos que, na verdade, são uma herança de muitos anos. Problemas relacionados ao saneamento básico, abastecimento de água, coleta de esgoto, a crise do lixo. No caso do saneamento, temos níveis muito baixos. O Pará tem um percentual muito baixo de população atendida com saneamento básico”, afirma Eugênia Rosa Cabral, cientista política e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA).
“Tem algumas ruas em Belém que parece que você não está em Belém. Ruas com imóveis caros, com preços exorbitantes, mas que têm, ao lado, esgoto a céu aberto. Uma cidade tão bonita e mostrando essa realidade? Acho que isso deve ser exposto e podemos ter uma pressão maior de investimento nessa área, que interfere muito na questão ambiental debatida na COP-30”, completa.
Paralelo a isso, a cidade vive o desafio de escolher um novo prefeito. O atual, Edmilson Rodrigues (PSOL), está em terceiro nas pesquisas e corre por fora na disputa. Igor Normando (MDB) e Eder Mauro (PL) disputam o comando da cidade. Mauro, por exemplo, é um bolsonarista de primeira ordem e, até o momento, não apresentou nenhum projeto para reduzir os efeitos climáticos.
“Temos uma eleição que está a pouco mais de um mês de acontecer. Temos um ano para entender a nova política de Belém, mas temos candidatos que nunca apresentaram propostas no campo ambiental. É um problema sério. Imagina um prefeito eleito e que nunca fez propostas para o setor. É um desafio muito grande”, explica.
A professora avalia que a realização da COP-30 em Belém deve dar luz às cobranças para investimentos ligados ao meio ambiente. Além dos problemas de saneamento e a crise do lixo, Belém está no centro da Amazônia, que tem registros severos de desmatamento.
“A realização do evento na cidade é muito importante. Ela deve dar luz aos problemas ambientais e acordos devem ser fechados para melhorar quesitos importantes. Acho que vai provocar uma maior pressão para os gestores públicos investirem na agenda ambiental”.