17/09/2024 - 16:15
O episódio que terminou em uma cadeirada dada por José Luiz Datena (PSDB) em Pablo Marçal (PRTB) durante o debate da TV Cultura na noite deste domingo, 15, o qual também foi citado no debate promovido pela RedeTV! nesta terça, 17, foi motivado por provocações do ex-coach contra o apresentador, entre elas, a que envolve um caso de assédio sexual extinto pela Justiça em 2019. Na época, a jornalista e ex-repórter da Band, Bruna Drews, acusou Datena, então apresentador do programa “Brasil Urgente”, de assediá-la sexualmente, em mais de uma ocasião.
No debate de domingo, antes da agressão, Datena afirmou que a denúncia foi arquivada por “falta de provas”. O Estadão teve acesso aos autos do processo, com mais de 100 páginas, que mostram que a extinção do caso ocorreu pela denúncia ter sido feita fora do prazo legal de até seis meses após o suposto crime, conforme a lei vigente na época. Procurada, a assessoria do candidato disse que “o processo foi extinto e houve uma retratação sobre o processo judicial” e que a fala do apresentador no debate foi “uma maneira de se expressar”.
Um dos supostos episódios de assédio sexual que se tornou assunto do debate à Prefeitura de São Paulo teria ocorrido em junho de 2018. Segundo a acusação, em uma confraternização da equipe em um restaurante, Datena teria dito que já se masturbou pensando na colega, e que seria “um desperdício” Bruna namorar uma mulher, o que o apresentador supostamente atribuía ao fato de ela “não ter conhecido o homem certo”.
Após a denúncia e as declarações públicas da jornalista, o apresentador negou as acusações, afirmando que o caso se tratava de “calúnia” e que a profissional sofria de problemas psicológicos.
Bruna apresentou uma notícia-crime contra Datena ao Ministério Público em 5 de dezembro de 2018, alegando ter sido assediada pelo apresentador durante um jantar em 7 de junho daquele ano. Posteriormente, em 30 de janeiro de 2019, a delegada responsável pelo inquérito, Giovanna Valenti Clemente, elaborou o relatório final, concluindo que o direito de representação da vítima não havia sido exercido dentro do prazo legal de seis meses, que se encerrava em 6 de dezembro de 2018. No documento, Clemente apontou que, embora a notícia-crime estivesse datada de 5 de dezembro de 2018, a petição só foi protocolada em 12 de dezembro, seis dias após o prazo legal.
Em seguida, o caso foi encaminhado ao Ministério Público de São Paulo, onde a promotora Juliana Gasparetto de Toledo Silva Donato concordou com a conclusão policial e solicitou a extinção da punibilidade devido ao não cumprimento do prazo legal.
O juiz responsável pelo caso, Ulisses Augusto Pascolati Junior, do Juizado Criminal da Barra Funda, inicialmente discordou do Ministério Público, argumentando que uma mudança na lei, em setembro de 2018, tornou a ação penal para crimes de assédio sexual pública incondicionada. Isso significa que o Ministério Público poderia iniciar a ação penal independentemente da vontade da vítima, ou seja, a representação da vítima não seria mais uma condição necessária para o prosseguimento do processo.
No entanto, o Ministério Público manteve sua posição, alegando que a nova lei não poderia retroagir para prejudicar o réu, conforme o princípio da irretroatividade da lei penal mais severa – argumento também utilizado pela defesa de Datena. Diante desse parecer, o juiz alterou sua posição, concordando com o Ministério Público, e, em 30 de maio de 2019, extinguiu a punibilidade da ação com base na decadência, reconhecendo a impossibilidade de aplicar retroativamente a nova lei, por entender que isso prejudicaria o acusado.
Em novembro de 2019, o processo foi arquivado definitivamente por questões processuais relacionadas ao prazo legal, sem análise do mérito ou das provas do suposto crime.
Datena processou ex-colega por calúnia, injúria e difamação
Em fevereiro do mesmo ano, Datena também foi à Justiça, oferecendo queixa-crime contra Bruna, por injúria, calúnia e difamação, baseando-se em entrevistas dadas pela ex-colega na época da denúncia e em uma ação trabalhista aberta por ela na 19ª Vara do Trabalho de São Paulo, em janeiro de 2019.
Segundo a ação movida por Datena, a ex-repórter cobrava quantia superior a R$ 1 milhão em danos morais da TV Bandeirantes, pelos supostos assédios sexuais sofridos. A emissora foi procurada, mas não quis comentar o assunto.
“Tentou a querelada para satisfazer interesses puramente financeiros, expostos nos autos da ação indenizatória trabalhista, transformar um ambiente festivo e fraterno em uma situação verdadeiramente surreal por meio da narrativa de um enredo mendaz, falacioso e ultrajante, no qual teria sido vítima de ‘assédio sexual’. Narrativa tão inverossímil, quanto denotadora do intenso dolo que a motivou”, diz trecho da queixa-crime, que chama a denúncia de “maldosa e perversa fábula”.
Retratação em cartório
Em 9 de outubro daquele ano, Bruna e Datena assinaram uma retratação em cartório, em que a jornalista nega as denúncias feitas por ela. Entre as várias condições acordadas, ambos renunciaram das ações que tramitavam sobre o caso – a ação trabalhista movida por Bruna e a queixa-crime de Datena. O contrato também firmou que nenhum dos dois voltaria a ingressar com “qualquer ação futura sob o mesmo objeto” ou outras decorrentes dos mesmos fatos.
“Bruna reconheceu que os supostos motivos/atitudes que ensejaram o citado assédio sexual nunca ocorreram, sendo que tais alegações foram feitas enquanto estava com seu estado emocional abalado”, diz trecho do documento.
A advogada Ana Paula de Almeida Souza, que defende Bruna, disse ao Estadão que o acordo foi firmado porque a cliente se sentiu coagida pelo advogado que a defendia na época e que recebeu ligações anônimas com ameaças veladas, com o interlocutor afirmando que sabia o endereço dos pais de Bruna, por exemplo. “Ela ainda não se sente à vontade em se manifestar, mas está disposta que ele pague por tudo que ele já fez”, afirmou a defesa.