Em meio às idas e vindas da Justiça, o choque de múltiplos interesses políticos de prefeituras, governo federal e os estados de Minas Gerais, o processo de indenização das vítimas e prejudicados pelo desastre ambiental de Mariana tornou-se um nó dificil de ser desatado. Em meio ao impasse, o chefe do executivo mineiro, Romeu Zema, do Partido Novo, critica a participação de escritórios de advocacia estrangeiros. “Será uma vergonha para a Justiça brasileira se o caso for resolvido com mais celeridade por um tribunal de fora do país”, afirma o governador.

Segundo Zema, a negociação já acertada com as empresas responsáveis atende às necessidades de ressarcimento da região atingida e que o poder público deve assumir as funções da Fundação Renova. Em sua opinião, a entidade gastou mais dinheiro com consultorias e perícias do que propriamente com a reparação das vítimas.

IstoÉ – O senhor vem afirmando que o governo federal é o responsável pela demora na assinatura do acordo de reparação pela tragédia de Mariana. Poderia detalhar quais são esses obstáculos e quais os argumentos usados pela União?

Acredito que o governo federal deve ser questionado sobre isso. O que posso dizer é que, do ponto de vista técnico, o texto negociado atende às necessidades de reparação da região atingida, dos mineiros e dos capixabas. Ele acaba com o principal problema, que é a criação da Fundação Renova. Estamos buscando a repactuação do acordo firmado em 2016, pela ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-governador Fernando Pimentel, que foi muito malfeito e não trouxe reparação aos atingidos.

A Fundação Renova consumiu bilhões de reais para pagar consultorias, perícias e não fez a reparação aos atingidos, que é o mais importante e a finalidade para qual ela foi constituída. Por isso está se discutindo a revisão dos termos e valores desse péssimo acordo firmado lá atrás. Nessa nova proposta caberá à Renova apenas concluir algumas ações já em andamento antes de ser extinta. O poder público — ou seja, Estado, municípios e União — assumirá diversas novas ações que vão de fato garantir a reparação. Como é o que está acontecendo em Brumadinho. Firmado pelo meu governo, está consolidado, é o maior valor da história do Brasil em reparação, R$ 37 bilhões, e está em pleno vigor sem questionamentos.

Mesmo ocorrendo mais de três anos depois de Mariana, a reparação de Brumadinho está muito mais avançada. Já fizemos diversas entregas de melhorias para as cidades da Bacia do Paraopeba. Estão sendo realizadas várias obras viárias, de novos equipamentos de saúde, de assistência social. Muitas delas já foram concluídas. O que estamos tentando agora é renegociar o acordo de Mariana nos moldes do acordo de Brumadinho, que se demonstrou muito mais eficiente. Já estamos há três anos em duras negociações, falando alto e grosso com as mineradoras. Agora temos que concluir e iniciar a reparação que estamos há nove anos esperando, não dá mais para prorrogar

IstoÉ – O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) também é contra o acordo da forma como foi apresentado pela Samarco e suas acionistas Vale e BHP, responsáveis pela tragédia. A entidade considera que a proposta de R$ 100 bilhões, feita pelas mineradoras, não é suficiente para garantir uma reparação integral a todas as famílias atingidas. Qual sua opinião a respeito?

Primeiro, é preciso ouvir as associações dos atingidos da Bacia do Rio Doce, e não uma associação com lideranças que não são nem mineiras nem capixabas. Estamos em uma negociação que pode chegar a R$ 100 bilhões e que, assim como foi feito no acordo de Brumadinho, os atingidos poderão participar da escolha das ações que serão realizadas. Recentemente, anunciamos a duplicação da rodovia que liga Brumadinho à BR-381, o que vai ser um ganho enorme aos moradores da cidade, pois vão economizar tempo e ter mais segurança nos deslocamentos. Esse foi um pedido dos moradores da cidade que foi atendido. Essa mesma forma de atuar será feita no novo acordo de Mariana. Creio que com R$ 100 bilhões temos condições de fazer a reparação acontecer de forma adequada. Mas isso precisa de um fim. Não adianta ficar mais anos em negociação e os atingidos morrerem sem verem a reparação da tragédia causada pelas mineradoras.

IstoÉ – Várias prefeituras e organizações não governamentais aceitaram ser representadas pelo escritório de advocacia britânico Pogust Goodhead (PG), que levou a contenda jurídica a ser discutida também na Inglaterra, onde fica a sede da BHP. Isso não pode, igualmente, atrasar ainda mais a conclusão de um acordo?

Não temos compromisso com escritórios de advocacia privados. Temos compromisso com a população atingida, com os municípios atingidos, com os mineiros e capixabas. Nessa ação de Londres, quem vai encher os bolsos de dinheiro são grandes escritórios de advocacia. Os recursos não se transformarão em ações de benefício coletivo para a região atingida como estamos fazendo com Brumadinho. Além de tudo, será uma vergonha para Justiça brasileira se esse caso for resolvido com mais celeridade por um tribunal de fora do país

IstoÉ – Como o senhor avalia a atuação desse escritório de advocacia estrangeiro no processo todo?

É natural que, quando um litígio não se resolve, as partes busquem justiça de todas as formas. Mas confio na Justiça brasileira, confio no TRF-6 (Tribunal Regional Federal da 6ª Região). Está nas nossas mãos fazer justiça e colocar um fim nisso no Brasil.

IstoÉ – Quanto dos R$ 100 bilhões ofertados pelas mineradoras caberá a Minas Gerais? O que será feito com os recursos recebidos?

Minas receberá boa parte desse valor, pois é o território mais atingido. Daremos prioridade e a maior parte do recurso irá diretamente para a Bacia do Rio Doce, como é o correto e justo. Mas mineiros e capixabas também receberão investimentos em outras áreas, pois os dois Estados também foram prejudicados como um todo. Assim como estamos fazendo com Brumadinho, os recursos serão auditados, fiscalizados pelos órgãos de controle e toda ação será registrada e publicada em um site de transparência que qualquer cidadão poderá acompanhar para saber se o que foi anunciado está saindo do papel.