Segundo estudo publicado na revista The Lancet Regional Health Americas, em 2022, a quantidade de pessoas diagnosticadas com doenças inflamatórias intestinais (DII) no Brasil aumentou 233% em oito anos, passando de 30 casos por 100 mil habitantes em 2012 para 100,1 casos por 100 mil pessoas em 2020. A pesquisa, considerada uma das mais extensas sobre o tema no contexto brasileiro, envolveu a participação de 212 mil pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Com mais de 5 milhões de pessoas afetadas em todo o mundo, as DIIs são caracterizadas pela inflamação do trato gastrointestinal, constituído por boca, faringe, esôfago, estômago, intestino delgado, intestino grosso, reto e ânus.

As doenças inflamatórias intestinais mais comuns são a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, que afetam principalmente adolescentes e jovens adultos. Com relação a essas condições especificamente, a pesquisa aponta que os casos de Crohn aumentaram 167,4%, passando de 12,6 em 2012, para 33,7 casos por 100 mil habitantes em 2020. Já a retocolite ulcerativa disparou ainda mais: 257,6%, passando de 15,8 para 56,5 casos por 100 mil pessoas, no mesmo período.

É importante ressaltar que o estudo contou com a participação de um total de 212.026 pessoas. Dessas, 119.700 foram diagnosticadas com retocolite ulcerativa, 71.321 com Crohn, e 21.005 não receberam um diagnóstico específico, sendo classificadas como portadoras de “doença inflamatória intestinal” devido à presença de sintomas relacionados a ambas as principais doenças.

Ainda de acordo com o estudo, as taxas de prevalência em 2020 foram maiores nas regiões Sul e Sudeste em comparação com Norte e Nordeste. No Estado de São Paulo e no Espírito Santo, por exemplo, foram registrados 52,6 casos a cada 100 mil habitantes e 38,2 a cada 100 mil habitantes, respectivamente. Enquanto isso, no Piauí, região Norte do País, as taxas foram inferiores, de apenas 12,8 casos a cada 100 mil pessoas.

“A prevalência em alguns Estados do país é comparável à de países da América do Norte e Europa. O aumento exponencial de casos pode ter relação com estilo de vida ocidentalizado, dieta e perfil genético dos pacientes”, analisa Paulo Gustavo Kotze, membro titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP) e um dos autores da pesquisa.

Considerando a disparada nos casos, a SBCP ressalta a importância de identificar as DIIs, que ainda possuem causas desconhecidas e não têm cura definitiva. “Nosso principal objetivo é o diagnóstico precoce, pois, apesar de ainda não termos uma cura definitiva para as doenças inflamatórias intestinais, um tratamento eficaz e precoce pode promover uma melhor qualidade de vida ao paciente, podendo até levar à remissão dos sintomas”, destaca o presidente da SBCP, Helio Moreira.

Quais são as principais características das DIIs?

De acordo com o Ministério da Saúde, as doenças inflamatórias intestinais são caracterizadas por uma série de sintomas que afetam principalmente o cólon, a parte do intestino responsável por extrair água e sais minerais dos alimentos digeridos, além de absorver vitaminas como K, B1 (tiamina) e B2 (riboflavina). Essas vitaminas são produzidas pelas mais de 700 espécies de bactérias que compõem nossa flora intestinal.

No caso da doença de Crohn, ela acomete predominantemente a parte inferior do intestino delgado (íleo) e intestino grosso (cólon), mas pode afetar qualquer canto do trato gastrointestinal. Essa condição é crônica e, portanto, de progressão lenta. Geralmente é provocada por desregulação do sistema imunológico, ou seja, do sistema de defesa do organismo (por isso, está incluída no grupo de doenças autoimunes).

A retocolite ulcerativa, assim como a doença de Crohn, também é crônica e autoimune. Ela se caracteriza por episódios recorrentes de inflamação que afetam principalmente a mucosa do cólon, a camada que reveste e protege as paredes do intestino. A doença pode começar em qualquer idade, mas é mais comum entre os 20 e 40 anos.

Causas e fatores de risco

As causas das doenças inflamatórias intestinais (DIIs) não são completamente conhecidas. Acredita-se que diversos fatores contribuam para seu surgimento. Entre eles estão histórico familiar, alterações no sistema imunológico, mudanças na flora intestinal, dieta e influências ambientais. O tabagismo é um fator de risco comprovado, especialmente para o agravamento da doença de Crohn.

O estudo “Gut Microbiome: Profound Implications for Diet and Disease”, publicado na revista Nutrients, revela que a composição da microbiota intestinal – conjunto de micro-organismos que auxiliam na digestão – é diferente em pacientes com doença de Crohn em comparação com indivíduos saudáveis. O estudo sugere que essas alterações podem desempenhar um papel significativo no desenvolvimento dessa doença especificamente.

Sintomas

Entre os sintomas mais frequentes estão:

Diarreia crônica com presença sangue, muco ou pus;

Cólicas abdominais;

Dificuldade de controlar as fezes;

Falta de apetite;

Cansaço;

Emagrecimento.

Em casos mais graves, também podem surgir anemia, febre, desnutrição e inchaço abdominal. Entre 15% a 30% dos pacientes podem ainda desenvolver sintomas fora do intestino, como dor nas articulações, erupções cutâneas ou problemas oculares.

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico das DIIs é feito através da análise do histórico clínico do paciente e de exames laboratoriais, endoscópicos (como a endoscopia digestiva alta e colonoscopia) com biópsias, e exames de imagem (como tomografia ou ressonância magnética).

Embora ainda não exista uma cura definitiva, um tratamento adequado, especialmente no início da doença, permite controlar a inflamação e os sintomas, alcançando e mantendo a chamada ‘remissão clínica’.

Durante a fase inicial, podem ser prescritos anti-inflamatórios tópicos, corticoides e medicamentos injetáveis, como imunoterapia. Já na fase de manutenção, as medicações podem ser as mesmas, exceto os corticoides, devido aos seus efeitos colaterais. Nessa fase, também podem ser incluídos imunossupressores, medicamentos que inibem ou amenizam as ações do sistema imunológico.

“A dieta desempenha um papel fundamental. Bons hábitos alimentares podem evitar crises, prevenir o avanço da doença e manter a remissão. No entanto, a dieta deve ser personalizada, considerando o estado e a fase da doença do paciente, e é frequentemente orientada por uma equipe multidisciplinar, incluindo médicos e nutricionistas”, ressaltou a SBCP.