A juíza aposentada Maria Izabel Pena Pieranti recebeu do do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) mais de R$ 1 milhão em novembro de 2023. De acordo com os dados do holerite da magistrada, R$ 791.367,33 foram pagos como “reparação por férias não gozadas” e mais R$ 286.474,97 pela venda de dias de repouso remunerado não usufruídos a que tem direito o magistrado por plantão realizado.

O subsídio de Maria Izabel é de R$ 35.710,45, somados R$ 5,9 mil em “direitos pessoais”. Em novembro, o holerite bruto da juíza bateu em R$ 1.119.493,22. Com descontos de R$ 17.835,47 – não relacionados ao corte pelo teto constitucional -, o rendimento líquido da magistrada foi de R$ 1.101.657,75.

O Estadão pediu manifestação à juíza Maria Izabel Pena Pieranti, por meio da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio e também via Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Os direitos eventuais são pagamentos realizados a título de abono constitucional de 1/3 de férias, indenização por férias não gozadas, gratificações natalinas, gratificação por exercício cumulativo, pagamentos retroativos e jetons.

Maria Izabel trabalhava na 4.ª Vara Criminal do Rio e recebeu a aposentadoria, a pedido, no mesmo mês em que os pagamentos dos direitos eventuais foram efetuados. A megistrada trabalhou em caso de grande repercussão com o  do cônsul alemão Uwe Herbert Hahn, do miliciano Adriano da Nóbrega e do influenciador Bruno Moreira Krupp.

Magistrados têm direito a 60 dias de férias

Indenização por férias não gozadas é um exemplo de gratificação que o juízes recebem e que extrapola o teto do funcionalismo público, gerando despesas bilionárias para o erário.

A Lei Orgânica da Magistratura (Loman), em vigor desde 1979 (governo João Figueiredo, último general presidente do regime militar), prevê que os juízes têm direito a 60 dias de férias por ano, além do recesso de fim de ano e feriados. Na prática, eles tiram 30 dias de descanso e “vendem” os outros 30 dias para a Corte à qual estão vinculados sob argumento de acúmulo de ações. Depois, recebem esse “estoque”, sob a rubrica “indenização de férias não gozadas a seu tempo”.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), já criticou a prática em maio do ano passado. “Aceitem as férias de um mês. Acabem com as férias de dois meses”, sugeriu o decano da Corte, durante uma sessão do tribunal, diretamente à Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

Existe, ainda, a possibilidade de venda de parte do período de descanso, o que acaba por elevar os subsídios dos magistrados, uma vez que o montante não entra na conta do abate-teto – quando são descontados valores que excedem o teto do funcionalismo público de R$ 41,6 mil, subsídio de um ministro do Supremo.

As vantagens que põem os salários dos juízes entre os mais altos de todo o funcionalismo público têm previsão expressa na Lei Orgânica, nos regimentos internos dos Tribunais de Justiça dos Estados e também em legislações.

Uma reportagem do Estadão , em junho do ano passado, mostrou que os tribunais gastaram pelo menos R$ 3,5 bilhões nos últimos seis anos com a compra de férias de juízes, desembargadores e ministros. O levantamento levou em consideração dados disponíveis do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do período de setembro de 2017 a maio de 2023.

Nos cinco primeiros meses de 2023, foram realizados 8.360 pagamentos, somando desembolso de R$ 307 milhões. Em todo o ano de 2022, o gasto foi de R$ 772 milhões. Em 2021, o Judiciário arcou com R$ 677 milhões em indenizações de férias não gozadas.

Outros estados

Como mostrou o Estadão em dezembro, o Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) pagou mais de R$ 200 mil líquidos a 77 integrantes da Corte em novembro. Em valores brutos, a folha de pagamento do tribunal registrou um gasto de R$ 16,9 milhões com os subsídios dos magistrados. Já o desembolso com férias, gratificações, pagamentos retroativos e indenizações a desembargadores e juízes estaduais foi três vezes maior. Chegou a R$ 61 milhões.

O maior holerite da Corte estadual naquele mês foi o da desembargadora Maria de Nazaré Saavedra Guimarães. Ela recebeu R$ 621 mil líquidos (R$ 643.089,56 brutos). Deste total, R$ 595 mil foram transferidos sob a justificativa de “pagamentos retroativos”. Procurados, o TJ do Pará e a desembargadora não se manifestaram.

No Maranhão, todos os 34 desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-MA) receberam subsídios acima do teto em dezembro. O contracheque mais alto, do desembargador Cleones Carvalho Cunha, foi de R$ 172 mil. Com os descontos, Cunha recebeu R$ 116 mil no apagar das luzes do ano passado. Outros 16 desembargadores tiveram holerites acima de R$ 100 mil em valores brutos.

O TJ-MA afirmou à reportagem que os valores mencionados correspondem, em grande parte, a abonos, indenizações de férias e licenças-prêmio. “Os valores mais elevados não configuram prática ordinária, mas, sim, algo extraordinário devido à concessão desses abonos”, disse o tribunal.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.