Não durou nem duas semanas o plano da volta do carro popular. Anunciado por Lula e Geraldo Alckmin com estardalhaço em 25 de maio, o programa foi desidratado por Fernando Haddad e virou um benefício modesto e temporário voltado principalmente ao transporte público e a caminhões. A mudança salvou o governo de lançar um plano na contramão da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Desde janeiro, vários ministros já propuseram planos nostálgicos e populistas sem nexo com a realidade nem com a lógica econômica. A venda de passagens aéreas baratas a partir da sobra dos assentos nos voos e a reversão da reforma da Previdência fizeram o presidente impor um freio de arrumação, criticando os autores das “genialidades”. Mas o arsenal de más ideias parece inesgotável. Algumas delas: reverter o marco do saneamento, desfazer a privatização da Eletrobras, retroceder na reforma trabalhista, tabelar o preço dos combustíveis, impedir concessões em infraestrutura e reaparalhar as estatais.
O retorno do carro popular foi apresentado pelo próprio Lula e pelo vice como ponto de partida da “neoindustrialização”, o relançamento da indústria nacional, que traria mais empregos e fortaleceria a economia a partir de itens de alto valor agregado. É uma ideia passadista que satisfaz o DNA sindicalista do presidente, mas se choca com a realidade. O ABC não é mais o mesmo, e as montadoras também não são mais a base da economia.
A “neoindustrialização” propagandeada pelo presidente ignora a necessidade de avanço na produtividade, privilegia setores escolhidos a dedo (um clássico petista), não enxerga a nova realidade das cadeias globais de produção e até do “nearshoring” (EUA e Europa correm para terceirizar sua produção em países próximos, mas não veem o Brasil como uma opção). Investidores precisam de segurança jurídica e marco regulatório eficiente. O governo Lula, ao contrário, ainda aposta em protecionismo, subsídios companheiros e reserva de mercado. Até o sonho de ressuscitar a indústria naval já está nos planos.
Para que o País tenha algo próximo de um carro popular, é preciso uma economia de mercado robusta, baseada em regras claras e alinhadas com o mundo, mantida com impostos moderados e fortalecida por uma população com maior renda. É o que a Reforma Tributária propõe. Felizmente Fernando Haddad priorizou essa agenda. O ministro da Fazenda também reduziu o desvario automobilístico populista a um plano de quatro meses que privilegie o transporte público e a transição energética.
Uma das melhores definições do populismo é a tentação de transformar problemas complexos em ideias simples, irresistíveis e irrealizáveis. É o que os “desenvolvimentistas” fizeram nos últimos anos, prometendo levar o País ao mundo desenvolvido como num passe de mágica, mas afundando de vez a indústria nacional e levando a economia para o buraco. O atual governo se equilibra entre essa tentação irresponsável e o pragmatismo de Haddad, que preferiu construir pontes com o setor produtivo e com o Congresso. Se o lado do ministro vencer, o País tem uma chance de evitar o abismo.