Depois da primeira derrota do governo no Congresso, no dia 3, quando Lula viu sua tentativa de reverter o marco do saneamento ser derrubada na Câmara, o presidente da Casa mandou um recado forte na última terça-feira, 9, às lideranças políticas do governo. Arthur Lira disse que o Congresso não aceitará recuos em temas importantes no Legislativo. “Reverter reformas aprovadas há um ou dois anos é um retrocesso. A principal reforma para o País é não permitir retrocessos”, afirmou.

É certo que o ambiente favorecia a defesa da agenda de transformações. A necessidade de executar reformas e de atrair investimentos internacionais eram os temas do LIDE Brazil Investment Forum, no dia 9. Mas a presença de autoridades de peso e a ampla defesa de maior segurança jurídica e da garantia de previsibilidade regulatória mostraram as dificuldades que o governo Lula terá para retroceder em áreas como a privatização da Eletrobras (o governo acionou o STF no dia 5 para questionar pontos da sua desestatização).

Estiveram presentes no evento em Nova York oito governadores, os prefeitos de São Paulo (Ricardo Nunes) e do Rio de Janeiro (Eduardo Paes), 12 deputados federais e três senadores, além do ex-presidente Michel Temer, que lembrou avanços em sua gestão, como a reforma trabalhista. Participaram ainda do evento 280 empresários brasileiros e americanos.

Lira mediu as palavras para criticar a articulação política do governo, o maior problema de Lula atualmente, mas não escondeu a insatisfação com a atuação da Casa Civil (Rui Costa) e do Ministério das Relações Institucionais (Alexandre Padilha). Disse que não ouviu do presidente a intenção de assumir pessoalmente esse papel de negociador, mas afirmou:

“É óbvio que esse assunto existe” e que “é importante que o governo todo se mobilize para encontrar um caminho mais atual e um diálogo mais permanente entre Congresso e Executivo”.

Segundo ele, “o Parlamento não é adversário, mas não é funcionário”. Lira evitou comentar a indicação de Gabriel Galípolo para a diretoria de Política Monetária do Banco Central, feita um dia antes, o que foi considerado o primeiro passo para o governo renovar a cúpula do BC (Galípolo deverá ser o substituto de Roberto Campos Neto na presidência da instituição após 2024).

Mas disse que o atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda tem tido uma postura positiva, inclusive a respeito do arcabouço fiscal em tramitação na Câmara.

Os governadores defenderam as privatizações e a simplificação de impostos, mas a queda de arrecadação com a Reforma Tributária preocupa (Divulgação/Lide) (Crédito: Érika Garrida/LIDE)

Com diferentes ênfases, todos os governadores defenderam as reformas que, em vários aspectos, são criticadas pelo PT.

> O governador Cláudio Castro apontou os benefícios que a privatização da Cedae trará para o Rio de Janeiro, como os novos investimentos em saneamento e a despoluição da Baía da Guanabara.

> Romeu Zema defendeu o enxugamento da máquina pública de Minas Gerais e lembrou que havia herdado uma gestão endividada.

> Renato Casagrande afirmou que a gestão fiscal responsável é uma marca do Espírito Santo desde 2011, o que permitiu ampliar serviços sociais.

> O equilíbrio das contas públicas também foi defendido enfaticamente por Mauro Mendes (MT).

> O gaúcho Eduardo Leite disse que conseguiu fazer privatizações consideradas impossíveis e demonstrou que as transformações “dão voto”.

Reforma Tributária

Enquanto o novo arcabouço fiscal já é considerado um projeto praticamente pacificado (inclusive por Lira), em vias de ser aprovado no curto prazo na Câmara, ficou claro que a Reforma Tributária, que é uma prioridade do governo Lula, exigirá muita negociação.

O governador Wilson Lima (AM), por exemplo, defendeu uma carga menor para os consumidores, mas alertou que o estado do Amazonas não pode prescindir da Zona Franca de Manaus. O prefeito paulistano disse que a cidade não pode ser atingida com cortes de recursos e

Eduardo Paes mostrou que apenas a simplificação tributária, com desburocratização, pode ser suficiente para trazer mais desenvolvimento.

O deputado Aguinaldo Ribeiro, relator da Reforma Tributária, mostrou-se otimista com a sua aprovação e disse que a tributação sobre o consumo, com a criação de um IVA (imposto sobre valor agregado), já é praticamente consenso no mundo, sendo adotado por 174 entre 195 nações da ONU, e é o modelo defendido pelos especialistas brasileiros.

Lira também mostrou-se igualmente otimista com os projetos discutidos no Congresso. O presidente da Câmara disse que não haverá perdas para estados e municípios e que a matéria deve ser votada ainda no primeiro semestre. Nem as CPIs atrapalharão o andamento dos trabalhos, assegurou.

Relator da Reforma Tributária, Aguinaldo Ribeiro, diz: “o mundo já pacificou o tributo sobre o consumo” (Divulgação/Lide)

Cooperação

O evento do LIDE deixou evidente a necessidade de distensão no ambiente político, com mais estabilidade institucional e menos polarização. Até antigos aliados de Jair Bolsonaro, como o governador fluminense, pregaram mais diálogo e cooperação.

Arthur Lira lembrou que a população fez uma opção pelo equilíbrio ao eleger um Congresso “conservador e liberal” ao mesmo tempo em que escolheu um “presidente progressista”. Para ele, isso mostra a “importância do diálogo”.

Resta saber até que ponto Lula vai ceder ou se terá forças para impor sua agenda tendo uma base fragilizada. E, principalmente, se o pragmatismo do presidente vai se sobrepor às bandeiras históricas do PT, como as estatizações e o aumento tamanho do Estado. Mas, até para isso, Lira já mostrou suas armas: “A reforma administrativa foi discutida e está pronta para ser aprovada”.