O maior erro do governo Lula até agora foi a tentativa fracassada de abafar a CPI do Golpe. A instalação de uma comissão parlamentar seria uma medida óbvia para passar a limpo a conspiração antidemocrática do bolsonarismo que culminou com as invasões de 8 de janeiro. Por razões ainda obscuras, Lula mobilizou sua precária base parlamentar e todos os fundos e cargos à sua disposição para brecar a iniciativa, que no início do ano poderia ter se viabilizado por um projeto da senadora Soraya Thronicke. Os extremistas de direita aproveitaram a oportunidade para pedir sua própria investigação, baseados na tese estapafúrdia de que foi o próprio governo que estimulou o quebra-quebra.
A queda na chefia do GSI do general G. Dias, um dos militares mais próximos de Lula, depois do vazamento das imagens dele zanzando no Planalto entre os invasores, foi a pá de cal na estratégia fracassada de conter as apurações no Congresso. No momento, o governo tenta conter o estrago forçando uma composição mais favorável à CPI que agora será uma CPMI, um colegiado misto do Senado e da Câmara, que pode ser instalado nesta quarta-feira, 26. Trata-se de um ambiente mais hostil, com a provável presença de deputados lacradores bolsonaristas.
Ao invés de se ter uma nova versão da bem-sucedida CPI da Covid, que em 2021 foi fundamental para estabelecer os crimes de Jair Bolsonaro e seus asseclas na emergência sanitária, a CPMI corre o sério risco de se transformar em um circo midiático para mobilizar as redes sociais e propagar ainda mais mentiras. Se o governo se submeter a essa lógica para conter as investigações, cometerá seu segundo grande erro diante do golpismo.
Especialistas apontam que qualquer governo tem um papel crucial no regime presidencialista pluripartidário. Ele tem a responsabilidade de impor a pauta legislativa e estabelecer os projetos prioritários, mobilizando a sociedade e pressionando positivamente os parlamentares. Até agora, o Executivo não conseguiu fazer isso por seus próprios equívocos. Demorou para propor sua nova âncora fiscal, enquanto ameaçava retrocessos fiscais irresponsáveis e atacava o Banco Central e seu presidente. Tentou reverter os pequenos avanços recentes do Congresso, como o marco do saneamento e a própria autonomia do BC.
Na discussão sobre os ataques à democracia, o governo também tentou atropelar um projeto em discussão há três anos no Parlamento que pune as big techs pelas fake news que ameaçam o Estado de Direito e causaram tantas mortes durante a pandemia. Agora, é preciso uma mudança de rumo. Ao invés de confrontar o Congresso, cabe ao Executivo abraçar a discussão sobre a democracia e garantir a transparência das investigações e a punição aos responsáveis pelo golpe.
Suspeito que a hesitação tem a ver com a presunção de que o PT e o governo desejam se colocar como os principais fiadores da ordem constitucional, tentando impedir que outras forças se destaquem na luta pela democracia. O STF e o TSE têm cumprido esse papel, mas não devem assumir sozinhos esse protagonismo. Se o Executivo quer garantir a transparência e o fortalecimento das instituições, deve liderar essa luta no Parlamento. Isso pode aprimorar e dar mais consistência às pautas governistas, angariar mais apoio da sociedade e encurralar, aí sim, os que só apostam na ruptura e na desinformação.
Ao contrário de uma investigação no Senado, a dinâmica da CPI mista é mais incerta e imprevisível, mas isso não justifica o medo de discutir as ameaças propagadas pelos radicais. O governo se enrolou e ficou na defensiva por seus próprios enganos. Se não recuperar terreno agora, não vai comprometer apenas as medidas fundamentais para destravar a máquina pública e retomar o crescimento econômico. Fracassar nessa missão pode dar um novo fôlego ao bolsonarismo, cujos líderes estão cada vez mais próximos da cadeia. Eles contam com novos tropeços.