A Inteligência Artificial vai nos dominar?

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BRINCADEIRA Imagem de uma jaqueta de grife do papa Francisco foi criada por meio da Inteligência Artificial Foto: Divulgação

A constatação, nos últimos dias, de que não era real a realista imagem viral do Papa Francisco com uma vistosa jaqueta puffer branca colocou mais uma pulga atrás da orelha da parcela da humanidade que vê com cautela os avanços da utilização da Inteligência Artificial (IA). A imagem foi criada por meio do Midjourney, serviço de IA que gera imagens a partir de descrições textuais. A qualidade do conteúdo criado por meio da ferramenta é tão impressionante que muita gente achou tratar-se de um novo estilo do Pontífice.

Seu idealizador, o artista norte-americano Pablo Xavier, disse ao BuzzFeed News que apenas “tentou fazer coisas engraçadas ou arte alucinante, coisas psicodélicas”, enquanto estava “viajando em cogumelos”. Mas as reações provocadas mundo afora pelo deepfake foram assustadoras: críticos da Igreja Católica apontaram que o Papa Francisco estaria ostentando um casaco da luxuosa grife espanhola Balenciaga. A Inteligência Artificial, portanto, não só enganou um monte de gente, mas também mobilizou afetos. O Midjourney também está por trás das cenas artificiais do ex-presidente americano Donald Trump sendo preso por policiais de Nova York.

Nos jogos de xadrez, em confrontos entre seres humanos e computadores, a vitória é sempre da máquina. Para vencer o oponente, a Inteligência Artificial trabalha com o repertório de todos os movimentos possíveis no tabuleiro, tendo sido municiada a partir das experiências reais de jogadores de carne e osso. Por analogia, ao compartilhar com o computador nossas experiências de vida, estaríamos condenando a humanidade a ficar à mercê das criações da Inteligência Artificial, que poderia então nos enganar e até mesmo dominar nosso pensamento? Seríamos levados pela AI a um ponto a partir do qual não fosse mais possível discernir o que é deepfake do que é real?

Doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP em cotutela com Estudos Culturais pela Universidade do Minho, Micaela Altamirano aponta que, diferentemente das possibilidades de movimentos em um tabuleiro de xadrez, que são limitadas, as formas das pessoas de viver experiências no mundo são inesgotáveis. “A IA se alimenta dos dados que oferecemos a partir de nossas vivências, ainda que os recombine de formas inéditas”, diz a pesquisadora. “Mas enquanto estivermos vivos e interagindo com o mundo, com os outros seres humanos, estaremos construindo novos sentidos”. Segundo ela, “resta saber como – e se – a Inteligência Artificial vai acompanhar isso”. Ainda de acordo a pesquisadora, existem limitações também no artificial – “e o fator humano seguirá fundamental para preservarmos e expandirmos aspectos de nossa vida no planeta”.

Por via das dúvidas, não seria ruim se governos, conselhos científicos e organizações internacionais se comprometessem com a elaboração de uma regulação para a utilização da Inteligência Artificial e com o estabelecimento de limites éticos para a atividade – “desde que isso não seja conduzido exclusivamente em favor do capital”, destaca Micaela. A pesquisadora também aponta para a importância da “educação para os sentidos”. “Viver a complexidade das experiências da vida e elaborá-las faz parte da formação da nossa subjetividade”, explica. “Talvez seja uma das formas mais eficazes de constatar que o artificial não nos basta”.