24/03/2023 - 9:30
Em dois pontos da costa brasileira, bem distantes entre si, pequenos animais aquáticos estão no centro de debates tensos e nas ações bem-sucedidas de preservação ambiental. São os corais, cuja exuberância colorida nos recifes submersos está ameaçada pelos danos causados por mudanças climáticas e trabalho sem regras de atividades humanas. No litoral de Pernambuco, o Coralizar, um programa criado em 2019, já apresenta resultados empolgantes para a preservação dos corais. No Norte do País, na foz do rio Amazonas, a notícia da descoberta recente de um vasto ecossistema de corais em águas profundas dá lugar à preocupação com a possível exploração de recursos petrolíferos naquela área.
A ameaça aos corais vem da combinação de mudanças climáticas com outros fatores relacionados à ação humana, como derramamento de petróleo. O branqueamento de corais, fenômeno que expõe o exoesqueleto do animal, capaz de levar à morte colônias inteiras, pode ter atingido de 70% a 90% das espécies espalhadas pelos oceanos, gerando considerável risco de extinção para algumas. Um efeito colateral do aquecimento global, a acidificação dos oceanos, também é fatal para a saúde dos corais. Os níveis de poluição na água têm ligação direta com o risco aos animais. Ao absorver o excesso de dióxido de carbono na atmosfera, as águas oceânicas tornam-se mais ácidas, o que compromete a capacidade dos corais de construir seus esqueletos calcários.
PREPARO Equipe da Biofábrica de Corais: pesquisadores fazem adaptações para transformar cada pedaço de coral coletado numa “mudinha” da espécie. Depois, elas serão depositadas nos “berços” submarinos, que são montados em áreas de águas tranquilas
Os recifes de corais são importantes ecossistemas que abrigam uma grande quantidade de formas de vida marinha, fornecendo-as abrigo e proteção. Estima-se que aproximadamente 65% dos peixes marinhos vivam nesse importante habitat, sendo fundamental, portanto, a sua preservação. A sede do programa Coralizar está em Porto de Galinhas e Tamandaré, em Pernambuco, na Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais (APACC). Lá está aquilo que os pesquisadores do Coralizar chamam de “berçário”, para onde são levados os corais que precisam de boas condições para tentar sua recuperação. Os resultados são obtidos numa média de três meses. Segundo Renata Chagas, diretora do Instituto Neoenergia, “desde o início do projeto, em 2019, temos motivos para comemorar. Há corais que dobraram de tamanho no prazo de três a cinco meses, dependendo da espécie e do manejo realizado pelas equipes de pesquisadores”.
O programa é iniciativa conjunta do Instituto Neoenergia e da WWF-Brasil. Além da junção dos perfis de pesquisas energéticas e preservação da vida selvagem dessas duas entidades, o Coralizar ganha mais versatilidade com parcerias importantes. É o caso da Biofábrica de Corais, startup que coordena o trabalho de pesquisadores, mergulhadores e jangadeiros voluntários. Rudã Fernandes, gestor da Biofábrica, explica como atuam os preservadores de coral em sua missão.
“Ao invés de ver o coral ali, caído e morto, e não poder fazer nada, hoje sei como é que se faz”João Virgínio, pescador voluntário
Duas espécies
“Coletamos corais que se quebram, que estão desgarrados dos recifes e das pedras. Os fragmentos são levados ao berçário, onde transformamos cada um numa pequena muda”, conta, ressaltando que eles focam a ação em duas espécies determinadas de coral, ambas muito afetadas pelo altos índices de branqueamento: a Mussismilia harttii, endêmica no Brasil e ameaçada de extinção, e a Millepora alcicornis, que tem complexidades em sua estrutura que fazem o coral crescer mais rápido.
Os animais são fragmentados em partes menores, medidos, pesados e instalados em mesas de cultivo antes de serem colados nos berçários e devolvidos ao mar. Os corais em recuperação são depositados em estruturas feitas com tubos de PVC, que são os “berços”, para a recuperação dos fragmentados e sua transformação em indivíduos que, uma vez recuperados, voltam a ser inseridos na natureza. Eles são retirados das armações, depositados em pedras pelos mergulhadores e colocados junto a colônias grandes, para que aos poucos consigam se reintegrar aos demais corais.
Defender a sobrevivência dos corais não é uma ação apenas em prol desses animais (sim, coral é um animal, não um vegetal, como muita gente pensa). A saúde estável dos recifes de coral é benéfica a toda a fauna marítima (dois a cada três peixes do planeta têm ligação direta de habitat ou de cadeia alimentar com os corais) e, por conseqüência, fortalece a atividade da pesca. Contribui também com o mercado de turismo e a indústria farmacêutica, que investiga o metabolismo dos animais em busca de ajuda para composição de novos remédios.
A integração de todos os envolvidos no cenário de recifes de corais em Pernambuco, na recuperação das colônias, tem avançado no dia a dia do programa, com adesão de jangadeiros e pescadores voluntários. O pescador João Virgínio, agente de campo do Instituto Recifes Costeiros, destaca que o projeto vai ajudar a recuperar a paisagem e afirma estar feliz por fazer parte disso. “Veio o aquecimento global, a água esquentou e eles morreram. Isso é muito importante para mim: ao invés de ver o coral ali, caído e morto, e não poder fazer nada, hoje eu sei como é que se faz. Então, é importante para mim e para minha família poder participar.”
Rudã Fernandes explica que, mais do que os resultados já expressivos de corais recuperados, o momento é o de consolidar o processo. “A ideia é buscar uma linha de pesquisa e atuação mais robusta. Vamos espalhar nossa ação, mas com uma preparação consistente de novos pesquisadores e voluntários.” O gestor destaca que, não agora, mas certamente num momento posterior, haverá a busca de retorno financeiro com essa atividade.
Sob ameaça
Em 2016, foi descoberta na foz do Amazonas uma vasta quantidade de coral, a 220 metros de profundidade, até então escondida pelas águas barrentas do rio. Nos anos que se seguiram, a perspectiva de a Petrobras iniciar exploração petrolífera a pouco mais de 100 km dos corais é temida pelos ambientalistas. Apesar de fortes campanhas de entidades como o Greenpeace, as sondagens da estatal seguem em andamento. Há um ano, a Petrobras trabalha com um grupo de 30 cientistas para oferecer aos órgãos de defesa ambiental garantias de que o trabalho de extração na área não seria prejudicial aos corais.
A busca por petróleo em áreas próximas a corais poderá afetar diretamente o bioma. Os corais estarão sujeitos a possíveis alterações em seu ecossistema. Para Mauro Maida, oceanólogo e professor do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco, perfurar a região para essa busca é investir em um modelo de energia que caminha para o fim. “Os recifes de corais são ecossistemas sensíveis a mudanças da qualidade da água, turbidez, poluição etc.”, pontua.
O oceanólogo explica que, na fase de exploração do petróleo, os principais impactos ocasionados no ecossistema são aqueles relacionados à prospecção sísmica e ao processo de instalação da plataforma no fundo do mar. Durante a perfuração, os impactos principais estão relacionados à propagação de contaminantes provenientes de fluidos de perfuração. Já na fase de produção do petróleo, o perigo está no derramamento do material, causado pela liberação acidental ou explosão do poço, que, durante o transporte, têm sido responsáveis pelos grandes impactos ambientais registrados na história da exploração do petróleo.
Entre os perigos do óleo para esses animais está tanto a contaminação pela sedimentação quanto a contaminação quando eles são ainda larvas e nadam na superfície do mar. Eles são afetados no curto prazo, com problemas para respirar e se alimentar. Ou no longo prazo, porque podem ter a reprodução comprometida. “Esses fatores podem causar desequilíbrio e afetar centenas de espécies de animais e plantas que convivem nesse ecossistema”, resume o professor Maida.