A fraude bilionária das Americanas surpreendeu o Brasil nas últimas semanas e está levando várias questões legais sobre o assunto. Um dos temas mais abordados é o que pode ter proporcionado a fraude. Em conversa com a IstoÉ, o advogado com especialização em Direito Tributário, Dr. Eduardo Araújo esclarece alguns temas.
Para começar a falar sobre o tema, Dr. Eduardo relembra o caso ‘Bernard Madoff’, que ensejou o thriller financeiro sobre um dos maiores golpes financeiros da história, ‘Bernie Madoff – O Golpista de Wall Street’, supostamente é responsável por um calote de US$ 65 bilhões após ter perquirido e conquistado a confiança de investidores para sua corretora, segundo o The Wall Street Journal.
Bernard Madoff foi condenado a 150 anos de prisão em 2009, seus filhos morreram nos anos seguintes, e o financista faleceu enquanto ainda cumpria pena em 2021.
“A técnica de Bernard Madoff consistia no chamado ‘Esquema Ponzi’, negócio financeiro com promessa de altos lucros aos investidores, mas na verdade, o rendimento dá-se pela entrada de recursos de novos investidores em detrimento de qualquer negócio financeiro real. Um claro engodo aos desavisados que se afogam em sua ganância”, conta.
“Nessa esteira, movimentos disruptivos como a tecnologia blockchain, criptomoedas, tokenização de ativos abriram frente ampla para novos golpistas utilizando-se do ‘Esquema Ponzi’, confundido popularmente com a ‘pirâmide financeira’, com amplas operações policiais recentes em todo o Brasil”, completa.
Na sequência, Dr. Eduardo comenta o que muda o cenário para a alarmante fraude das Americanas. Ele afirma que é “ter-se perpetrado em cenário totalmente regulamentado, sendo Sociedade Anônima de Capital Aberto, com repercussão no patrimônio de investidores conservadores, além de consequências nefastas de contração do crédito já que os maiores prejudicados diretamente pela fraude são os bancos que garantiam as operações da empresa”.
“A distinção da fraude bilionária da empresa para o caso Bernard Madoff e tantos outros mundo afora, dá-se pela falta de poderes de investigação criminal Comissão de Valores Mobiliário (CVM) brasileira em comparação a agência estadunidense análoga (SEC). A U.S. Securities and Exchange Commission (SEC) possui poderes não só para o processo administrativo sancionador, podendo-se, da mesma forma, realizar investigações criminais, bem como realizar acordos de não persecução criminal, amalgamando-se poderes que no Brasil são diluídos e desconcentrados entre os afastados orgãos CVM e o Ministério Público”, continua.
“Isto é, o que se observa é que não há agência estatal especializada no Brasil com poderes para reprimir práticas fraudulentas, investigar criminalmente e representar contra os culpados perante a Justiça Penal, elidindo-se as fraudes pelo seu papel inibitório. Por enquanto, fica reservado a CVM brasileira o singelo papel de autarquia federal reguladora do mercado de capitais com meros poderes de punições administrativas”, segue.
“Ainda, registra-se o papel das grandes Auditorias Independentes que fiscalizam as Sociedades Anônimas de Capital Aberto. A fraude da Americanas é contábil, por desvirtuamento do balanço no lançamento de dívidas noutras contas contábeis, por uma estratégia simples: é o balanço contábil salutar apontando-se lucro que enseja a capitação de novos investidores no amplo mercado”, conclui.
A resolução Nº 23/2021 da CVM e a resolução Nº 1.530/2017 do CFC ensejam responsabilização as auditorias independentes por auditagem “inepta ou fraudulenta, falsearem dados ou números, ou sonegarem informações que sejam de seu dever revelar”.
Neste caso, observa-se que o atual grupo controlador da Americanas é o grupo 3G Capital. Um conglomerado brasileiro-estadunidense de private equity fundada por Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles, Carlos Alberto Sicupira, Alex Behring, com investimentos na indústria de bebidas (AB InBev), indústria de alimentos (Kraft Heinz) e fast-food (Burger King), comércio eletrônico (B2W Digital), além do varejo (Americanas).
Segundo, o CEO demitido, Sérgio Rial, o rombo se deu por “inconsistências no balanço da empresa” que teriam ocorrido “por cerca de 7 a 9 anos”, o que só foi divulgado pela Americanas em comunicado de Fato Relevante em 13/01/2023, dias antes de Rial assumir a gestão da empresa. No entanto, as publicações de comunicados de Fato Relevante devem ser sempre prévias para a higidez do mercado e escorreita orientação dos investidores.
Pela Lei de S/A brasileira, os acionistas controladores apresentam clara responsabilidade no caso em tela, por “aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade” – art. 117 da LSA –, não bastando-se agirem em cegueira deliberada.
“Dessa forma, enquanto a CVM brasileira for agência com meros poderes administrativos, sem autoridade para a dita persecução criminal, enquanto não ocorrerem graves punições as auditorias independentes míopes as fraudes nos balanços analisados, sem exemplar condenação criminal aos acionistas controladores e administradores, o mercado financeiro mais se aproxima dos escândalos antes reservados as searas não regulamentadas”, diz. “Mais uma vez, o mercado de capitais tão dependente da fidúcia e observância as regulamentações, mostra-se fadado a pecha da insegurança jurídica”, completa.
Por fim, o profissional afirma que que essa conta pode chegar para muita gente: “A fraude da Americanas não fica reservada ao mercado de capitais, instituições financeiras e grandes corporações, pois dá motivo inclusive a contratação do crédito a pessoas físicas e pequenos negócios, já que os bancos passam operar de forma mais onerosa. O pequeno também paga a conta”.