O complexo xadrez jogado por Lula na composição de seu Ministério não é fato inédito na história republicana brasileira – sobretudo quando a montagem do Gabinete decorre de eleições nas quais se forma uma necessária e saudável frente ampla democrática para derrotar nas urnas um oponente com clara vocação golpista.

Esse é o caso de Lula, cuja vitória salvou o Brasil de permanecer à mercê dos desvarios totalitários de Jair Bolsonaro, e nos devolveu a esperança de um governo que coloque ordem na economia, nas questões da desigualdade social, que freie a destruição ambiental e promova a isonomia racial e de gênero.

Simone Tebet tornou-se peça nobre e importante no tabuleiro de xadrez do presidente eleito. Lula deve a ela – todos os democratas devem a ela -, considerável contribuição para que Bolsonaro perdesse a eleição. O pragmatismo político, característica que também não se faz exclusiva de Lula, falou mais alto e a indicação ministerial de Tebet foi sendo postergada.

Ela queria, e merecia porque tem todas as qualificações para desenvolver um excelente trabalho, o Ministério do Desenvolvimento Social. O PT, enquanto partido, considerou, no entanto, que tal pasta era vitrine demais para Tebet que, fortalecida, se tornaria uma forte adversária eleitoral do próprio PT em 2026. O seu pleito por tal Ministério foi-lhe negado.

A primeira composição ministerial da República tinha 27 nomes, hoje Lula chega a 37 – também é normal, a realidade atual é mais complexa, a contemporaneidade exige especializações. Assim, nos 133 anos de exercício republicano, tivemos, praticamente, o acréscimo de cerca de quatro Ministérios por ano. Nada que comprometa o andar da vida política. Para satisfazer o máximo possível os pedidos e as expectativas da frente ampla que o levou à vitória, Lula teve de chegar a 37 pastas — e o fez, principalmente, desmembrando diversas das já existentes.

Restou para Tebet, já que o “núcleo duro” da articulação política ficou com o PT, a opção do Planejamento — uma das fatias, de pouquíssima visibilidade política, do Ministério da Fazenda. Lula mostrou-se disposto também a lhe oferecer o Meio Ambiente, e, para tanto, criou um novo Ministério, bonito no nome, mas sem sentido prático: o da Autoridade Climática para nele alocar Marina Silva. Lula está fazendo tudo certo, no grau razoável e plausível do pragmatismo. Mas ainda que não agrade Tebet totalmente, também não pode totalmente desagradá-la. Ela foi essencial para o triunfo da frente democrática.

Falou-se no início desse artigo que tal xadrez não está sendo inaugurado no governo Lula. Explica-se: para derrotar a ditadura militar no Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985, formou-se uma frente excepcionalmente ampla. Tancredo Neves era o candidato da redemocratização; Paulo Maluf, embora civil, representava o candidato do continuísmo. Tancredo venceu. Antes de ser hospitalizado, às vésperas da posse, montara o Ministério. Havia tanta gente para acomodar que se criou uma situação, no mínimo, curiosa.
O presidente do Congresso Nacional, natural e constitucionalmente, é o presidente do Senado. Tancredo manteve isso, é claro, mas mesmo assim criou com duplicidade o cargo de Presidência do Congresso. Nunca ninguém o ocupou. Mas existe até hoje. Grande parte dessa informação, com riqueza de detalhes, está no excelente livro (imprescindível aos apaixonados pela nossa história), cujo título é O Poder Sem Pompa. Trata-se de um rico depoimento de Francisco Dornelles à jornalista Cecília Costa.