29/11/2016 - 20:50
Depois de uma noite chuvosa que acabou em pesadelo, Chapecó amanheceu de luto, na medida em que as esperanças de encontrar mais sobreviventes esvaneciam. A mesma cidade que há uma semana celebrava a classificação heroica à final da Copa Sul-Americana está hoje afundada na tristeza.
Com seu uniforme verde da Chape e óculos escuros escondendo as lágrimas, Carine Valer tentava processar a dura realidade depois de 12 horas de telefonemas que traziam uma má notícia atrás da outra.
Seu namorado, Adriano Bittencourt, era o chefe de segurança do clube catarinense e sempre viajava com a equipe. Morreu junto com os jogadores, no avião que também tinha assento reservado para a própria Carine.
“Não fui porque estava tirando passaporte, mas na sexta-feira fui informada que não chegaria a tempo. Ele me disse para continuar insistindo, mas não adiantou. Deus sabe de todas as coisas e acho que não era minha hora”, relatou, aos prantos, à beira do gramado da Arena Condá, que virou ponto de encontro dos familiares.
Ali, aos pés do gramado da Arena Condá, o estádio transformado em doloroso ponto de encontro de parentes e amigos das vítimas, ela tentava processar que nada mais seria como antes.
“Ele me dizia que iria me dar uma vida de rainha, e isso aconteceu, em todos os sentidos. Infelizmente, não vou ter essa vida nunca mais, nem o contato com ele”, desabafou, antes de ser consolada por um dos psicólogos mobilizados na sede do clube.
Até o fim
Desde que a tragédia foi confirmada, nas primeiras horas da madrugada, a Arena Condá também virou o ponto de peregrinação de torcedores, que na última quarta-feira empurraram o ‘Verdão do Oeste’ na semifinal contra San Lorenzo.
Entre a dor e a emoção, pessoas vestidas com a camisa verde do time se reuniam em meio a abraços e soluços.
O jovem John Victor Carraro, de 18 anos, nunca se esquecerá dessa noite histórica em que compareceu ao estádio para ver seu time de coração garantir a classificação para a final da Copa Sul-Americana, ao segurar o empate heroico em 0 a 0, depois do 1 a 1 que eliminou o San Lorenzo, na Argentina.
Poucas horas antes de tomar conhecimento da tragédia que acabou com o sonho da Chape, ele teve que acordar às 3h00 da madrugada para ajudar vizinhos a tirar água que entrara em suas casas depois de um temporal.
Ao tomar conhecimento do acidente, ao amanhecer, foi direto para o estádio com sua camisa listrada e seu gorro verde. Queria ficar ali, à beira do gramado áspero, que queimava debaixo do sol.
“Nunca abandonarei este clube. Com meu amigo prometemos tatuar o escudo da Chapecoense se fosse campeão, mas o sentimento é ainda mais forte”, afirmou o torcedor à AFP.
A poucos metros de John Victor, perto da estátua do índio Condá, que dá seu nome ao estádio, operários que trabalham na obra de um edifício em construção instalarem uma grande faixa preta, enquanto um guindaste colocava a bandeira do clube a meio-mastro.
Era uma antecipação da maré verde que estava para chegar quando o sol deixou de iluminar Chapecó. Depois de uma missa no centro da cidade, milhares de torcedores caminharam juntos até o estádio, enfrentando as lágrimas com os gritos em memória dos que já se tornaram seus heróis.
Como se pudessem fazê-lo voltar ao gramado, entraram no estádio repetindo “campeões” e com os celulares nas mãos iluminando uma noite em que não haverá luz em Chapecó.
“Eu me sinto sem esperança, nosso sonho acabou, o que divido com meus filhos”, disse à AFP Nelsiro Miranda, enquanto tentava consolar seus dois meninos.
“Estamos acordados desde as 4 da manhã. O dia ainda não nasceu para nós, ainda está escuro”, acrescentou, emocionado.
Guerreiros
A sorte que acompanhou o ‘Chape’ em seus sete anos de renascimento – quando passou da beira da falência e na quarta divisão à final da Sul-americana – virou para o time no momento em que menos esperava.
Passaram-se poucos dias desde que a cidade instalou uma foto do goleiro Danilo em uma de suas avenidas – uma homenagem ao herói do time, que com seu pé salvador garantiu ao Chape a vaga na final do torneio e ao jovem que encarnava a humildade guerreira de uma equipe que batalhou até o fim.
Na frente desse cartaz, Jodelcir Pereira não conseguia conter as emoções nesta terça-feira.
“Vendo essa imagem, sinto muita tristeza, porque na parte da manhã disseram que estava vivo e depois anunciaram seu falecimento. É muito doloroso ver um ídolo como Danilo, que lutou tanto e estava no auge, sair de cena dessa forma”, lamentou o torcedor.
Embaixo da foto do goleiro de costas, comemorando a defesa salvadora com as duas mãos apontadas para céu, uma mensagem: “Torcedor, obrigado por lutar conosco em 2016. Que venha 2017!”.
Nesse dia 20 de novembro, o tempo parece ter parado para sempre em Chapecó.