Às vésperas das eleições presidenciais no Brasil, não é novidade que a desinformação corra solta nas redes sociais. Mas, quando aparecem na boca dos candidatos em programas de TV, as falsas narrativas podem alcançar novos públicos e ganhar status de verdade.
Após o início oficial da campanha eleitoral em meados de agosto, os candidatos passaram a ser entrevistados quase semanalmente no horário nobre de diferentes emissoras de televisão.
Mas para além de propostas e promessas de governo, chama atenção a quantidade de desinformação em suas falas.
“O nosso governo, via Banco Central, teve a ideia de criar o Pix”, garantiu o presidente Jair Bolsonaro (PL) em entrevista em 13 de setembro ao popular Programa do Ratinho, do SBT. Mas, o meio de pagamento instantâneo foi o resultado de um grupo de trabalho criado pelo Banco ainda em 2018, no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
Na mesma semana, na CNN, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou ter sido absolvido de todos os processos dos quais era réu, o que é enganoso. Embora não tenha condenações hoje, Lula não provou na Justiça ser inocente de todos os crimes de corrupção dos quais era acusado. Algumas ações foram, na verdade, anuladas por questões processuais, sem que o mérito da acusação fosse julgado.
Declarações semelhantes são disseminadas pelos candidatos no horário eleitoral gratuito, exibido obrigatoriamente pelas emissoras de TV aberta todos os dias.
Amaro Grassi, coordenador de projetos da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica: “A campanha é, antes de qualquer coisa, uma disputa de narrativas sobre o que está em jogo”. E, para vender sua visão, os candidatos muitas vezes se valem de afirmações enganosas, “ou até francamente falsas”.
Embora especialistas tenham concordado que o uso da mentira é comum na política, o fato de essas falas estarem sendo apresentadas em horário nobre permite que a desinformação, que há meses domina as redes sociais, atinja novos públicos.
“A televisão ainda é o espaço de contato com a população em geral, chegando, muitas vezes, além de um público já convencido”, avaliou Helena Martins, professora de Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Arthur Ituassu, professor associado de Comunicação Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), concordou que a televisão atinge um público “não segmentado por natureza”, ao contrário do que acontece nas redes sociais. “A televisão é um ambiente de massa. Então, esse público é um público mais geral”.
Além disso, a televisão é vista por muitos como o “espaço da verdade”, o que pode legitimar o discurso ali transmitido, explicou Helena Martins, citando uma frase popular: “Deu na TV é porque é verdade”.
– Efeito incerto –
Em um cenário tenso de troca de acusações entre os principais candidatos e seus partidários, 85% dos brasileiros acreditam que a desinformação pode influenciar na eleição, segundo pesquisa do Ipec divulgada em 6 de setembro.
No entanto, Grassi avalia que a particularidade do pleito de 2022 é ter um nível muito alto de consolidação do voto.
Entre os entrevistados que declararam intenção de votar em algum dos candidatos apresentados em um levantamento do Datafolha divulgado em 15 de setembro, por exemplo, 78% disseram estar “totalmente decididos sobre essa opção”. Entre os eleitores de Lula e Bolsonaro, que lideram as pesquisas, o percentual foi ainda mais alto: 86%, nos dois casos.
“Há uma consolidação já muito avançada da intenção de voto. Isso dificulta que essas narrativas, essas estratégias de comunicação, alterem muito o cenário a essa altura”, afirmou Grassi.
Mesmo assim, os candidatos investem em declarações que podem fortalecer sua base de apoiadores e conquistar aqueles que ainda estão indecisos, ou que devem optar por nomes com menor protagonismo nas pesquisas eleitorais.
Para isso, Lula tem exagerado alguns feitos econômicos de sua gestão passada. “Ele usa essa memória para criticar o Bolsonaro e tentar fazer uma eleição sobre isso, sobre a situação econômica do brasileiro”, apontou Grassi.
Já Bolsonaro tem alimentado a alegação de que Lula seria contra o agronegócio ou as igrejas evangélicas, e a favor da ideologia de gênero e do aborto: “São coisas que buscam reforçar esses segmentos específicos a rejeitar o Lula. Porque, em uma eleição tão polarizada assim, termina sendo em grande medida uma disputa de rejeições”.