A produção cultural mundial vive um dos maiores momentos de nostalgia já vistos. Seja no cinema, séries, livros, música, moda, etc, parece que tudo que vemos atualmente é um aceno, ou uma reprodução fiel, a produtos que já foram feitos no passado, como um infinito “throwback” dos anos 80, 90 e 2000.

Com séries com temática de décadas passadas, como ‘Stranger Things’, festas “flashback” com músicas dos anos 90, ou o retorno da temível calça de cintura baixa dos anos 2000, a estética da nossa era atual é um recorte de memórias e de uma realidade que não existe mais. Com a chegada da pandemia, essa tendência se intensificou. As pessoas se fecharam em suas casas, e em suas mentes, e quiseram cada vez mais voltar ao passado.

Tempos difíceis costumam ser um divisor de águas na linha de tempo individual ou coletiva, e cria-se a noção de antes e depois: “antes da pandemia”, “antes da guerra”, etc. Por isso, é comum para o ser humano voltar para a época em que as coisas eram mais “fáceis” ou “confortáveis”, o que, em sua maioria, nos joga para nossa juventude. “A busca em reviver o passado através de espetáculos e produções culturais é uma forma de preservar as memórias individuais. Buscam reviver experiências passadas, pessoas e situações prazerosas que ficaram no passado”, explica Priscila Gasparini Fernandes, doutorado pela USP e neuropsicanalista.

Isso não é necessariamente algo negativo. Em um estudo publicado em 2020 na revista Frontiers, pesquisadores descobriram que a nostalgia pode ajudar a combater sentimentos de solidão. Outro estudo publicado em 2013 na revista Social and Personality Psychology Compass sugeriu que a nostalgia pode até funcionar como um recurso para a saúde psicológica e bem-estar geral.

Naturalmente, a produção cultural, que funciona sob a lógica capitalista, se aproveitou dessa tendência escapista do nosso momento de crise atual e incrementou ainda mais a onda nostálgica. Isso transformou o “mainstream” em uma torrente infinita de reboots, remakes, spinf-offs e todo tipo de malabarismo midiático para produzir mais da mesma fonte, empurrando produções originais para a periferia do circuito cultural.

No cinema e televisão, o que impera são as produções derivadas de quadrinhos ou remakes de produções de muito sucesso dos anos 80 e 90, como Top Gun, Cobra Kai e Chucky. Na moda, os anos 2000 e sua estética da magreza extrema parecem estar querendo reaparecer, e na música artistas como Miley Cyrus, The Weeknd, Dua Lipa etc, estão usando em peso os sintetizadores e batidas clássicas dos anos 80.

Mas, a despeito da crise de criatividade atual, a nostalgia é realmente boa para a saúde mental? Ainda segundo Fernandes, depende. “A nostalgia é um mecanismo de defesa, ela pode ser vista como uma valorização de coisas boas que ocorreram no passado, e que são lembradas com saudades. Muitas vezes, a referência de passado é melhor do que o indivíduo vive no presente, nestes casos há uma compensação, uma tendência em trazer conteúdos do passado para o presente, como se quisesse reviver aquela época, reforçando que era melhor do que é hoje, inserindo a nostalgia como defesa”, explica.

Ela ainda fala sobre a necessidade de atenção quando os sentimentos nostálgicos estão fora de controle. “A nostalgia se torna perigosa quando o indivíduo vivencia uma sensação de constante frustração, onde algo falta, não está completo e o que ele procura somente iremos encontrar no passado. É algo que ele não assimilou, não fez a transição do tempo, não avaliou coisas boas e ruins no passado e presente, se sente pertencente ao passado, como se vivesse em uma época errada”, conta.

Apenas reviver a época em que se era “mais feliz” pode ser prejudicial. “Nestes casos, podem ocorrer quadros de depressão, ansiedade, angustia e desanimo, onde deve haver um acompanhamento psicológico e psiquiátrico para que o paciente consiga se reestruturar e resignificar sua vida, com novos prazeres e desafios, onde enxergue que é possível ser feliz novamente”, finaliza.