No segundo e último dia do Festival Turá neste domingo, dia 3, o leque de estilos oferecidos à plateia foi substancialmente expandido. Ao rap, samba, pop e reggae de sábado, foram incorporados forró, baião, reggaeton, brega punk, piseiro, soul e até um som latino que espalhou ventos dos Andes na noite do parque Ibirapuera.

Como no dia anterior, a plateia foi chegando paulatinamente. Após as 17h, o espaço diante do palco ficou completamente lotado, tornando complicado qualquer deslocamento. Em contrapartida, os shows do começo da tarde foram vistos por bem menos gente. Um problema que atingiu, principalmente, a apresentação a seguir:

Luísa e os Alquimistas

Luísa e os Alquimistas no Festival Turá
Fotos Sidinei Lopes

Não demorou muito para o, ainda pequeno, público perceber que estava diante de algo grandioso. Com sua mistura irrequieta de brega, rap, reggaeton, piseiro e salpicadas caribenhas, a banda potiguar despejou petardos sonoros que abalariam o parque caso tivesse rolado com a casa cheia (talvez fosse esse o temor dos organizadores).

Desde a segunda música, “Jaguatirica Print”, a banda encantou os convertidos e converteu os não iniciados. São grandes as chances de estes últimos estarem nas plataformas digitais atrás de canções como “Garota Ligeira” e “Cadernin”. Tem tudo ali: melodias cheias de substância, ritmos contagiantes, arranjos criativos e, acima de tudo, as letras. Há poucas meninas com moral e autoridade para compor e cantar versos empoderados como: “Se tem coragem de mamar em onça, chega junto”.

Além de revisitar alguns de seus hits, a banda deu o spoiler de um EP a ser lançado em setembro. Pelo que se ouviu, eles voltam rimando forte e ainda mais acelerados. A única coisa que faltou ao show foi a inclusão no repertório de “Calor no Rio”. Nada que comprometesse o resultado da apresentação. Mas fica o registro de que essa é a preferida deste escriba.

Mart’Nália

Mart'Nália no Festival Torá
A cantora já entrou no palco avisando que iria decepcionar quem esperava uma coleção de sambas. Abriu com “Don’t Worry, Be Happy”, entremeada por “Deixa Isso pra Lá”, sucesso na voz de Jair Rodrigues. Para alívio dos sambistas, na sequência, ela mandou “Pé do Meu Samba”. Mas logo depois voltou a mergulhar a apresentação nas águas escuras da soul music, principalmente na interpretação de “Namora Comigo” e “Segue o Baile”.

Mart’Nália organizou parte do repertório em nichos. No meio da apresentação, ela mandou ver num bloco Vinicius de Moraes, com “Na Tonga da Mironga”, “Pra que Chorar” e “Onde Anda Você”. O ápice se deu quando ela releu o repertório do pai, Martinho da Vila. Foi acompanhada pela plateia em “Disritmia” e “Mulheres”.

Ela estava gostando, a plateia estava gostando, mas uma produtora ficou na esquerda do palco falando “esta é a última”. Mas estava bom demais e foram mais três, fechando com “É”, do Gonzaguinha.

Alceu Valença

Alceu Valença no Festival Turá
Ele abriu sua apresentação exibindo, desavergonhada e explicitamente, suas raízes musicais. Num bloco de quatro músicas dedicadas a Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, ele emendou versões contagiantemente vigorosas de “Pagode Russo”, “Baião”, “Vem Morena” e “O Canto da Ema”.

Para que a plateia recuperasse o fôlego, interpretou uma série de forrós pé de serra, para dançar agarradinho: “O Xote das Meninas”, “Sabiá” e “Flor de Tangerina”. Pronto, a plateia estava dominada e pronta para a torrente de hits. E Alceu Valença não foi econômico: “Como Dois Animais”, “La Belle de Jour”, “Anunciação” até a catarse com “Morena Tropicana”.

Baco Exu do Blues + Marina Sena + Illy

Baco Exu do Blues no Festival Turá

O rapper baiano entrou no palco com o jogo ganho. De shortinho e camisa, foi recepcionado com um coro de “Ô, Baco, gostoso”. Apesar dessa entrada tranquila, para se garantir, ele abriu a apresentação desimpedindo os caminhos com um cântico afro-brasileiro. A partir daí a plateia – principalmente a parte feminina dela – passou a berrar todas as letras. Desde “Dois Amores” até “20 Ligações”, passando por “Mulheres Grandes”.

Marina Sena e Illy no Festival Turá
Por falar em mulher, apesar de o show ser de Baco, elas brilharam mais. A começar pelas três cantoras da banda. Quando assumiram o protagonismo, mostraram que estão backups, mas não são. As outras duas convidadas para a noite também não deixaram pra menos. Após cantar uma com Baco, Illy ficou só no palco, interpretou “Querelas do Brasil” e chamou a convidada seguinte, Marina Senna.

Com um visual ousado, para dizer o mínimo, a cantora mineira dividiu com Illy uma versão cativante de “Quente e Colorido” para depois, sozinha, provocar um frenesi com a sua “Por Supuesto”. Por fim, chamou Baco de volta para uma versão tórrida e safada de “Te Amo, Disgraça”. Foi, em mais de um sentido, o momento mais quente do festival.

Nando Reis

O ex-Titã fez uma aposta certeira no começo da sua apresentação. Atacou com os hits “Marvin” e “O Segundo Sol”. Por outro lado, fez uma aposta equivocada em algumas canções. Não por conta da qualidade delas, mas pela abordagem, com solos intermináveis. Num festival com média de 45 minutos para cada show, Nando desperdiçou um tempo em que poderia entregar, por baixo, mais duas músicas para a galera.

O cantor e compositor também foi generoso e recebeu no palco seu filho Sebastião Reis – que cantou uma versão suave de “Dona” – e Jão, que mostrou a sua composição “Idiota”. Apesar de alguns momentos memoráveis, esse show vai entrar para a história como aquele em que, ensandecido, Nando entrou na parte lalalá de “Do Seu Lado” fazendo um “L” com as mãos, o que motivou ondas com a mesma letra na plateia. Entre os inúmeros momentos antiBolsonaro do festival, esse será o mais lembrado.

BaianaSystem

BaianaSystem no Festival Turá
Edson Franco

Se havia sobrado algum fôlego do público ao fim da maratona de shows, a banda tratou de acabar com ele. Após um início latino com direito a declamação com tons ecológicos, limpou o tereno com um cântico afrodescendente. Aí o BaianaSystem se distanciou das suas raízes mais pacatas para fazer a mais autêntica música pra pular brasileira.

Era fim de domingo e de festival, e as pessoas saltaram feito alucinadas, principalmente em “Cabeça de Papel”. As dores musculares na segunda-feira vão ajudar a tornar ainda mais inesquecível a energia que brotou do chão de terra no parque.

Conclusão

Após o final da maratona de shows e da abrangência da amostragem musical que rolou ali, tudo o que a gente pode desejar é que esta tenha sido a primeira de uma série do Festival Turá. E que continue assim, 100% nacional. Com seu poder de síntese, ao se referir ao line-up do evento, Emicida resumiu a desnecessidade de gringos em uma frase: “A música brasileira é f%#*”. Alguém discorda?