A participação do ex-governador João Doria na política partidária foi como um furacão. Em apenas seis anos, elegeu-se para administrar a maior cidade e o maior estado da Federação. Pela primeira vez um candidato ganhou a prefeitura de São Paulo no primeiro turno (contra Fernando Haddad). De forma inédita, participou e ganhou de prévias em sua legenda para se candidatar aos dois postos. Repetiu a façanha para concorrer à Presidência, vencendo uma nova consulta a 22 mil filiados. Daí, esbarrou na cúpula do PSDB, que preferiu pela primeira vez não ter um candidato ao Planalto.

Nessa trajetória meteórica, o ex-governador fez uma gestão transformadora em São Paulo garantindo crescimento superior ao País, enxugando a máquina por meio de concessões e trazendo a vacina pioneira contra a pandemia, além de resolver problemas históricos que se arrastavam no estado, como a poluição do rio Pinheiros e uma coleção de obras paradas. Agora, Doria diz que volta ao grupo empresarial que fundou, o Lide – Grupo de Líderes Empresarias, sem função executiva, mas participando de um novo conselho ao lado do ex-ministro Henrique Meirelles e de Celso Lafer, ex-chanceler de FHC. Doria deixa aberta a possibilidade de voltar à vida pública em um novo momento. Afirma que os empresários e a sociedade civil precisam participar mais da vida nacional e que ele pode transmitir seu legado para outros gestores. “Cumpri a minha missão e aquilo que os eleitores esperavam de mim. Sem populismos, com boas conquistas e transparência.”

O sr. anunciou a volta à iniciativa privada. Como será sua participação no conselho do Lide?
Neste momento, o único convite que eu aceitei foi do chairman Luiz Furlan, para compor um board especial de conselheiros. O Lide já tem o seu comitê de gestão, e tem comitês específicos. Mas ele teve a iniciativa de criar um board especial com o Henrique Meireles, o Celso Lafer e eu. Vou viajar duas semanas com a Bia, minha esposa, e em julho tomarei, aí sim, uma decisão final sobre qual caminho seguir. Se é o setor de serviços, de mídia ou industrial. Os conselhos de que eu puder fazer parte, farei. Quero voltar para a atividade plena no setor privado.

Haverá atuação internacional?
Pode acontecer. Rodei o mundo e criei bons amigos, inclusive chefes de Estado. Pessoas com as quais mantenho uma relação muito estreita. Os presidentes de Portugal e da França são exemplos. Se houver essa oportunidade, com certeza.

Dá para fazer política sendo empresário?
Mais do que possível, é recomendável. Você tem que ter as pessoas com sentimento de cidadania. A sociedade civil como um todo precisa ter um papel mais forte. Não para substituir os políticos, não se faz democracia sem política. Mas é a sociedade civil que expressa isso pelo voto e pela participação. E é isso que pretendo fazer.

O sr. vai permanecer no PSDB?
Não vou sair. Sou filiado desde o ano 2000, são 22 anos de PSDB. Mesmo com as suas idiossincrasias, suas boas características e as não boas, eu prefiro manter minha filiação. É um partido que não tem dono e que, ao longo da história, sempre respeitou a democracia. No dia que romper esse compromisso com a democracia, eu não estarei no PSDB. Mas no momento, permaneço.

O sr. teve convite de outras legendas?
Tive. Depois do anúncio de que eu deixaria a candidatura, dois grandes partidos me convidaram para me filiar. Agradeci, mas disse que eu não deixaria o PSDB.

Passada a tempestade, qual foi o momento mais delicado nas negociações da sua candidatura?
Todo o processo das prévias foi muito delicado. Não houve respeito à expressão plena das prévias, ou seja, que fossem realizadas, onde cada voto valesse um voto. Foi assim que eu disputei duas prévias em 2016 e 2018. Quem determina peso para voto não respeita plenamente a democracia. Não foi um bom gesto no PSDB. Mesmo assim, disputei e venci. O próprio processo poderia ter sido mais transparente, com a utilização das urnas eletrônicas. Pior seria se as prévias tivessem sido canceladas ou anuladas. Então, entre os males ocorridos, venceu o bem.

Mas depois o sr. teve que lutar contra a cúpula do partido. Como foi enfrentar a oposição interna?
Poderia não ter havido, mas circunstâncias acabaram determinando isso. E uma certa inconformidade com aquilo que sempre defendi, ou seja, a lisura plena e o respeito às prévias. Mas não me queixo. São fatos passados. Sou muito positivo e sempre meu olhar está voltado para a frente. Eu saí sem acusar ninguém, sem falar mal de ninguém. Sem bater portas.

Ficou mágoa com alguém?
Não, nenhuma. São circunstâncias da política. Aliás, a política ensina você a não ter mágoa das pessoas, isso comprometem a saúde e o equilíbrio. Então, saio da política sem ter mágoa de ninguém. Nem dos que me fizeram oposição no PSDB nem fora dele.

O sr. enxerga um futuro na política?
Neste momento, meu foco vai ser a vida privada. Mas não posso deixar de considerar, no futuro, a hipótese de voltar para a vida pública.

Qual foi sua maior marca na administração de São Paulo?
A vacina, o respeito à ciência e à saúde. O crescimento econômico e a geração de empregos. São essas quatro marcas que o governo deixou, até os adversários reconhecem. E, por fim, uma que não deveria ser uma referência, mas é, dadas as circunstâncias do Brasil: foi um governo honesto e transparente. Aqui não se roubou dinheiro do povo.

Esse legado elogiado na gestão pode ser reproduzido por outros políticos?
Pode. Começando pelo Rodrigo Garcia, por quem tenho estima e respeito. Torço e espero que ele seja o próximo governador de São Paulo. Ele tem capacidade, seriedade, hombridade e experiência.

O sr. vai participar da campanha dele?
Naquilo que ele julgar que eu possa ser útil, sim. Mas a campanha é dele. Ele tem que construir seu próprio caminho. Aonde ele sentir que eu possa, pela minha experiência, ajudar, ajudarei.

Bolsonaro e Paulo Guedes falam em volta do congelamento, há um pacote para subsidiar combustíveis e o populismo fiscal ganha força… A economia do País está sob risco?
Está. A economia e a democracia. As eleições serão turbulentas. E antes das eleições, isso tende a aumentar pelo antagonismo das duas únicas candidaturas que se fortaleceram ao longo desse período. Os riscos na economia são representados pelos dois candidatos, tanto o Bolsonaro quanto o Lula. E na democracia, mais da parte de Bolsonaro.

Como é sua visão para o futuro do Brasil?
Sempre sou otimista. Um País que já suportou tantas crises, 20 anos de ditadura militar, sevícias, torturas, mortes e confrontos…. e sobreviveu. Vai sobreviver também essa tormenta. Poderia ser de maneira melhor, mais efetiva. Com mais compaixão, solidariedade, empregos, oportunidades e igualdade. E com menos populismo.