A dominação russa do Mar Negro parecia incontestável até agora, mas a perda do cruzador Moskva, que afundou nesta quinta-feira (14), vai além do revés operacional na guerra da Ucrânia, já que a embarcação tinha enorme valor simbólico.
O navio-símbolo da marinha russa no Mar Negro, que estava em operação desde o início dos anos 1980, afundou em poucas horas, levando consigo para o fundo uma parte do orgulho das forças armadas do presidente Vladimir Putin, que vêm sofrendo grandes perdas desde o início da invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro.
Segundo Moscou, houve um incêndio a bordo do cruzador que fez explodir a munição armazenada. Kiev, por outro lado, afirma ter realizado um ataque com mísseis contra a embarcação.
Em ambos os casos, “é uma perda simbólica muito grande”, afirma o almirante francês reformado, Pascal Ausseur, diretor-geral do centro de análise Fundação Mediterrânea de Estudos Estratégicos (FMES).
Um navio como este deveria poder seguir em combate depois de um ou vários impactos, e ter a capacidade de controlar um incêndio. “É uma embarcação de 12.000 toneladas que afundou em 12 horas […] Isso não é normal”, acrescentou Ausseur à AFP.
O Moskva, de 186 metros de comprimento, portava 16 mísseis antinavio Bazalt/Voulkan, mísseis Fort (a versão marítima dos S-300 de longo alcance) e mísseis de curto alcance Osa, além de lança-foguetes, canhões e torpedos.
– Proteção aérea –
O cruzador podia transportar até 680 soldados a bordo, segundo o Ministério da Defesa da Rússia, e “fornecia proteção aérea para os outros navios durante as operações”, escreveu no Telegram o porta-voz da administração militar regional de Odessa, no sul da Ucrânia, Sergey Bratchuk.
No entanto, segundo os especialistas ocidentais consultados pela AFP, apesar de sua perda ser enorme a nível operacional, ainda assim ela é administrável para a Rússia.
Com seu armamento, o cruzador protegia integralmente um diâmetro de 150 quilômetros a seu redor, explicou à AFP Nick Brown, especialista do instituto privado de informação britânico Janes. “Com a Turquia bloqueando os navios russos nos estreitos de Bósforo e Dardanelos, será difícil para a Rússia substituir sua capacidade de defesa aérea”, explicou.
Porém, “o restante da frota do Mar Negro continua sendo uma força importante”, segundo Brown, sobretudo com as modernas fragatas de tipo Almirante Grigorovich, equipadas com defesas antiaéreas mais avançadas que as do Moskva, apesar de um alcance mais curto, e com mísseis de ataque terrestre Kalibr.
No entanto, a perda para Moscou é considerável. Após renunciar ao controle do espaço aéreo ucraniano e mostrar suas debilidades táticas e estratégicas nas primeiras semanas da operação terrestre, agora é sua marinha que está sofrendo baixas.
– ‘Vulnerabilidade verdadeira’ –
“O envolvimento da marinha russa na guerra era bastante limitado”, conta Maia Otarashvili, do Instituto de Pesquisa de Política Externa (FPRI, na sigla em inglês) em Washington. Mas Moscou poderia levar em conta esse ataque se estiver considerando o “envolvimento mais direto da marinha no conflito”.
Pois, se houver confirmação de que o Moskva foi atacado com mísseis Neptune (possivelmente combinados com o uso de drones), como afirmam os ucranianos, surgem as perguntas sobre os equipamentos de Kiev.
“A Ucrânia possui capacidades de defesa naval que não foram consideradas por Moscou?”, questiona Otarashvili, que lembrou que o governo do presidente Volodimir Zelensky não cessou suas solicitações de mísseis costeiros para sua defesa. “Que tipo de mísseis antinavio a Ucrânia conseguiu recentemente?”, acrescentou.
O Moskva levou consigo para o fundo do Mar Negro um currículo operacional de prestígio, forjado na Geórgia, em 2008, e na Síria, entre 2015 e 2016.
“Era o navio de comando, e tinha a bordo, provavelmente, o Estado-Maior naval da região” e também uma tripulação experiente, que considerou que era indispensável evacuar o navio, concluiu Pascal Ausseur.
Agora, os russos terão que designar outra embarcação para coordenar as operações no Mar Negro.
“É um mar bastante pequeno, tudo está ao alcance dos mísseis antinavios, e sua detecção é muito simples”, acrescentou Ausseur. Por isso, a perda do Moskva “revela uma vulnerabilidade verdadeira” da marinha russa.