No final de janeiro deste ano, o astrônomo e pesquisador independente Bill Gray causou surpresa e indignação de parte da comunidade científica mundial ao afirmar que restos de um foguete que vagam pelo espaço sem controle se chocariam contra a Lua em março. O problema é que não era qualquer nave espacial, e sim partes do Falcon 9, lançada pela empresa SpaceX, de Elon Musk, em 2015. A declaração inicial impulsionou inúmeras críticas ao empresário bilionário que estaria acumulando lixos espaciais em órbitas baixas e aumentando as chances de potenciais colisões no espaço. A China, por exemplo, tem um rover na superfície da Lua. Caso ele fosse atingido, o governo chinês poderia processar os EUA, responsável pela missão, por danos. Dias depois, porém, Bill Gray voltou atrás e disse que sua análise inicial estava errada e revelou que uma nave chinesa, que fez parte da missão Chang’e 5-T1, lançada ao espaço em outubro de 2014, é que vai colidir com o satélite natural no dia 4 de março. “Eu tinha evidências circunstanciais sólidas para a identificação, mas nada conclusivo. Isso não é incomum: reconhecimentos de lixo espacial costumam exigir trabalho de detetive, e muitas vezes não conseguimos a resposta”, disse Bill em seu pedido de desculpas público a Elon Musk.

“Ou vamos nos tornar multiplanetários ou ficaremos confinados em um planeta e eventualmente extintos” Elon Musk, fundador da SpaceX

Corrida ao espaço provoca 128 milhões de resíduos. Quem vai colocar ordem nessa bagunça?
BRITTA PEDERSEN

Segundo a Agência Espacial Americana (Nasa), esse não é o primeiro, e não será o único, equipamento a colidir com o astro, e os efeitos do impacto sobre a lua não são expressivos e preocupantes. O máximo que pode acontecer é a formação de uma nova cratera. Esse tipo de colisão, entre naves, satélites e planetas com lixos espaciais, infelizmente são comuns, devido, principalmente, ao acumulo de lixo espacial em baixa órbita, ou seja, entre 160 e 2000 quilômetros de distância do nível do mar. Em novembro do ano passado, por exemplo, os sete moradores da Estação Espacial Internacional (ISS) foram acordados mais cedo do que o normal pela Nasa, pois deveriam seguir o protocolo de segurança com urgência. O objetivo era mover os astronautas para uma área segura devido a uma nuvem de lixo recém-detectada que estava se encaminhando em direção à nave. Os pequenos destroços haviam sido gerados por um teste antissatélite conduzido pela Rússia no mesmo dia. Em comunicado, o Departamento de Estado americano classificou a atitude como “irresponsável” e estimou que cerca de 1.500 fragmentos rastreáveis haviam sido encontrados na bolha de sucata. Em fevereiro de 2009, outra colisão entre o satélite norte americano Iridium 33 e o russo Kosmos-2251 resultou na criação de ao menos mil fragmentos com mais de dez centímetros e em uma manobra da ISS para evitar colidir com os destroços. Estima-se que existam cerca de 34 mil objetos vagando sem controle pelo espaço com mais de 10 centímetros; 900 mil de 1 a 10 centímetros, e mais de 128 milhões de objetos entre 1 milímetro e 1 centímetro. Esses pequenos são um sério problema, pois dificilmente são capturados por telescópios terrestres, e na velocidade que estão, sem controle, são mais letais do que projéteis de armas. “É um risco sem solução por enquanto, porque o número não deixa de crescer. Está ficando cada vez pior. O ideal seria parar de criar lixo espacial, desenvolver foguetes que não entrem em órbita, e satélites que concluam sua vida útil possam ser derrubados de forma controlada”, diz Roberto da Costa, professor de astronomia da USP.Corrida ao espaço provoca 128 milhões de resíduos. Quem vai colocar ordem nessa bagunça?

Uma vez que o espaço não tem um dono e não pode ser reivindicado por nenhum país, de quem é a culpa por todo esse lixo? Dos americanos? Russos? Chineses? Elon Musk? O Tratado do Espaço Sideral, assinado em 1967 e ratificado por 103 países, garante que os corpos celestes e o espaço sideral não podem ser apropriados como objetos ou território privado. Já existem planos ambiciosos e ousados para minerar asteróides, fazer turismo espacial e viajar à Lua. E a maioria deles surge de empresas privadas de bilionários como Jeff Bezos e Elon Musk. Se levarmos em conta que até 2024 teremos mais de 12 mil satélites da Starlink de Musk na baixa órbita do espaço, com o objetivo de acelerar a internet mundial e sem nenhum plano efetivo de diminuir o lixo espacial, fica claro que o problema só vai crescer daqui para frente.