Foram décadas, ou melhor, séculos para que sociedades estruturalmente racistas olhassem para suas entranhas. Mas pode-se dizer que jamais se jogou tanta luz sobre o preconceito como se faz atualmente. A discriminação racial está sendo atacada de frente e a humanidade começa a dar os primeiros passos para compreender dois importantes fenômenos históricos: sim, o racismo existe e sim, ele tem de ser combatido. A positiva movimentação rumo à equidade teve início quando pretos conseguiram ingressar nas universidades e conquistaram o primeiro diploma de curso superior entre as famílias que integram. Ou seja: é a educação a base de tudo. No Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, atualmente 27% dos estudantes universitários são mulheres negras. Em 2001, elas respondiam apenas por 19% das matrículas em ensino superior. Apesar dos ganhos, ainda há muita estrada a ser percorrida para que a democracia racial, tanto no Brasil quanto em diversos outros países, seja atingida em sua plenitude. “Isso é fruto de uma transformação cultural, muito lenta e incompleta, mas que está construindo uma nova realidade”, diz José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares. “O que permite essa mudança é, de forma insubstituível, o acesso à educação.”

“Quero ampliar o número de mulheres negras em cargos de poder” Rachel Maia, CEO da RM Consulting (Crédito:Claudio Gatti)

Foi pensando nisso que o Prêmio Most Influential People of African Descent (Mipad), apoiado pela Organização das Nações Unidas, decidiu nomear os cem negros mais influentes do planeta – e, dentre eles, destacam-se onze brasileiros. O objetivo da premiação, de acordo com seus organizadores, é incentivar ações afirmativas para que, no futuro, ninguém mais se declare surpreso ao ver negros ocupando cargos executivos ou de chefia em poderosas empresas. “Essa nova geração ainda vai ter de lutar muito porque há pessoas que se negam a aceitar o avanço da sociedade”, diz Adilson dos Santos Júnior, Head Marketing da Trace Brasil e um dos contemplados pelo Mipad. Ele reconhece que existe atualmente uma maior e crescente valorização dos negros, ainda que o racismo teime, volta e meia, em mostrar suas garras. Conhecido nas redes sociais como Ad Júnior, ele sabe que não começou do zero a sua jornada. Se os negros no Brasil encontram hoje pronto o sistema de cotas nas universidades brasileiras, que, em 2012, tiveram de adotá-lo por força de lei, é porque gerações anteriores ergueram essa bandeira: Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Abdias do Nascimento, Lima Barreto são alguns dos pioneiros distantes, entre muitos outros nomes. No Brasil, a resposta ao racismo começou já dentro das senzalas e continuou após a Lei Áurea, que libertou em 1888 todos os escravizados. “A revolução que os negros estão fazendo nesse País é a da vitória e não a da vingança”, explica Ad Júnior. “O que pedimos é a ocupação de espaços relevantes, porque temos mérito e talento para isso.” Ele afirma que exemplos como o de Rachel Maia, CEO da RM Consulting (responsável pelos conselhos administrativos da Vale e do Banco do Brasil), devem deixar de ser exceções. E com ele concorda plenamente a própria Rachel: “O meu legado será ampliar o número de mulheres negras em postos de liderança”.

A questão racial angariou espetacular nível de atenção recentemente a partir do surgimento nos EUA do movimento “Black Lives Matter”, uma reação ao assassinato do negro George Floyd pelo policial branco Derek Chauvin. A morte de Floyd acendeu uma chama em todo o mundo e manifestações explodiram em diversos países, trazendo de volta palavras de ordem de antigos grandes líderes, muitos assassinados, como, por exemplo, Martin Luther King. E também ícones atuais da democracia racial influenciaram o Black Lives Matter, como Angela Davis, Bell Hooks, Barack Obama e Patricia Hill Collins. A primeira consequência disso tudo é que empresas começaram a abrir vagas somente para candidatos negros, universidades ampliaram suas bolsas de estudo e o aumento da representatividade virou quase uma obrigação. As empresas conquistam ganho institucional ao provarem que abominam o racismo, mas tal ganho não significa que o ato de elas empregarem pretos seja oportunista. Ao contrário: é prova que o preconceito está de fato morrendo em muitas almas que antes sequer se questionavam sobre isso – a decorrência desse fato é o fortalecimento de novas lideranças negras. “Ter pessoas pretas ocupando postos de comando é mudar a lógica do racismo estrutural, é quebrar um sistema que foi construído para nos desprivilegiar”, diz Taísa Silveira, especialista em comunicação de redes sociais e mestre em antropologia pela Universidade Federal da Bahia. “Não faz sentido chegar ao topo se, ao meu lado, não existir mais ninguém igual a mim.”