11/09/2021 - 13:37
Um meteorito recuperado no incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro em 2018 simboliza a resistência à destruição da cultura em tempos de “escuridão”, um espírito latente na Bienal de Arte Contemporânea de São Paulo.
A mostra, uma das mais importantes do mundo em sua área, expõe em seu 70º aniversário uma reação à extrema direita encarnada no Brasil pelo presidente Jair Bolsonaro, assim como a crise ambiental e a pandemia.
“Faz escuro mas eu canto”. Os curadores recuperaram este verso de Thiago de Mello, uma mensagem de esperança durante a ditadura militar (1964-1985), para resumir esta Bienal de mais de mil obras de 91 artistas nacionais e estrangeiros, inclusive indígenas.
A escuridão se tornou mais tangível com “novos incêndios, discursos de ódio (…), atos de racismo explícito, sinais de fragilidade institucionais, e finalmente a pandemia de covid-19”, disse no lançamento da mostra Paulo Miyada, um dos curadores.
“As vozes e os gestos dos artistas se tornam mais importantes em estados de emergência como o que vivemos”, acrescentou.
Após sua chegada ao poder em 2019, Bolsonaro eliminou o ministério da Cultura e o reduziu a uma secretaria integrada à pasta do Turismo, com um orçamento cortado e denúncias de suposta censura.
Desde então, o mundo artístico resiste.
“A forma de responder (…) a tempos políticos obscuros de movimentos de extrema direita era com uma abordagem política”, disse à AFP o italiano Francesco Stocchi, curador convidado.
– Passado e presente –
A Bienal se propôs, então, um conceito de história circular, que recua até a colonização e aborda o presente de uma perspectiva histórica, estabelecendo correlações. Há “uma consciência muito clara da gravidade de algumas situações que a gente vivencia”, disse o curador-geral Jacopo Crivelli Visconti.
Como exemplo, citou o trabalho da brasileira Regina Silveira, que representa sombras desproporcionais de símbolos da ditadura, como um tanque de guerra similar aos que desfilaram recentemente em Brasília, em uma parada militar inédita da qual participou Bolsonaro, ex-capitão do Exército.
Sua compatriota, Carmela Gross, expõe uma grande silhueta coberta com uma lona, uma escultura que já tinha apresentado na Bienal de 1969 durante o regime militar, um contexto que a deixou “impregnada de sentimentos de ameaça e perigo”, segundo os encarregados da mostra.
A percepção foi renovada nas manifestações do 7 de Setembro, nas quais muitos bolsonaristas pediram uma intervenção militar para frear o Judiciário, que investiga Bolsonaro, entre outras coisas, por divulgação de notícias falsas.
Uma frase do filósofo Antonio Gramsci, capturada em outra das obras expostas, também faz um convite à reflexão: “O velho mundo agoniza, um novo mundo tarda a nascer e, nesse claro- escuro, irrompem os monstros”.
– Emergência ecológica –
Do lado de fora, duas esculturas infláveis em forma de serpentes atraem os olhares para um lago do parque do Ibirapuera. Mas Jaider Esbell, indígena makuxi e autor da obra chamada “Entidades”, diz que sua participação na Bienal vai além deste e de outros trabalhos seus expostos.
“A melhor obra que eu faço é política, não esses desenhos coloridos, não aquela cobra grande dentro do lago. Esses são elementos de atração da atenção das pessoas para discutir questões como o aquecimento global, a urgência ecológica”, disse Esbell à AFP.
“É o momento fundamental para trazer estas questões porque está todo mundo discutindo, brigando por alguma coisa e ninguém está brigando pela urgência ecológica”, destacou esta referência artística, proveniente da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima (norte), uma terra marcada por conflitos territoriais e ameaçada pelo garimpo ilegal.
Durante o governo Bolsonaro, o desmatamento e os incêndios registraram recordes na Amazônia, bioma-chave para o equilíbrio climático global e lar de numerosos povos originários.
A exposição, inaugurada em 4 de setembro, estará aberta até 5 de dezembro e espera atrair, como em edições anteriores, cerca de um milhão de visitantes.