Curta sobre pichadora presa na Bienal de SP traz discussão sobre arte, família e amor

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Filme mostra a volta de Pivetta ao local com sua filha. Foto: Divulgação

O curta-metragem brasileiro Pivetta, dirigido por Diógenes Muniz e Douglas Lambert e com produção-executiva de Tereza Novaes, será exibido no Mammoth Lakes Film Festival (MLFF), na Califórnia, Estados Unidos.

No festival, que acontece de 22 a 26 de setembro, o público poderá ter contato com o caso da controversa prisão de Caroline Pivetta da Mota durante a abertura da 28ª Bienal Internacional de São Paulo, em 2008.

A 28ª mostra, ficou conhecida como a Bienal do Vazio. O nome veio por uma escolha da curadoria de não ter obras em exposição em um dos andares.

Pivetta ficou conhecida em todo o Brasil após pintar com spray as paredes do Pavilhão Ciccillo Matarazzo. Na época, cerca de 40 pichadores participaram da ação surpresa, que aconteceu em 26 de outubro de 2008.

Porém, ela foi a única a sair do local presa. Pivetta ficou quase dois meses na Penitenciária Feminina de Santana, na zona norte de São Paulo e, 10 anos após a prisão, ela voltou ao palco dos acontecimentos com sua filha Isis, de apenas três anos, para a gravação do filme.

De acordo com Diógenes Muniz, a construção da obra foi possível pelo fato de ele e a protagonista do filme já se conhecerem desde a época em que ela ficou presa. “Meu primeiro encontro com a Carol foi em 2008, dentro da Penitenciária Feminina de Santana. Eu era repórter da Folha de S.Paulo e tinha conseguido autorização da Justiça, da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) e da própria Carol para nos encontrarmos dentro da cadeia”, explica.

Curta sobre pichadora presa na Bienal de SP traz discussão sobre arte, família e amor

Caroline Pivetta da Mota, diz sentir até dificuldades em falar sobre ambientes em que a arte é exposta.

Segundo ele, os dois ficaram horas conversando e a troca tinha sido diferente do tipo que ele estava acostumado como jornalista. “No dia seguinte, uma parte pequena dessa conversa saiu no jornal no formato de reportagem, o que ajudou a colocar luz sobre a ilegalidade daquela prisão. Alguns dias depois ela foi solta”, diz.

Por dez anos, os dois não se encontraram mais pessoalmente. Porém, mantinham algumas trocas à distância. “Quando perguntei, no início de 2018, sobre a possibilidade de nos reencontrarmos para irmos até o Pavilhão da Bienal, ela topou com duas condições: que antes eu a visitasse em Alvorada, onde ela morava região metropolitana de Porto Alegre, e que pudesse levar sua filha mais nova, a Isis, na viagem”, afirma.

Então, Muniz explica que as condições dadas por ela foram usadas como a história do curta-metragem em si. O começo do filme já traz a discussão sobre o que é a arte. Afinal, a obra já é aberta com a fala de que, com os pichadores, o local “nem parecia a bienal”.

Caroline Pivetta da Mota, diz sentir até dificuldades em falar sobre ambientes em que a arte é exposta. “O que eu tenho conhecimento é só da rua mesmo. A arte é uma parada bem pessoal, né? Então, é meio complicado a gente falar o que é arte e o que não é. A gente não sabe o que representa para cada um de nós aquilo ali. Talvez, pelo fato de o ser humano não querer aceitar as respostas dos outros, a pichação, eu acho, que nunca vai ser vista como arte por todos”, explica.

No filme, também é bastante explorada a relação da protagonista com a filha. De acordo com Tereza Novaes, a ideia era mostrar que o núcleo central da família dela é 100% feminino.

“Como para todas as mulheres, ouso dizer até para as que não têm filhos, a maternidade está sempre presente: o afeto, o cuidado com o outro, como sua atitude afeta o outro, e a criação, no sentido de gerar algo para o mundo. A Carol é uma mãe muito afetuosa e cumpre de forma exemplar o papel de educar a Isis”, reflete.

“Acredito que as duas coisas ficam bem claras no filme. Sobre uma possível projeção em relação à menina, como a de um pai médico ou advogado que deseja que o filho siga sua carreira, vejo mais cumplicidade. O lado menina “arteira” da Carol convida a Isis a ajudá-la, uma forma de criar um laço artístico, digamos assim”, diz.

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Filme mostra a relação de amor entre a protagonista e sua filha.

“Pessoalmente, o que mais me fascina nas relações parentais é o olhar da criança, um filho é fã incondicional da mãe (ou do pai, ou de ambos), e, na idade em que a Isis aparece no filme, esse sentimento tem uma pureza ainda mais comovente”, explica.

Agora, eles esperam que essa pureza e a relação entre as duas seja vista durante o festival. De acordo com Douglas Lambert “é muito gratificante quando recebemos o reconhecimento pelo nosso trabalho”.

“Trata-se de um filme pequeno, totalmente independente, contando uma história brasileira, mas que conseguiu reverberar com o público lá fora. É algo para se comemorar. Além disso, a exibição nos EUA não poderia vir em melhor hora. A Bienal abre no início de setembro e nosso filme será exibido nos EUA no final de setembro”, comemora.

“Embora não seja o tema central de Pivetta (não se trata de um filme denúncia), essa coincidência ajuda a questionar a brutalidade que foi colocar Carol na cadeia por dois meses por fazer parte de uma ação claramente artística. É possível debater a legitimidade do picho enquanto arte, mas a ação naquela edição da Bienal foi claramente um movimento artístico pensado e embasado. Um questionamento sobre o que é arte, como se relacionar com ela e quais são seus espaços”, diz.