Se a história das irmãs Brontë fosse tema de um livro de ficção, seria uma daquelas obras sobre a qual os leitores comentariam: “ah, isso é impossível demais para acontecer na vida real”. Pois se a arte imita a vida, a vida também imita a arte: nascidas na pequena vila de Haworth, na Inglaterra, no século 19, as três foram tão corajosas quanto as heroínas que viriam a se tornar protagonistas de suas tramas. Com pseudônimos, publicaram romances quando isso ainda era quase proibido para mulheres, e os eternizaram entre os maiores clássicos da literatura ocidental.

Desde a infância, Charlotte, Emily e Anne inventavam mundos paralelos em brincadeiras com o irmão, Branwell. O garoto foi o primeiro da família a tentar a carreira como poeta, mas uma desilusão amorosa — ele teve um caso com uma mulher casada — o levou para o alcoolismo, drama do qual nunca mais se recuperaria. Com o irmão constantemente embriagado e o pai fora de casa, clérigo da Igreja anglicana, as irmãs se reuniam em volta da mesa de jantar para escrever histórias de amor inspiradas nas confidências que ouviam das mulheres mais velhas da região. Buscavam inspiração na vida dos outros, uma vez que eram solteiras e não tinham experiências pessoais. Também assimilaram o trabalho de William Shakespeare, Virgílio e Homero, autores que habitavam as prateleiras da biblioteca do pai.

Como a literatura era uma atividade quase proibida para as mulheres, as irmãs Brontë foram obrigadas a adotar pseudônimos e manter a identidade em segredo

Assinando como Currer (Charlotte), Ellis (Emily) e Acton Bell (Anne), pseudônimos neutros que preservavam as iniciais de seus nomes verdadeiros, as irmãs Brontë chegaram a publicar uma coletânea de poemas, em 1846. O livro vendeu apenas duas cópias, mas elas não desistiram. No ano seguinte, concentraram-se em publicar romances, uma vez que as editoras pagavam mais por enredos longos que podiam ser divididos em diversos capítulos.

REAL? Charlotte, Anne e Emily: colecionador garante que foto comprada em um sebo britânico por 15 libras é o único registro das Brontë (Crédito:Divulgação)

Charlotte foi a primeira delas a publicar: “Jane Eyre”, de 1847, narra a vida de uma órfã pobre, condenada a vagar por diferentes casas e famílias até encontrar seu lugar. Considerada polêmica por pregar a igualdade entre homens e mulheres, a trama fez sucesso e foi adaptada para o teatro, com estreia lotada no prestigioso Teatro Vitória. No mesmo ano, Emily publicou “O Morro dos Ventos Uivantes”, e Anne, “Agnes Grey”. Apesar de elogiada, a obra de Anne foi engolida pelo repercussão causada pela saga de amor e ódio de Cathy Earnshaw e Heathcliff, protagonistas do romance de Emily. A história, que ainda soa atual quase dois séculos depois, foi adaptada para o cinema em quatro ocasiões, a última delas em 2011. Repleto de drama e vingança, é considerado um dos romances mais emblemáticos do século 19.

Apesar da fama de suas obras, as irmãs ainda mantiveram a identidade em segredo por um bom tempo, tendo o pai como único confidente. Em 1948, após uma confusão envolvendo os editores dos livros, Charlotte e Anne tiveram de ir a Londres para corrigir pessoalmente a situação. Foram recebidas pelo livreiro Thomas Cautley Newby, que não acreditou quando elas revelaram que eram, na verdade, Currer e Acton Bell. Foram à ópera e conheceram personalidades literárias da época, a exemplo de William Smith Williams e William Makepeace Thackeray. Na volta para casa, ansiosas para contarem tudo à família, foram pegas de surpresa: Branwell, o irmão, estava às portas da morte, vítima de tuberculose. Anne, aos 29 anos, ainda lançou mais um livro, “A Inquilina de Wildfell Hall”, mas a doença também a levaria, assim como a irmã Emily, de 30, tudo no espaço de seis meses. Charlotte morreu seis anos mais tarde, aos 38.

Hoje, na casa onde a família viveu, funciona o Museu Brontë Parnage, ONG literária dedicada a preservar o legado das escritoras. Ali, em meio aos ventos uivantes que assombram os morros de Haworth no inverno, turistas têm acesso a manuscritos e relíquias que provam que as irmãs habitavam mesmo o local — apesar de elas parecerem ter sido criadas pela ficção.

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