É provável que não existam batalhas tão explosivas no esporte mundial quanto um jogo de futebol entre Brasil e Argentina. Líder do grupo sul-americano das Eliminatórias, com 35 pontos, os argentinos entraram em campo classificados para a Copa 2002. Mas o conforto da vaga garantida não diminuiu a rixa. Os rivais montaram um cenário de guerra e se vingaram da derrota por 3 a 1, no ano passado, em grande estilo. Venceram por 2 a 1, de virada, com um gol contra do zagueiro brasileiro Cris aos 39 minutos do segundo tempo. Foi a “cereja na sobremesa” pedida pelo atacante argentino Hernán Crespo, em uma das muitas declarações que provocaram a ira dos brasileiros. A Argentina disparou na ponta do grupo com 38 pontos e o Brasil, com 24, permanece em quarto lugar, à frente do Uruguai apenas no saldo de gols. Os quatro primeiros se classificam. O quinto disputa uma vaga em dois jogos contra a Austrália.

O alerta de guerra começou a soar no domingo 2, ainda na Granja Comary, em Teresópolis. Irritado com a passividade da defesa no treino, o técnico Luiz Felipe Scolari soltou o verbo. Aos berros, exigiu que o time fizesse faltas para defender cada milímetro do campo. “No jogo, fazemos oito faltas e o adversário, umas 300. No final, perdemos por 1 a 0. E aí, como é que eu fico”, cobrou o sargentão Felipão. O técnico parecia saber o que iria encontrar. A primeira humilhação veio logo na chegada, na segunda-feira 3. “De que equipo son estos jugadores?”, ironizou Juan García, funcionário do aeroporto de Buenos Aires. A pressão aumentou no dia seguinte. A imprensa descreveu a Seleção como um time retranqueiro, violento e tecnicamente limitado. Eduardo Castiglione, colunista do Olé, principal diário esportivo argentino, não fez por menos: “Com o que rima Felipão? Sim, com chorão”, provocou. “É bom ele (Scolari) abrir seu guarda-chuva para se proteger da tempestade de gols e futebol que virão”. Em seguida, o golpe final. “Felipão, venha tranquilo. Há um bom estoque de lenços descartáveis que estão lhe fazendo falta.”

A temperatura aumentou na quarta-feira 5, dia do jogo. “Gostaria de ganhar do Brasil e também vê-los desclassificados da Copa”, disparou o zagueiro argentino Ayala. O Olé superou todas as expectativas. Estourou em sua primeira página a foto de uma bela mulata seminua. A chamada é uma mistura tosca de deselegância e machismo: “Qué tenés que hacer esta noche? (O que você vai fazer esta noite?), dizia a manchete, acompanhada do horário da partida. “Sem dúvida, uma das leituras que se pode fazer é que a seleção argentina quer foder a brasileira”, disse o secretário de redação do jornal, Leonardo Farinella, à Folha de S. Paulo. “Mas dizer que chamamos o Brasil de prostituta, como entendeu a delegação brasileira, é exagero”, tentou amenizar o jornalista. Antes da partida, os torcedores brasileiros foram recebidos com uma chuva de vaias e, aos 20 segundos de jogo, os “hermanos” começaram a gritar olé. Apesar das tentativas de apagar o incêndio, as ironias provocaram o desabafo de um integrante da delegação brasileira. “Deveríamos abrir as turbinas da hidrelétrica de Itaipu e matá-los afogados.”