"Passavam das 23h e eu estava em meu quarto. Bateram na porta e não atendi pela primeira vez. Voltaram a bater e vi pelo olho mágico que tiravam pessoas de outros quartos. Fiquei com medo de ser ameaça de bomba e abri a porta. Era um funcionário do hotel, explicando gentilmente que havia uma invasão terrorista e me pedindo para descer. Voltei para meu quarto tentando me acalmar e ele foi entrando atrás de mim. Quando sentei na cama, vi um terrorista armado com escopeta entrando também e não tive outra alternativa senão descer para o hall do hotel. Quando cheguei lá, havia umas 80 pessoas. Ficamos sentados por uma três horas, sem saber o que estava acontecendo. Enquanto isso, funcionários do hotel passavam o tempo todo nos acalmando. Até que fizeram o primeiro pronunciamento no idioma deles, traduzido para nós pelos funcionários. Pediram para que deitássemos para evitar riscos de tiroteio e passamos a noite nos alternando entre o chão e as cadeiras. Tinha muito medo que eles se descontrolassem. Assim que viram uma mãe e uma criança de uns 12 anos, as libertaram. Me senti péssima, com muito medo. Foram 12 horas de agonia.” O relato a Istoé é da brasileira Mônica Corletti, gerente da Companhia Vale do Rio Doce de Bruxelas, que estava no grupo de 20 brasileiros sequestrados na madrugada do domingo 22, em um dos mais requintados hotéis de Istambul, o cinco-estrelas Swissotel com seus mais de 500 quartos e uma bela vista para o estreito de Bósforos. Mônica e seus companheiros da Vale foram à Turquia para participar de uma convenção bianual da Metall Bulletin (empresa de minério, ferro e aço) e estavam entre os 120 hóspedes tomados como reféns de um grupo de 13 turcos que queriam chamar a atenção do mundo para a guerra da Rússia contra a Chechênia, província russa que luta pela independência desde 1994. Os turcos, descendentes de famílias chechênias, exigiam a presença do ministro do Interior da Turquia, Saadettin Tantan, para iniciar as negociações.

Os primeiros momentos da ação dos terroristas separatistas foram os mais tensos. “No começo houve tiros, confusão, vidraças se quebrando e muito medo”, descreveu Peter Poppinga, 41 anos, presidente da Vale Internacional em Bruxelas. Poppinga e mais algumas pessoas ficaram escondidos no porão do hotel. “Quando estávamos no elevador, os terroristas nos disseram pelo alto-falante que nos dirigíssemos para o saguão. O elevador parou e, como percebemos que eles não estavam prestando atenção em nós, seguimos direto para o porão, onde o exército turco nos aguardava. Nos mantivemos calmos, mas houve pessoas que pularam a janela e fugiram pela cozinha”, relatou Poppinga.

A mesma sorte não teve Armindo de Souza, gerente de informações na área comercial da Vale, que por pouco escapou de uma grande confusão. Os sequestradores não passaram pelo 14º andar, onde estava hospedado Souza, que dormiu tranquilamente. Às 7h da manhã, ele deixou seu quarto para o café matinal. Ao chegar ao lobby, percebeu que algo estava errado. “Os terroristas pensaram que eu era um policial e começaram a me revistar, nervosos, com uma escopeta em punho. E eu achei que fosse um assalto. Eles não falavam inglês. Os funcionários foram acalmando ambas as partes e me mandaram para junto dos outros reféns. Fiquei lá das 8h às 11h. Me sentei atônito junto aos colegas para me inteirar da situação. Entendi que o intento deles era aparecer”, disse Souza.

Durante a madrugada, os separatistas enviaram uma mensagem às várias agências internacionais, exigindo que a comunidade internacional reconheça as atrocidades que vêm sendo cometidas contra a população da Chechênia.

“Divulgaram uma mensagem de que se sentiam abandonados pelo mundo e repetiam que não queriam fazer mal a ninguém. O fato de terem liberado os celulares acelerou a comunicação. Tenho a tendência de analisar as coisas friamente. Constatei que não havia intenções malévolas por parte dos sequestradores. Só o que me preocupava era uma possível chegada da polícia. Mas vimos que estava havendo uma negociação”, afirmou Eduardo Faria, 56 anos, mineiro, diretor comercial. Apesar de a mídia internacional não estar mais cobrindo o conflito, que teve seus momentos mais sangrentos entre 1994 e 1996, com mais de 100 mil mortos, a guerra continua. A Rússia voltou atacar a Chechênia em 1999 e, nos últimos 18 meses, a guerra já matou 30 mil pessoas. O próprio primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, admitiu recentemente que o conflito poderá durar por mais uma década. Esta é a segunda vez em cinco semanas que a Turquia sofre uma ação dos terroristas chechênios. O governo russo acusa Ancara de dar apoio aos terroristas. A Turquia é simpática aos movimentos separatistas e há anos recebe os povos da diáspora do Norte do Cáucaso, conquistado pela Rússia no início do século XIX. Além disso, os dois povos têm em comum a fé no islamismo. Putin fez duros ataques ao governo turco. Moscou disse que por mais de uma vez atos de extremistas aconteceram em território dos turcos, que “fornecem várias formas de apoiar os terroristas chechênios”.

Ao amanhecer da segunda-feira 23, a situação foi ficando mais amena. Os jovens descendentes de chechênios, liderados por Muhammed Tokcan, permitiram que os reféns usassem celulares para avisar seus familiares que tudo corria bem. Tokcan é um velho conhecido das autoridades turcas. Sequestrou uma barca russa em 1996, escapou da cadeia, foi preso novamente e finalmente anistiado no ano passado. Foi quando decidiu treinar jovens em favor da causa separatista da Chechênia. O brasileiro Souza afirmou que os reféns foram bem tratados. “Eles foram supercordiais, deixaram que nos dessem sanduíches, refrigerantes e usássemos celulares”, disse.

Final feliz – Os reféns brasileiros também destacaram a ação do embaixador brasileiro na Turquia, Brian Michael Fraser Neele, que foi para o hotel durante o incidente. Apesar do nome, Neele é carioca e acompanhou de perto a atuação da polícia turca. “Uma situação dessas é sempre de alto risco. Basta alguém deixar cair uma arma no chão ou fazer um disparo acidental que as chances de um banho de sangue são imediatas”, afirmou o embaixador em conversa a Istoé, de Ancara.

Se os rebeldes chechênios são conhecidos por serem violentos, o desfecho da longa noite acabou sendo tranquilo na reluzente Istambul. Por volta do meio-dia, os sequestradores se renderam liberando todos os reféns sem nenhum arranhão. Souza foi para os Estados Unidos, mas alguns de seus companheiros resolveram relaxar ali mesmo. O embaixador do Brasil disse que foi um grande susto para os brasileiros, mas sem sequelas. “Alguns me confirmaram que seguiriam com os planos de ficar mais uns dias na Turquia para conhecer o país. Isso mostra que, felizmente, não ficou trauma no episódio”, disse Neele.  

Colaboraram: Celina Cortês (RJ) e Eduardo Hollanda(DF)