Depois de publicar três livros de contos, Os saltitantes seres da Lua (1996), Naquela época tínhamos um gato (1998) e Treze (1999), o paulista de Guaíra Nelson de Oliveira lança seu primeiro romance, Subsolo infinito (Companhia das Letras, 192 págs., R$ 23), uma grata surpresa pela forma com que conquista o leitor. Sutil e cadenciadamente, o autor vai dando pistas sobre um homem comum, ora entediado com o blablablá tonitroante do mundo fashion, ora desorientado após fazer amor com sua mulher. Logo, o tal homem comum descobre que o nome que usa, Marcos, não é seu e aquela mulher não é a mesma com quem um dia se casou e teve filhos. Tonico – esse é seu nome – é um escritor acometido de amnésia e ataques periódicos de loucura. Situações suficientes para fazer do leitor um cúmplice de seu desvario, acompanhando-o na luta pela sobrevivência como mendigo de rua, que, literalmente, acaba se transformando numa longa e penosa busca de Maria José-José Maria, musa-mendiga hermafrodita.

Como num jogo de esconde-esconde, os personagens de Subsolo infinito se transformam, guardam múltiplas identidades, não raro arquetípicas. No entanto, a capacidade de mesclar o linguajar comum à mitologia, sem parecer pedante, é o que mais surpreende no texto de Nelson de Oliveira. O delírio de Marcos/Tonico soa mais palpável do que um papo comum de bar. E é livre dos recursos fáceis do nonsense ou do surrealismo. Tal expediente acaba funcionando como uma espécie de vórtice que suga o leitor para um mundo de arquitetura complexa, mas muito bem construído.