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DOIS MUNDOS Acima, o jantar oferecido pela rainha da Dinamarca, Margarete II, aos líderes mundiais na quinta-feira 17. Abaixo, protesto do WWF no dia anterior

Deveria ter sido um sopro de esperança para o planeta. Acabou como um deserto de soluções. Milhares de pessoas que ouviram o canto da sereia e foram a Copenhague, na Dinamarca, na expectativa de que a Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-15) indicasse um caminho para combater os efeitos do aquecimento global voltaram para casa no fim de semana desiludidas. Depois de duas semanas de reuniões, protestos, declarações desencontradas e jantares suntuosos, os principais líderes mundiais e suas delegações fracassaram na tentativa de formular um acordo amplo, capaz de estabelecer metas claras para a redução na emissão dos gases causadores do efeito estufa. Saiu de lá apenas um esboço de uma declaração política de cooperação entre as 192 nações presentes ao encontro.

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Um documento vago, sem nenhuma garantia de que será cumprido. Na madrugada da sexta-feira 18, uma reunião de emergência foi conduzida pelos protagonistas do evento. Ela resultou no texto que fala apenas em uma redução de 50% nas emissões de gases-estufa até 2050, com base nos dados de 1990, e na criação do Fundo Climático Internacional cujo objetivo é angariar US$ 100 bilhões até a metade deste século para financiar ações mitigadoras do aquecimento global em países pobres e em desenvolvimento. Apesar dos inúmeros alertas da comunidade científica, os políticos reunidos em Copenhague deixaram que os interesses econômicos prevalecessem nas discussões. Ricos e pobres travaram embates ideológicos e questões como a transparência na divulgação de dadose informações tornaramse alvo de desconfiança. Na sexta-feira 18, ao pronunciar-se perante seus pares, o presidente americano, Barack Obama, fez uma crítica velada à posição da China, que não quer permitir que inspetores da ONU fiscalizem suas emissões de CO2. Para ele, todos os países devem fazer parte do esforço de “mitigação, transparência e financiamento” para deter o avanço do aquecimento global. Talvez não por acaso, o primeiroministro chinês, Wen Jiabao, não compareceu à última reunião de líderes já na noite da sexta-feira, a única a contar com a presença do presidente americano.

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CLIMA DE VERGONHA Ativistas vestem máscaras com os rostos dos líderes mundiais

 

Mudança de discurso: Minutos antes de Obama subir ao palco da COP-15, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez o pronunciamento mais aplaudido do último dia da conferência – foram quatro seções de aplausos abertos em 15 minutos. Usando palavras duras, abandonou o discurso conciliatório adotado desde a sua chegada a Copenhague, na quarta-feira 16, e cobrou atitudes concretas. Lula chegou a dizer que os países ricos estavam “barganhando” durante a conferência. “Adoraria sair com o documento mais perfeito do mundo. Não sei se algum sábio ou anjo descerá nesse plenário e conseguirá colocar na nossa cabeça a inteligência que nos faltou até agora.” O maior destaque do discurso de improviso foi o anúncio de que o Brasil também está disposto a colaborar financeiramente com o Fundo Climático Internacional. “Se for necessário, o Brasil vai fazer esse sacrifício a mais, estamos dispostos a participar do financiamento”, afirmou o presidente.

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Mas Lula não deixou de criticar os membros do G8: “Eles não serão os salvadores dos países em desenvolvimento. Passamos um século sem crescer enquanto outros cresciam muito. Agora que nós começamos a crescer, não é justo que voltemos a fazer sacrifício.” O presidente ainda qualificou as colaborações financeiras ao fundo in-ternacional, dizendo que “o dinheiro que vai ser colocado na mesa é o pagamento pelas emissões de gases do efeito estufa de dois séculos de quem teve o privilégio de se industrializar primeiro. Não estamos fazendo um favor. Não estamos dando esmola.” Ao longo de toda a semana, outros líderes mundiais tentaram esquentar o encontro. Felipe Calderón, presidente do México e próximo anfitrião da Conferência sobre Mudanças Climáticas, a ser realizada em dezembro de 2010, exigiu dos países ricos um “acordo ambicioso”. Já a chanceler alemã Angela Merkel fez um pronunciamento emocionado e falou sobre a necessidade iminente de limitarmos o aumento na temperatura média da Terra a 2ºC até 2100. “Todos os especialistas estão nos advertindo sobre as consequências dramáticas que serão geradas por um aquecimento acima desse nível. Copenhague será um fracasso se não alcançarmos um acordo vinculativo para evitá-lo”, disse Angela.

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A impressão que ficou é a de que os discursos públicos, destinados apenas ao marketing pessoal dos líderes globais, não foram levados para as salas de negociação. Assim, a conferência acabou se prestando como palco para personagens de segunda linha desfi arem suas usuais bravatas. O presidente da Bolívia, Evo Morales, preferiu partir para o embate ideológico e classifi cou o capitalismo como uma “cultura da morte”, responsabilizando-o pelo aquecimento global. “Estou surpreso porque só estão falando dos efeitos e não das causas das mudanças climáticas”, disse. Já o venezuelano Hugo Chávez, que também discursou na sexta-feira, retomou uma de suas declarações durante discurso na Assembleia- Geral das Nações Unidas, em 2006. “O império, na escuridão, de costas para a maioria e de maneira antidemocrática, pretende cozinhar um documento que nós não aceitamos nem assinaremos”, afirmou. Nas ruas de Copenhague, os protestos continuaram durante toda a semana passada. Até a quinta-feira 17, mais de 900 pessoas haviam sido presas pela polícia dinamarquesa nas proximidades do Bella Center, onde a conferência foi realizada. Militantes de todo o mundo participaram de marchas e concentrações. Um dos grupos mais ruidosos era formado pelos países da Aliança dos Pequenos Países-Ilha, os primeiros a sofrer com o aumento nos níveis dos oceanos por causa do derretimento do gelo concentrado nos polos.

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Sem perspectivas: Como previsto,celebridades também circularam pelo evento. Credenciado como jornalista, o músico Th om Yorke, líder da banda Radiohead, frequentou as instalações do Bella Center na quinta-feira 17. Em entrevista à rádio BBC, o cantor afi rmou que tomou tal atitude para manter as esperanças sobre o fechamento de um acordo. “As negociações atravessaram uma grande nuvem espessa. Isso me irrita porque os princípios básicos são princípios básicos. Eles (os líderes) são homens reprimidos de meia-idade, que enxergam através das suas próprias esferas de interesses particulares. Eles não veem o processo como um todo”, afirmou o músico britânico. Infelizmente, o sabor do fracasso foi o que restou ao mundo pós-Copenhague. Há planos de realizar uma nova conferência nos próximos meses, mas as perspectivas seguem muito ruins. “Confesso que estou um pouco frustrado porque discutimos a questão do clima e cada vez mais constatamos que o problema é mais grave do que nós possamos imaginar”, disse o presidente Lula ao final do encontro. Talvez tivesse sido mais inteligente economizar nas emissões de CO2 provocadas pelos aviões que levaram políticos, jornalistas e ativistas a Copenhague nas duas últimas semanas.