Os dedos nervosos, que levam à boca um cigarro atrás do outro, as olheiras fundas, os cabelos em desalinho e as frases confusas misturando meia dúzia de idiomas dão uma boa idéia da situação difícil da personagem. A iraniana Nasrim Mokhtari, 42 anos, é a principal suspeita de participar dos atentados contra a Embaixada de Israel em Buenos Aires – que matou 26 pessoas, em 1992 – e contra a sede da Amia-Daia, as duas maiores entidades judaicas da Argentina, quando morreram 86 pessoas, em 1994. Nasrim foi acusada pelo brasileiro Wilson Roberto dos Santos, numa entrevista exclusiva a ISTOÉ em novembro de 1994, de chefiar uma célula terrorista iraniana, que estaria por trás dos ataques. Dias antes da segunda bomba, Wilson procurou os consulados de Israel, do Brasil e da Argentina em Milão (Itália), avisando que um novo ataque ocorreria contra um alvo judaico em Buenos Aires. Em depoimento à polícia argentina, o brasileiro denunciou uma ex-namorada, a prostituta Nasrim, que teria sido plantada na Argentina pelo serviço secreto do Irã, para aproximar-se de políticos influentes e preparar as ações terroristas.

Nasrim Mokhtari nega tudo. "Não sou terrorista e nunca tive qualquer ligação com o atual governo do Irã", jura, lembrando ter trabalhado para um ex-ministro do Petróleo do xá Reza Pahlevi, o soberano pró-ocidental deposto por uma revolução islâmica em 1979. Nega ser prostituta e diz que nunca namorou Wilson dos Santos. Ela acusa o brasileiro de manter conexões com grupos terroristas e sugere que ele seja cúmplice dos serviços de inteligência da Argentina, talvez com o aval de seus colegas do Brasil, em uma operação de despiste para desviar o rumo das investigações.

A mulher vem causando enorme embaraço às autoridades e à Justiça argentina desde que foi retirada pela polícia de um avião da Air France, durante uma escala em Buenos Aires, com destino final em Montevidéu, no Uruguai, no dia 4 de dezembro. Já se sabe que Nasrim foi trazida da Suíça de forma irregular por dois agentes da Side (o serviço de inteligência argentino), antes que a Justiça emitisse o pedido de detenção. Sua prisão foi comemorada como um grande avanço nas investigações sobre o caso. Mas até agora não se conseguiu comprovar nenhuma ligação sua com o atentado.

A história de Nasrim, porém, tem pontos obscuros. Sua conta bancária no Deutsche Bank está recheada com US$ 60 mil. Sabe-se que, enquanto vivia na Argentina, recebia dinheiro do Irã – da família, ela diz. Também fica difícil explicar como uma mulher experiente gasta quase US$ 40 mil viajando pela Europa com um sujeito de reputação duvidosa como Wilson Roberto dos Santos, na esperança de conseguir um visto. O juiz Juan José Galeano poderá deixá-la em liberdade nos próximos dias, caso não haja provas suficientes sobre sua participação no atentado contra a Amia. A denúncia de Wilson dos Santos pode perder força, já que ele prestou depoimentos contraditórios. À Justiça brasileira, disse que inventou a história para ganhar dinheiro.

Enquanto a investigação sobre os dois atentados avança a passo de tartaruga, Nasrim alterna momentos de apreensão com ataques de fúria: "Fui trazida de forma ilegal, estou sem dinheiro num hotelzinho de terceira classe e, além de tudo, a polícia ficou com meu conjunto de cosméticos Lancôme. Você sabe, eles são caríssimos", disse ela em entrevista a ISTOÉ, ao acender mais um cigarro.

ISTOÉ – A sra. participou dos atentados?
Nasrim Mokhtari – De jeito nenhum. Não tenho nenhuma ligação com o atual governo do Irã. Trabalhei para um ministro do xá e tenho vários amigos judeus. Fiquei muito triste quando soube que tanta gente morreu.

ISTOÉ Por que Wilson Roberto dos Santos a acusou?
Nasrim – Não faço idéia. Mas sou um bode expiatório perfeito para quem quer ganhar dinheiro contando histórias. Iraniana, sozinha… Ele é quem deve ter ligações com terroristas. Senão, como saberia que iria acontecer um novo atentado? Além disso, ele não tem parte dos dedos de uma mão. Pode-se pensar que os iranianos cortaram esses dedos, um costume muito comum em meu país, quando alguém não cumpre algum acordo. Wilson fazia muitos negócios com iranianos. Passava gente pela fronteira entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai… Ele também sempre circulou com facilidade entre policiais e alfândegas. Talvez ele esteja me usando em uma operação para desviar o rumo das investigações sobre os dois atentados. Quem sabe, até com a cumplicidade dos serviços de inteligência da Argentina, e o aval de seus colegas do Brasil. Afinal, fala-se muito no possível envolvimento de policiais argentinos nas duas explosões.

ISTOÉ Por que a sra. emigrou para a Argentina?
Nasrim – Decidi sair do Irã em 1988. A entrada na Argentina era fácil e eu decidi procurar aqui o visto para o Canadá, onde sempre quis viver.

ISTOÉ A sra. era prostituta em Buenos Aires?
Nasrim – Nunca. Sou cabeleireira.

ISTOÉ A polícia registrou mais de uma passagem sua por delegacias por envolvimento em brigas de prostitutas…
Nasrim – Briguei, sim, com gente que fazia fofoca sobre mim. Não sou uma mulher submissa. Mas isso não tem nada a ver com prostituição.

ISTOÉ Como a sra. acumulou US$ 60 mil em bancos europeus?
Nasrim – Só de meu trabalho como cabeleireira. Também recebi dinheiro de minha família, que não é pobre.

ISTOÉ Como a sra. conheceu Wilson dos Santos?
Nasrim – Fui apresentada a ele por uma ex-professora de espanhol. Wilson trabalhava em coisas estranhas, arranjava vistos para iranianos e iraquianos, mexia com contrabando em Foz do Iguaçu. Parece que era amante da responsável pela alfândega de Paso de Los Libres, no lado argentino, o que facilitava muito o seu trabalho. A mulher era conhecida como "a gorda Nora". Wilson prometeu conseguir meu visto para o Canadá e eu acreditei. Gostava dele.

ISTOÉ A sra. o namorou?
Nasrim – Não. Ele tinha mulher e filhos no Brasil e vivia com um rapaz chamado Hugo Edgardo Romero. Trocavam sempre olhares apaixonados. Só viajamos à Europa porque ele disse que seria necessário fazer contatos para obter o visto.

ISTOÉ Quanto custou a viagem?
Nasrim – Quase US$ 40 mil, entre hotéis, restaurantes e telefonemas que Wilson dava à esposa, além do dinheiro que ele me roubou, quando fugiu do hotel em que estávamos na Suíça, em 1992.

ISTOÉ Não foi dinheiro demais para conseguir o tal visto?
Nasrim – Fui ingênua, burra. Depois, apresentei denúncias contra ele à polícia e a vários consulados. Acho que foi por isso que ele ficou com raiva e decidiu me denunciar, dois anos mais tarde.

ISTOÉ Onde a sra. viveu depois?
Nasrim – Na França, sem saber que o Wilson havia me denunciado. Sempre trabalhando como cabeleireira. Tanto isso é verdade, que fui renovar meu passaporte argentino na Bélgica. E não houve nenhum problema. Mas acho que a Side esteve me espionando o tempo todo. E só foi me apanhar agora, na Suíça.

ISTOÉ O que a sra. fazia na Suíça?
Nasrim – Estava passeando. Então, recebi um telefonema de alguém que dizia ter sido indicado pelo cônsul argentino em Zurique. Dois homens me procuraram, oferecendo um emprego de tradutora na Argentina. Achei que isso seria melhor do que trabalhar como cabeleireira. Nem sabia sobre as acusações contra mim. Quando cheguei ao aeroporto de Ezeiza, veio uma equipe de policiais. Apanhei bastante. Roubaram minhas coisas… roupas, cosméticos, davam socos na minha barriga.

ISTOÉ Como tem sido a sua vida aqui?
Nasrim – Um inferno. As autoridades argentinas me prenderam, mas não se responsabilizam por minha manutenção. Estou sem dinheiro, em um hotelzinho barato.

ISTOÉ Houve contatos com o encarregado de negócios do Irã em Buenos Aires?
Nasrim – Eles mandaram gente aqui. Mas foi só. Sugeriram que eu voltasse ao Irã…

ISTOÉ A sra. tem medo de atentado?
Nasrim – Tenho, é claro. Ainda mais porque sou inocente; imagine ser vítima de um ataque sem ter nenhuma vinculação com o caso. É um absurdo.

ISTOÉ A sra. não está presa, mas não pode deixar o país. Acredita que vai ser libertada em breve?
Nasrim – Tenho fé em Deus que sim. Sou inocente. Isso tudo é um escândalo. Não posso pagar pelo que não fiz.

ISTOÉ Falando em Deus, que religião a sra. segue?
Nasrim – Sou muçulmana, mas tenho amigos de várias religiões, até judeus.

ISTOÉ – O que vai fazer, caso seja libertada?
Nasrim – Acho que voltarei à Europa. Talvez ainda tente ir ao Canadá, onde tenho família. E quero voltar a trabalhar.

ISTOÉ Fazendo o quê?
Nasrim – Soy peluquera.