João Primo

Dubai, um dos sete Emirados Árabes, o mais rico da
região, com renda per capita
de US$ 21,3 mil

Os árabes do Norte da África provaram e gostaram do trigo brasileiro, que vem sendo consumido porque a produção local não está atendendo à demanda. E que demanda! O trigo é o principal ingrediente da colorida e farta culinária árabe. Os resultados das exportações do agronegócio brasileiro para lá chegaram a US$ 647,7 milhões nos primeiros três meses de 2004. Nas contas do Ministério da Agricultura, houve um aumento de mais de 95% nas receitas em relação ao mesmo período do ano passado, quando o valor foi de US$ 331,8 milhões. O destaque é para a Síria, que deu uma guinada de US$ 2,6 milhões para US$ 35,4 milhões no mesmo período. Há uma explicação para isso: a virulenta estupidez da guerra de George W. Bush, o desvairado presidente americano, que leva a Síria a comprar mais e reexportar parte para o baqueado Iraque. Eles não estão comprando apenas produtos como trigo, soja, chamados de commodities. Compram pedras lapidadas, acessórios para tratores e carros, tijolo e cerâmica, café solúvel, ferro, aço, louças e cerâmicas, pneus, engradados de madeira, produtos de padaria… É uma lista que demora para acabar.

A viagem do presidente Lula à Líbia, no ano passado, foi importante para esse arranque. Os árabes têm uma cultura de reverenciar o líder. E não abririam uma fresta de suas portas se não conhecessem – e olhassem nos olhos, tocassem nas mãos – o presidente brasileiro. Paulo Atallah, presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, diz que lá o presidente tem uma função específica, ele é a imagem do país. “E esse presidente, além de carregar um enorme charme, tem uma enorme facilidade de comunicação, cativa no contato pessoal”, diz Atallah. Retoma-se, então, a milenar peculiaridade dos países árabes de reverenciar os chefes de Estado.

Alan Rodrigues

Tradição: Atallah sabe tudo sobre a região

O que anima muito é que esse comércio é de médio prazo. Os árabes desconhecem essa coisa que o comércio exterior chama de “spot” e que, de uma maneira simplificada, significa entrega imediata e tchau. Para eles, um contrato para o fornecimento de açúcar, soja, carne, café, frango é duradouro. Nos primeiros quatro meses de 2003, a pauta brasileira tinha de 30 a 40 produtos; em 2004 são 60. Tudo isso – e muito mais – se os empresários brasileiros entenderem a cultura de negociação dos árabes, simples, mas dificilmente entendida pelos ocidentais. O interessado não pode nem pensar em fechar um negócio apresentando sua empresa num catálogo, mostrando seus produtos pela internet. Eles querem ver as fábricas, ver o que estão comprando, cada vez mais fora da Europa, onde acham muito cara, e bem distantes dos Estados Unidos, por razões óbvias. Daí a grande oportunidade para o Brasil, especialmente para a indústria automobilística e para a Embraer, sob medida para participar da tendência visível de crescimento de vôos regionais.

É um mercado e tanto, maior quando se considera que parte dos países árabes não tem restrição à importação. Só que nós, ocidentais, não podemos chegar lá como em Nova York. Conselho número 1: não tenha medo de visitar esses países. Até a região oeste do Iraque escapa da guerra. E Dubai, um dos sete Emirados Árabes – a maior renda per capita da região, US$ 22,1 mil, o triplo do Brasil –, é mais bonita que muitas cidades européias. Se for acompanhado por uma mulher, é bom saber, antes de pegar o avião, que, em certos países – como Egito, Síria e Emirados Árabes –, ela terá de usar o hijab, espécie de véu que deixa ainda mais misteriosas aquelas belas mulheres de olhos negros e sobrancelhas cerradas. Se sua acompanhante levar a sério a tradição árabe, usará o chador, que cobre a cabeça e o corpo até os joelhos. Outra recomendação: não chegue falando em democratização. “Isso é ficção, não está no sangue deles”, diz Atallah. Eles têm um líder – que não encaram como ditador –, que sucedeu a outro líder, que sucedeu a outro e assim vai ao longo de uma história milenar.

Cultura – É respeitando a cultura árabe que o Hospital Sírio Libanês, de São Paulo, assinou agora um acordo com o maior hospital da Tunísia, um hospital público na cidade de Sousse, a segunda maior do país. É o início de um trabalho para colocar o Sírio como referência para um outro lado do mundo. O hospital brasileiro, símbolo de competência, reconhecido internacionalmente, tem, além, dessas virtudes, outra que os árabes não dispensam: a hospitalidade.

Em troca, eles – que inventarasm, entre outras coisas, o pão, as moedas, o queijo, o prego, o sabão e o vinho – podem negociar petróleo, fertilizante, nafta, azeite, ervas, o extraordinário vinho da Tunísia, as melhores tâmaras do mundo, sua inacreditável capacidade para negociar e pechinchar e muito, muito mesmo. Além de uma rica cultura totalmente desconhecida pela maioria dos brasileiros.

O salto das exportações dos produtos