04/03/2011 - 12:00
Ouça a entrevista:
DESAPEGO
“Desde que exista, a Daslu
não precisa ser minha”,
diz Eliana
Na tarde da quarta-feira 2, a empresária Eliana Tranchesi embarcou para Paris. Junto com uma equipe de oito executivas da Daslu foi assistir aos desfiles das maisons francesas e comprar os looks da estação que lhe são mais atraentes, coisa que faz semestralmente. Na véspera, ela participou da primeira reunião de conselho da Daslu, não mais como dona da marca, mas como funcionária do grupo Laep Investiments, do empresário Marcus Elias, que também controla a Parmalat no Brasil. O investidor arrematou a marca que se convencionou chamar de império de luxo numa operação totalizada em R$ 65 milhões, durante uma assembleia de credores para aprovar o plano de recuperação judicial da empresa. A empresária, que ficou com uma das duas lojas, será a principal executiva do grupo para manter o DNA da grife. Na tarde chuvosa daquela quarta-feira, Eliana nem de longe parecia triste por ter vendido, uma semana atrás, a marca que foi propriedade de sua família por 53 anos. Estava animada, apressada para não perder o voo, e cheia de planos. “Trabalharei com o mesmo entusiasmo como nos últimos 32 anos”, diz ela, nesta entrevista exclusiva à ISTOÉ.
“Me aborrecem referências como
império em ruínas. Não sabem
enxergar o que é a Daslu"
"É importante trabalhar para alguém por quem
temos admiração. Também sei que ele me admira.
O Marcus Elias tem um perfil empreendedor
e isso me deixa tranquila”
"Aos 5 anos eu já assistia a desfiles com a minha mãe,
assim como minhas filhas fizeram comigo.
Participei da história da moda”
Por que optou por vender a Daslu na recuperação judicial?
Era a melhor opção econômica. Foi a solução para recuperar um negócio bom, como o nosso, bom por 50 anos, que passava por dificuldades. A gente quis preservar a Daslu, na minha opinião a marca brasileira mais importante na área de luxo e um estilo de loja diferente de tudo. Seria um pecado não preservá-la. A empresa não é só os bens que ela tem. É o RH, o reconhecimento, o modo como atendemos. Aquilo tudo ia se perder. Foi uma solução boa. Fiquei feliz.
E a sensação de vender o que é seu?
Sabe que não tenho muito essa sensação? Nunca fui apegada às coisas materiais. Digo isso e as pessoas pensam que sou piegas. E olha que o logotipo da Daslu foi escrito com a minha letra. Embora tenha vivido nesse mundo de luxo a vida toda, as coisas não precisam ser minhas. Mas elas precisam existir. A Daslu existindo, cumprindo o papel dela no futuro, é muito bom. Essa ideia de plantar em outras cidades a semente da marca, que foi um bem de São Paulo por 53 anos, é a minha riqueza. Desde que exista, a Daslu não precisa ser minha.
Mas há um momento simbólico quando se passa um bem adiante.
Eu morreria se a Daslu fosse fechada, se tivesse sido penalizada e terminada em consequência dos problemas que passamos. Começou com a exigência da Prefeitura de São Paulo para deixarmos a Vila Nova Conceição. Todos sabem que lutamos por nossa permanência no endereço de origem. Desde o problema de zoneamento que tivemos na Vila Nova Conceição há 10 anos, não parei de lutar (a loja foi obrigada a sair do bairro paulistano por conta da lei de zoneamento urbano). Meus últimos 10 anos foram de luta. Naquela época tínhamos, uma loja de 12,5 mil metros quadrados, 600 empregados, um faturamento de R$ 200 milhões e uma empresa considerável. Nós nunca tínhamos nos endividado até então. Não era uma empresa que vivia aos trancos e barrancos, muito pelo contrário. Por mais de 45 anos, pagamos à vista funcionários e fornecedores. Fiquei pendurada por uma liminar por um ano e meio, tempo insuficiente para projetar e construir um lugar novo. Como sair de um negócio de 12,5 mil metros quadrados, sem ser uma fábrica que poderia se instalar fora da cidade? Não poderia mudar sem fazer um projeto planejado. Corremos contra o tempo.
A crise não começou com a Operação Narciso, da Polícia Federal?
A crise foi consequência dos problemas dos últimos seis anos. Mudamos para a Villa Daslu com uma dívida de R$ 24 milhões, muito razoável para um negócio que faturava mais de R$ 200 milhões. Fomos obrigados a nos endividar, mas não era um passo maior do que a perna. Já tínhamos essa dívida quando aconteceu a Operação Narciso.
Os problemas com a imagem da marca prejudicaram?
Nós não sentimos isso porque as clientes continuaram adorando a marca da mesma forma. Mas fiquei 13 meses sem conseguir importar um alfinete. Nós tínhamos uma estrutura grande e não tínhamos o faturamento. Não porque a cliente não aparecia, mas porque a mercadoria não estava lá.
Quando o empresário Marcus Elias entrou no processo?
Na mesma época em que decidimos pela recuperação judicial. O Marcus e a Laep tem um perfil empreendedor e ao mesmo tempo eles tomam risco. A Parmalat, que a Laep controla, tinha 10 mil credores e eles resolveram o problema de todos. Eles tem know-how. Fiquei tranquila quando Marcus me procurou. Nos conhecemos por meio de um amigo que também tinha interesse na Daslu e que achou que o temperamento do Marcus ia dar certo com o meu. Ele tem uma espiritualidade grande, é especial. É importante trabalhar para alguém por quem temos admiração. E também sei que ele me admira.
Como planejaram tudo?
Sabíamos que conseguiríamos manter a Daslu viva. A empresa estava respirando. Tínhamos ativos, clientes, coleções, lojas, pessoas, glamour e uma empresa organizada. Ela só não respirava porque tiravam oxigênio. O Marcus me procurou dizendo que ele tinha interesse na compra, através da recuperação judicial.
Como isso surgiu como solução?
Tivemos ao longo do tempo vários amigos ajudando. E uma das hipóteses sempre foi a recuperação judicial. Isso três anos atrás. A gente foi vendo que estava difícil de levar. Corria risco de a empresa sofrer, ficar sem dinheiro para capital de giro e falir. A decisão foi um alívio, porque a empresa teria um futuro, que pode ser planejado.
Imagino que tenha mastigado muito a decisão pela venda.
Minhas filhas brincam comigo e dou risada. As meninas dizem que topo qualquer brincadeira desde que eu mande. Mas não gosto de mandar em nada que não conheço. E o que eu conheço é estilo, criação, atendimento e marketing. E eu tenho muito ciúmes da Daslu. Tenho fascinação por bom atendimento. Se eu puder continuar sonhando tudo isso, para mim qualquer brincadeira serve.
Mas você vendeu a marca. Que garantia que tem de que isso acontecerá?
Sei que vai acontecer porque detenho esse DNA. E eles precisam e querem manter esse DNA. A Daslu é o que é por isso. Ela não é um case à toa. A marca foi preservada por muitos anos, com muito cuidado. A gente sempre foi fiel a nossa vocação.
E como será na prática? Você receberá um salário?
A gente ainda não sentou para conversar. O Marcus está viajando.
Você deixou de ser acionista para ser a principal executiva da marca…
Não vou ser executiva de nada que é financeiro, operacional. Serei executiva a desse DNA, vou ser a guardiã da essência da marca. Minha filha Marcela tuitou que me imagina com uma roupa medieval, escudo, espada na mão (risos).
Uma das lojas continua sua e você fica como franqueada…
Fico com uma das lojas e pago 5% do faturamento para a empresa que detém a marca. Ainda decidiremos com qual loja a Lommel, que é minha e dos meus irmão, ficará e qual será da Retail, da Laep, que comprou o futuro da Daslu, os novos negócios. Esse futuro à Laep pertence. A criação será feita para todas as lojas e eu vou ter uma delas. Vou comprar mercadoria como uma franqueada e participarei da criação e da estratégia de crescimento da Daslu.
Seus irmãos são sócios minoritários, têm 12,5% da empresa. Ficaram insatisfeitos com a venda?
Logicamente que ter de vender uma coisa sua não é bom. Mas esse meu temperamento de que vou continuar “brincando” me deixa contente. Provavelmente, eles não devem estar tão contentes porque não estão envolvidos no futuro da Daslu. Nesse sentido, a sensação é de perda.
Vocês brigaram?
Não, minha família não briga. Houve discordância deles quanto ao valor da marca. Nunca eles fariam isso, me culpar. Pelo contrário, nos últimos anos dediquei 100% do meu tempo para salvar a loja. Eu dei o sangue. Mas dei com prazer.
O que pensa quando lê referências à Daslu como um império em ruínas?
Isso me aborrece. Penso que não sabem enxergar o que é a Daslu. A minha cliente sabe ver. O estrangeiro sabe ver. Dá um valor louco para a loja. São duas lojas grandes com faturamento de R$ 200 milhões. Onde isso é pouco? No lançamento da coleção, na semana passada, vendemos 1 milhão na loja da Villa Daslu, numa tarde de tempestade e trânsito caótico. Que outra loja no mundo vende um milhão numa tarde de calamidade? Não conheço. Dois dias depois, lançamos a mesma coleção no Shopping Cidade Jardim e vendemos R$ 350 mil numa tarde. Que outra marca fez uma winter house? As modelos foram para a Oscar Freire, fizeram desfile aberto para o público, para o engraxate, para o cara da banca de jornal. A Suzy Menkes (lendária editora de moda do jornal “Herald Tribune”) conheceu a loja na fase, como dizem, um império em ruínas. Ela quase morreu. Achou a Daslu maravilhosa. Michael Roberts é o maior fã da Daslu, desde o princípio. Ramish Bowles, editor de estilo da “Vogue America”, fez uma bela matéria sobre nós. Não somos o grupo LVMH, nós somos uma loja em São Paulo. A gente foi capaz de fazer uma coisa única no mundo.
Vender a marca por R$ 65 milhões foi um bom negócio ou o negócio possível?
Esse número não é mágico na recuperação judicial. É a soma dos credores mais a necessidade de capital da empresa para recomeçar o negócio. Podia ser R$ 212 milhões, R$ 25 milhões. Era o necessário para garantir os empregos e a marca.
Mas a marca Daslu vale mais do que isso?
Tudo é circunstancial. A marca existe dentro de um negócio. Se o negócio está precisando de injeção de capital, se tem risco, vale menos.
Você ficou com o dinheiro?
Não fiquei. Fiquei com uma loja.
E a dívida de R$ 500 milhões com a Receita Federal?
Continuo trabalhando para isso. Continuo trabalhando com a loja que terei, de 2,5 mil metros quadrados, para poder fazer frente a essa dívida. A Lommel existe, vai continuar comprando, vendendo, fazendo negócios e fará frente a isso.
Como será equacionada? Parece uma dívida impagável.
Não sei como são as dívidas de outras empresas. Muitas empresas têm dívidas que são equacionadas. Acho que o interesse do governo é receber. O governo não quer que a empresa morra. O veneno não pode ser tão forte assim. Tem que ser vacina, porque veneno mata. O governo é sensível à situação das empresas. Não adianta nada conseguir pagar e quebrar. O interessante é que eu esteja viva, trabalhando e que consiga pagar.
E a sua sentença de condenação de 94 anos de prisão?
Estou com um habeas corpus que me deixou em liberdade novamente. O processo está correndo.
Como seus advogados pretendem reverter a pena?
Essa sentença foi tão despropositada em relação ao mal que eu possa ter feito para a sociedade que acho que ela vai acabar sendo revista. Não tem como não ser. Fui condenada a 94 anos de prisão na primeira instância. Tem a segunda, a terceira. Tem muita gente capacitada para me julgar. Tem ainda muito juiz para estudar minha sentença e ver se é isso que tem que ser ou não.
Acha que cometeu crimes e lesou pessoas?
Se você soubesse como foi a minha vida, nem me faria essa pergunta. Fui muito correta a minha vida inteira. Mas não adianta falar isso. Não adianta falar o que fiz para os outros. Tenho orgulho do que fiz ao longo de 32 anos de trabalho. Erros todo mundo comete. Acho difícil uma pessoa ter uma empresa e não ter cometido erros. Acho impossível, principalmente no Brasil, onde as legislações são complicadas e dúbias. Agora a pena realmente é alta demais.
Mas você não sabia que a sua empresa sonegava impostos?
Eu não gostaria de tocar nos pontos do processo. Estou sendo julgada pela Justiça. É a minha vida. Mas todos sabem que o meu envolvimento sempre foi muito maior com a criação e o marketing. Não é que eu não sou dos números. O meu teste vocacional era para matemática. Mas ter me envolvido nessa história toda, isso pode acontecer com qualquer pessoa.
O que aprendeu com a experiência na prisão?
Aprendi muito. Outro dia olhava aqui em casa os porta-retratos. Fui feliz em todas as fases da minha vida. É diferente quando você acredita que a sua vida está entregue a Deus. Tudo o que me aconteceu serviu para eu crescer. Fui uma menina criada sem dificuldades, casei com o homem que eu amava, tive vida de princesa. Estudei fora antes de casar, tive três filhos maravilhosos. Sempre fui rígida comigo e justa com as pessoas. Pensei outro dia: imagina se eu tivesse perdido a memória por 30 anos, abrisse o jornal e visse: “Eliana Tranchesi presa, condenada a 94 anos.” Eu ia falar: isso não pode ter acontecido, devem ter me dopado, me obrigado a fazer alguma coisa que eu jamais faria. Nunca faria algo tão mau que tivesse que ficar 94 anos presa. No entanto, tudo isso aconteceu. Pode imaginar o que foi para mim ser colocada para o Brasil como alguém que fez uma coisa tão errada a ponto de ser condenada a 94 anos de prisão? Tinha tentado a minha vida inteira ser justa. Se você é desonesto e vive na clandestinidade está no risco. Não era o meu caso.
E o que foi pior na prisão?
Ver aquele lugar e sentir que aquilo não serve para ninguém. O sistema penitenciário tem que ser revisto. Aquelas vidas todas não estão lá perdidas, sem sentido. Ali você sente um peso de pessoas que não estão sendo amadas. O pouquinho que fiquei, li a “Bíblia” com as meninas. Elas tinham televisão nas celas. Então todo mundo queria vir me ver. Uma delas me emprestou uma televisão. Eu agradeci e disse: Eu não quero televisão para ficar me vendo nos noticiários. Que programa pode ser pior? Fiz amizade com elas. Senti que fui importante nas cartas que elas me escreveram depois.
Manteve contato com algumas delas?
Mantive. Ajudei uma delas. Minha advogada ficou sensibilizada com uma das meninas que estavam comigo, que tinha 23 anos, da África do sul, condenada por tráfico de drogas. Essa menina me contou tudo. E aí você entende por que uma menina de 18 anos faz uma burrada dessas. Ser mula. Mas ela foi abandonada pela mãe com quatro anos. Você começa a entender a vida de cada um. Minha advogada ajudou e ela está em liberdade condicional. Ela está em um abrigo no Butantã. A gente foi criado em redoma mesmo. Nunca tinha convivido com esse lado obscuro. Fiquei muito impressionada.
Está curada do câncer?
Espero que sim. Dizem que o câncer de pulmão se dá muito por tristeza. Tanto que eu não tinha sintoma nenhum. O Bernardino (o cardiologista Bernardino Tranchesi, seu ex-marido) achou que eu devia estar doente por tanto problema vivido. Ele sabia o quanto aquilo tudo tinha sido agressivo para mim. Faço tratamento direto, como uma manutenção. Os médicos temem parar os tratamentos e a doença voltar. A minha doença está estabilizada hoje.
E o aprendizado com a doença?
Esse é maior ainda, que são as limitações físicas. O que é você querer fazer tudo e não poder porque o médico quer que você descanse, que fique zen. Não consigo ficar zen (risos). Para câncer, a pessoa tem que estar zen. Você tem que estar focado naquele problema que você tem para trazer energia positiva. Fazer quimioterapia é inimaginável. É duro a ponto de pensar duas vezes se você vai pegar o copo de água ou não, de tanto esforço que é. E eu não tenho cara de quem está doente. Acho que é muito de me entregar a essa energia positiva e a Deus. A minha casa nunca foi triste. Sempre foi bola para a frente. Meus filhos nunca deixaram a peteca cair. É muito fácil fazer com que o ambiente fique ruim. É um minutinho. Querer reclamar de uma bobagem. Qualquer coisa é ruim se você der importância a ela. Para uma mulher fútil, quebrar a unha é ruim. Tudo é relativo. Você começa a enxergar tanta coisa em que você não via valor.
Quais são seus planos?
São tantos. A minha vida foi sempre pensar em futuro. A moda é futuro. A minha cabeça só pensa nas cores, nas estampas, nos modelos e nas revistas que vamos fazer no semestre que vem. Vamos criar uma Daslu carioca. Isso incluirá marcas importadas. Vamos criar projetos para cada cidade para onde a gente for. Outro dia um amigo meu foi correr uma regata no Chile. Ele me disse que o cara mais rico de lá é alucinado pela Daslu. Ele quer me conhecer quando vier para o Brasil. Por que não uma Daslu no Chile? E uma Daslu mineira? Brinquei que farei projetos maravilhosos e que a Daslu mineira vai ser inteirinha de Aleijadinho… projeto bem barato (risos). Toda barroca.
Na atual aldeia global, onde as grandes grifes estão em todos os lugares do mundo, como a Daslu se diferenciará?
A Daslu sempre se diferenciou e criou uma identidade. Assim como nos anos 70 trouxemos as marcas desejadas do Rio, trouxemos os importados nos anos 90. Agora, já estamos fazendo uma edição do que há de mais antenado e desejável no mundo da moda, como a Colette fez em Paris. Hoje nossas meninas estão em Paris. São quatro que estão lá e na semana que vem vamos ser 16 olhos vendo tudo aquilo e editando o que a gente acredita que é bacana. As maisons de fora enxergam no Brasil um grande negócio. Eles mesmos estão abrindo suas lojas, para não ter parceiro brasileiro. Então tem uma renovação da Daslu nesse sentido também. A gente está trazendo marcas que as pessoas não acham aqui, que são marcas antenadas, coisas de Los Angeles. O que tem em todos os shoppings não é mais o que a minha cliente quer.
Quando se fala em império Daslu, se convencionou falar na enorme construção neoclássica.
A Daslu foi a vida inteira uma butique, onde escolheu e editou tudo o que ela queria vender. E punha nos seus espaços tanto as marcas de fora quanto a marca Daslu. Quando mudamos para o prédio da marginal, passamos a ser, além de Daslu, um mall, onde eu alugava 70% do espaço para outras marcas. Isso não era nosso. Isso foi confundido. Esse negócio eu passei para a BR Malls em 2006 e hoje é administrado pelo Iguatemi. Isso não era mais da Daslu. Nosso negócio sempre foi fazer roupa e editar o que tem de bacana fora do Brasil. E atender a cliente da melhor maneira possível. Como tinha muita gente querendo ficar com loja perto da Daslu, nós criamos aquele negócio. Não que eu queira ser “shoppista”, nunca tive essa intenção.
Sua ideia era fazer da Daslu um império?
Eu nunca quis ser império. De jeito nenhum. Só gosto de vender aquilo em que acredito. Nunca gostei de fazer dinheiro com aquele prédio. Mesmo o terraço, a gente não queria alugar para qualquer festa. Não tenho essa coisa de querer ser grande. Quero ser bacana no que faço. Quero ser a melhor no que faço. Porque amo o que eu faço. Isso eu sempre quis ter. Eu não quero comprar qualquer coisa para vender. O meu compromisso é com o gosto e em que eu acredito. Não é o compromisso com o dinheiro. Eu não fazia as contas: o que vai me dar mais dinheiro?
As pessoas sempre acharam que você é uma mulher riquíssima. Você é?
Nunca fui. Vivo bem. Eu moro nessa casa há 20 anos. Construí essa casa casada com o Bernardino (Tranchesi, ex-marido). Quem me deu esse terreno foi meu pai. E o Bernardino é um médico cardiologista muito bem-sucedido, e eu vivi com o dinheiro dele muitos anos. Nunca tive essa coisa de ficar rica. Isso nunca foi meu sonho. Se não eu teria ficado. Se eu tivesse focado em ganhar dinheiro, teria feito Daslus no mundo inteiro. Teria massificado a marca. Poderia ter feito tanta coisa que eu não fiz. Não é também que eu não quis ser rica mas é que eu gosto de fazer as coisas bem feitas.
Tem mágoa dos concorrentes?
Não gosto de falar o que eu não domino e do que não é meu. Cada um faz o que quer com a sua vida. Cada um age da forma que quer. Eu vou agir da forma que eu acredito. Sempre. Nos valores que eu acredito. O Marcus Elias tem os valores bem parecidos com os meus nesse ponto.
E quando vai acontecer a transferência da loja de seis mil metros quadrados para o espaço de três mil metros no complexo JK?
Até onde sei é outubro. Não sei se vai haver atraso na obra. Parece que é 29 de setembro a inauguração.
E a sua relação com o shopping Cidade Jardim?
A relação sempre foi muito boa. A Ana Auriemo, irmã do Zeco, trabalhou comigo desde os 18 anos. Trabalhou quatro anos comigo. Conheço todos eles desde pequenos. Conheço o pai e a mãe.
A relação durante a recuperação ficou equacionada?
Está super.
Eles ficaram satisfeitos com o resultado?
A gente não dividiu ainda, então não sei como vai ficar. Se a Lommel (Daslu antiga, de propriedade de Eliana) fica no Cidade Jardim ou se fica no JK não está definido. Eu não sei qual seria a reação deles.Nós temos prazo para decidir aonde vai ficar a Lommel e o que passa a ser a nova empresa da Laep.
O que vai acontecer com o prédio da Villa Daslu?
Não sei. O meu sonho seria virar um centro cultural, com os escritórios.
Já se falou que iria ser demolido.
Já ouvi também, que não era num estilo harmonioso com os outros prédios ao lado. Mas não sei o que eles vão fazer.
E sua relação com a família Jereissati, dona do Shopping Iguatemi?
São relações de lojistas. Eu sou lojista do mall. O mall da Villa Daslu hoje é administrado pelo Iguatemi. E administrado por eles. E eu tenho uma relação de lojista. E vou continuar tendo.
Enxerga um sucessor entre seus três filhos?
Eles têm o negócio deles e estão indo tão bem. Eles têm cinco lojas 284, criadas em dois anos, eu fico num orgulho. É da cabeça deles. Eu dei palpite no começo. A Donata (Meirelles, ex-diretora da marca e mãe de Helena Bordon,21 anos, uma das sócias) também deu, porque eram filhos nossos. Eles absorveram nossas opiniões, puseram num liquidificador, e saiu um projeto deles. Têm planos de fazer mais cinco lojas ainda este ano. Querem ter 25 lojas em cinco anos. Mas o Dinho (filho mais velho de Eliana) consegue trabalhar mais do que eu. Ele vai para a loja às sete da manhã e sai as 11 da noite. Hoje trabalha só na 284. Faz a administração e as meninas fazem a parte de criação e marketing. A estratégia do negócio é dele. Ele tem 25 anos e as meninas, 21 e 19. E tenho o maior orgulho deles.
Pretende escrever um livro?
Sim. Esse livro vai acabar contando a história da moda no Brasil. Aos 5 anos já assistia desfiles com a minha mãe, assim como minhas filhas fizeram comigo. Entrei na Daslu quando era uma lojinha de 70 metros quadrados. Era mínima. Participei de todos os projetos. A compra da primeira casinha, a primeira reforma, o primeiro gazebo, depois a gente criou a marca. Vi o boom das marcas cariocas em São Paulo, pioneiramente trazidas pela Daslu. Depois essas mesmas marcas vieram com lojas próprias, e foi nesse momento que a Daslu criou, paralelamente à butique, a sua própria marca. Fui a primeira cliente da Fórum, do Reinaldo Lourenço, e tantas grifes paulistanas. Vou aos desfiles de alta-costura e prêt-à-porter em Paris, Milão e Nova York há mais de 30 anos. Trouxe importantes marcas americanas e europeias, como Chanel, Gucci, Prada, e vejo com naturalidade elas agora virem para cá com as próprias pernas. Às vezes não me dou conta de que vivi e participei de momentos tão importantes da história da moda. A Daslu hoje, além de uma marca, é um estilo de vida, uma referência. Tudo valeu a pena.