03/12/2010 - 21:00
ESPERTEZA
Mantega vê mercados apostando na
instabilidade para aumentar seus lucros
Confirmado no cargo pela presidente eleita Dilma Rousseff, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, diz que está trabalhando “para dois chefes”. Continua a prestar serviços ao presidente Lula e, simultaneamente, participa de todas as discussões sobre o futuro governo. De um lado, garante as receitas que sustentam as últimas realizações da era Lula e, de outro, traça o austero programa de contenção de gastos que Dilma adotará no início de sua gestão. “O impacto do ajuste fiscal começa no dia 1º de janeiro”, afirmou Mantega em entrevista exclusiva à ISTOÉ. Ele promete um corte de 30% nos recursos de cada ministério, mas explica que isso não vai significar retração da economia: “Não será a contenção conservadora do passado, que derrubava o crescimento do País. O Estado vai gastar menos e abrirá espaço para o setor privado.” Um incentivo ao investimento produtivo será a queda nas taxas de juros. Ao contrário da maioria dos analistas, Mantega considera que os preços são pressionados por fatores sazonais e não vê motivo para o Banco Central aumentar a taxa básica de juros. “O mercado é apressadinho para aumentar os juros, porque não gosta de indicadores estáveis.”
"Lula teve o resultado que queria. Ficou satisfeito em ter um País crescendo
e a população melhorando. Até rico melhorou de vida neste governo"
"Essa história de que eu não tinha bom relacionamento com o Meirelles
é um pouco de conversa. O BC é conservador por natureza"
O sr. tem falado da necessidade de conter os gastos. Isso significa que 2011 será um ano difícil para a economia brasileira?
Não. Algumas pessoas dentro do setor público vão chiar, vão ter menos dinheiro. Alguns ministérios poderão reclamar porque terão menos recursos. Estamos decididos a fazer um corte de gastos. É uma decisão da presidente Dilma. Mas não será a contenção conservadora do passado, que derrubava o crescimento do País. O setor público será substituído pelo privado. Em 2009 e 2010, para superar a crise econômica, o Estado gastou mais para estimular a economia. Tivemos que dar mais subsídios e desoneramos tributos. A demanda pública complementou a demanda privada, que em 2009 deu uma fraquejada. Agora que a economia já está fortalecida, o Estado vai abrir espaço para o setor privado.
O setor privado tem capacidade para ocupar esse espaço?
Vamos diminuir gastos, principalmente de custeio, ampliando o espaço para investimentos e redução de juros. É uma combinação de política monetária e fiscal. Nos últimos dois anos fizemos mais política fiscal, que é desonerar tributos, fazer mais gasto público e gerar emprego pelo gasto público.
Como convencer o empresário a aplicar em infraestrutura, quando ele tem um retorno maior nas aplicações financeiras?
Os juros vão cair.
Quando?
Não existe uma data. É uma definição teórica. Criaremos as condições para que o Banco Central reduza os juros. O impacto do ajuste fiscal começa no dia 1º de janeiro. Se o governo diminuir o gasto público, a demanda nacional tende a reduzir. Então o governo precisa dar um estímulo monetário para que o setor privado substitua o Estado. Não vamos desativar os programas, o PAC vai continuar. O investimento continuará sendo estimulado. O que será reduzido é o gasto com custeio.
A pedido da presidente Dilma, está sendo elaborado um programa de forte redução de gastos. Em que proporção?
Todos os ministérios estão sujeitos a redução no Orçamento, o que significa que vamos pegar cada ministério e retirar cerca de 30% do recurso que eles têm hoje.
Haverá cortes na folha de pagamento?
Não haverá aumento de pessoal. É um duplo movimento: reduzir os gastos existentes e impedir novos gastos. Também será uma boa oportunidade para rever todos os custos. Todos os ministérios têm contratos de serviços. As secretárias, os seguranças e os motoristas são terceirizados. Como terão menos recursos, terão que dar uma enxugada e renegociar contratos. Todos os custos estarão sob questionamento e em várias áreas haverá projetos que serão realizados um pouco mais adiante. É salutar, porque isso também é feito pelas empresas do setor privado.
Pode haver até o retorno da inflação, caso o Estado não se contenha…
Sim, se juntar o aumento do gasto público com o aumento do gasto privado. O que precisamos hoje é reduzir a participação pública e aumentar a participação privada e para isso é preciso estímulos monetários e mesmo fiscais. Havendo espaço, vamos reduzir tributos. Até porque não queremos reduzir o PIB. Não será um PIB como o deste ano, de 7,5%, mas 2010 foi excepcional, porque sucedeu um ano de vacas magras. A nossa meta é de 5% em 2011.
O sr. esperava o convite para continuar no cargo?
Não diria que esperava o convite, mas havia certa lógica de que fosse feito. Tenho uma grande afinidade com a presidente Dilma. Nós temos uma grande sintonia de pensamento e, desde que passamos a trabalhar juntos, fomos parceiros. Por um lado o presidente Lula teve o resultado que ele queria. Ficou satisfeito em ter um país crescendo, a população melhorando de vida, desde o pobre até o rico. Até rico melhorou de vida neste governo.
Há um ano o sr. nos alertava, em entrevista, de que a economia seria um excelente cabo eleitoral…
É verdade. A economia quando dá certo é o melhor cabo eleitoral. Por outro lado, a economia pode destruir a reputação de um governante. Se for bem, ela consagra. Se for mal, ela destrói.
Fala-se muito que, nos últimos quatro anos, havia atrito entre a Fazenda e o Banco Central. O BC não tinha a mesma visão que a Fazenda a respeito da economia. Não era desenvolvimentista. Agora, com Alexandre Tombini, haverá uma equipe econômica mais homogênea?
Para um país que adotou o regime de metas de inflação, o BC, por definição, não pode ser desenvolvimentista. Ele é conservador por natureza. Ele não pode pensar muito. Tem que olhar para a meta de inflação e cumprir a meta. É diferente do Fed (Banco Central americano), que não tem meta de inflação. O BC brasileiro é um cumpridor de tarefas, pois quem define a meta de inflação é o Conselho Monetário Nacional, presidido pelo ministro da Fazenda.
Mas pode haver um relacionamento melhor?
Essa história de que eu não tinha um bom relacionamento com o Meirelles (Henrique Meirelles, presidente do BC) é um pouco de conversa. Nós tivemos divergências de avaliação que qualquer economista tem. Se sentarem aqui o meu amigo Aloizio Mercadante, o Delfim Netto, que eu admiro muito e é um dos melhores economistas que temos, e o Belluzzo (Luiz Gonzaga), eles poderão divergir da dinâmica da inflação hoje. Posso dizer que o que está pesando são fundamentalmente commodities, alimentos e mais combustíveis, de efeito sazonal.
O sr. defendeu isso durante todo o ano.
E eu provo isso, porque tenho o gráfico do BC. Sem a sazonalidade de alimentos e combustíveis, a inflação não está subindo, está em 4,89%.
É conveniente retirar alimentos e combustíveis do índice de inflação?
Não, porque os preços vão e voltam. Não vamos retirar nada do índice de inflação. Estou falando que, para motivar a política econômica, temos que olhar o núcleo, pois tem sazonalidade. Se pegarmos o gráfico do IPCA, ele sobe e desce e, em geral, os responsáveis são os alimentos. No início deste ano, o período de chuvas prejudicou algumas safras e o preço do álcool subiu 30%. Além disso, as commodities estavam em alta. Falei, e está registrado, que naquele momento era uma inflação de alimentos e não de demanda. A prova dos noves é que, depois que passaram as chuvas, a inflação caiu e nós ficamos três meses com o IPCA próximo de zero.
O fato de Alexandre Tombini substituir Henrique Meirelles no BC não mudará em nada?
Não. Já trabalhávamos em conjunto e quando o Meirelles e eu tínhamos alguma divergência de avaliação íamos discutir com o presidente da República.
O sr. diz que a inflação tem esse peso sazonal, mas o mercado tem dito que é hora de aumentar os juros novamente.
Uma coisa é o mercado, outra coisa é o Banco Central. Se pegarmos as últimas atas do BC, elas falam que a inflação está sob controle. O mercado olha só o IPCA ou o IGP-M cheio, o que é pior ainda, porque mede commodities, que estão num ciclo de alta lá fora. Nessa conta, a curva empinou para cima. Mas eu digo que ela vai voltar. O mercado é sempre ansioso, apressadinho para aumentar juros.
Segundo Delfim Netto, o mercado é apressadinho, faz a pressão e o BC acaba acompanhando o mercado…
Isso eu não sei. Sei que o mercado não gosta de indicadores estáveis, ganha com a volatilidade. Se a taxa fica parada, ele não ganha nada.
O sr. acha que a questão cambial está bem resolvida? Ainda há outras medidas que poderão ser tomadas?
Estamos numa guerra cambial. Infelizmente isso vai continuar porque uma boa parte do mundo não se recuperou. Os EUA conseguiram exportar mais para o Brasil do que nós para eles. É a primeira vez em não sei quantos anos que teremos déficit comercial. Agora, vamos lutar para que os países não adotem práticas belicistas. Tomaremos tantas medidas quanto forem necessárias. Hoje temos o conhecimento de medidas e o respeito do mercado. Eles sabem que nós não estamos brincando.
Como o sr. está convivendo nesses dias com o fato de estar respondendo ao presidente Lula e à presidente Dilma?
Tenho sentido que tenho dois chefes. Só está fácil porque eu estava acostumado a lidar com os dois. Tenho mais trabalho. Mas há a continuidade dos dois governos, com nuances e adaptações.
Se o sr. completar os oito anos, será o ministro da Fazenda mais longevo, fora o do primeiro mandato de Vargas. Como o sr. encara esse fato?
Se eu ficar serei o mais longevo, porque o da ditadura não conta.