01/05/2002 - 10:00
Quando assumiu pela segunda vez a Prefeitura do Rio, em janeiro do ano passado, o economista Cesar Maia deu sinais de que trocaria a personalidade espalhafatosa que o consagrou como um maluco beleza criador de factóides por um comportamento sóbrio, com maturidade política e menos surpresas. De fato, o alcaide reduziu a produção de notícias amalucadas, mas não se livrou da vocação para o imprevisível. Depois de coordenar a natimorta candidatura de Roseana Sarney, o mais novo cacique do PFL pisca escancaradamente para o PT de Lula. A paquera começou tímida no segundo turno de 2000, ao receber o apoio da hoje governadora Benedita da Silva. Agora, acena com a retribuição. Para ele, José Serra ou Ciro Gomes seriam mais instáveis do que Lula na relação com o Congresso Nacional. Já o PT poderia “governar o Brasil totalmente sem sobressaltos”, desde que conseguisse enquadrar suas bases radicais, como faz em São Paulo e no Rio Grande do Sul. “O PT é um partido social-democrata, europeu, clássico”, define.
De olho no vácuo aberto à direita pela trapalhada do PFL no cenário nacional, Cesar descarta completamente uma aliança com Serra e diz que o partido deve trabalhar desde já uma candidatura forte para 2006. Ainda não admite publicamente o sonho de se projetar como o nome para levar o PFL ao Planalto como protagonista e não mais como coadjuvante, mas trabalha nessa direção. “Todo político deve ter ambição.” Aos 56 anos – completa 57 em 18 de junho, mesmo dia em que o presidente Fernando Henrique faz 71 –, o prefeito segue uma disciplina rigorosa, com leitura compulsiva de todas as pesquisas e o acompanhamento de todos os processos eleitorais relevantes no mundo. Apesar de comportado, Cesar continua surpreendendo. Em seu amplo gabinete no Piranhão, apelido da sede da prefeitura carioca, Cesar trabalha cercado por 40 cartazes da revolução soviética, que ele comprou em 1986, quando estava no PDT. Uma excentricidade para quem disputou eleições prometendo ser um misto de Jânio Quadros e Carlos Lacerda.
É isso mesmo. O Brasil está há quatro anos em recessão e com crescimento medíocre. Isso tirou do governo a capacidade de gerar esperança. A população reconhece os méritos, mas é muito difícil projetar esperança nesse quadro. Isso abriu um grande campo para a oposição e o PT ocupou inteiramente esse espaço. Quando Ciro Gomes e Anthony Garotinho correram para esse campo, ele já estava ocupado.
É possível, até porque a candidatura Serra confunde o eleitor. É governo, mas acha que pode ser diferente. A população não entende, é como usar o mesmo terno mudando a gravata. O governo está desgastado para propor algo como “fique comigo que vou ser melhor”. Se fosse uma recessão pontual, de um ano ou um ano e meio, poderiam dizer que tinham respondido bem a uma crise conjuntural, como a crise asiática. Mas depois vem a crise russa, a cambial, a crise argentina, o apagão. Como as crises são sucessivas, o eleitor desconfia que a crise é o próprio governo. Se a CPMF for plenamente cobrada, teremos uma carga tributária de 35% do PIB, uma carga nórdica para serviços de Terceiro Mundo. A cada ano a carga tributária tem crescido de 5% a 10% acima da inflação, enquanto o PIB cresce 2%. Como os pobres não podem pagar mais impostos e a classe média está empobrecida, cobram dos empresários e afetam a competitividade.
A campanha só tentou se organizar depois dos fatos e foi quando eu assumi. Se tivéssemos organizado antes, nada disso teria acontecido. Numa campanha organizada, você tem as responsabilidades atribuídas, não tem nenhum tipo de captação feita por quem não é autorizado. O fato é que a Roseana resistiu muito e só admitiu a candidatura em janeiro. Isso atrasou demais a montagem da coordenação, as responsabilidades.
Tenho certeza. Isso deveria ter sido feito pelo próprio partido. A improvisação foi o principal responsável pelo amadorismo dos fatos.
Com a verticalização das alianças, o PFL trabalha em dois cenários. O primeiro é com o atual quadro de candidatos, em que o PFL não terá candidato e vai liberar suas seções regionais. O outro cenário é com a hipótese de nomes novos. O PFL poderia apoiar um candidato novo dentro da base do governo.
Não, o Tasso Jereissati. E não é pressionar. Se os fatos demonstrarem que a melhor alternativa é apresentar outro nome como o Tasso, o PFL vai estar aberto. A probabilidade hoje é muito pequena e um partido como o PFL deve trabalhar com os fatos, em vez de agredi-los. Por isso a opção de não ter candidato, liberar as coligações regionais, é amplamente majoritária.
Não. Se o governo fosse a alternativa mais forte, você poderia dizer que os pragmáticos estariam prontos para aderir, mas não é o caso. A opção pelo governo é de risco. Mais fácil para os pragmáticos é ser contra o governo. O governo tem problemas para ir ao segundo turno e terá enormes dificuldades para vencer, porque políticos da dimensão de Antônio Carlos Margalhães, José Sarney, Paulo Maluf não estarão com Serra. O pragmatismo nessa conjuntura não leva ao adesismo.
Não há hipótese, pelas dificuldades da verticalização. Isso, sim, produziria uma fratura. O PFL é uma confederação de grupos regionais, de inspiração liberal, de centro ou conservadora, que delega à direção nacional um poder que tem como amálgama uma grande bancada federal consciente de que a unidade é a razão da força do partido e de cada um dos parlamentares. Então o PFL tem um limite, que é a fragilização dessa bancada montada regionalmente.
Não posso acreditar num sistema que manipula a Policia Federal para montar escuta e espionagem e destruir a candidatura de um parceiro. Havia 100 telefones grampeados numa investigação de tráfico no Maranhão, que não tem aeroporto internacional, não é ponto de atracação de navios internacionais a não ser dos que levam minério, não é passagem de droga para a Europa nem para os Estados Unidos. É risível imaginar que um expediente desses signifique luta contra as oligarquias.
O que o PFL precisa é pensar a longo prazo numa disputa de poder nacional. Se a candidatura Roseana tivesse sido organizada já no fim das eleições de 2000, a situação seria outra. Em 2000, o PFL foi alijado pelo PSDB de ser o maior partido no Congresso e parceiro preferencial. Foi retirado das mesas da Câmara e do Senado. Talvez o erro tenha sido não entender que já em 2000 deveríamos buscar uma alternativa própria. Isso só veio depois da exclusão do PFL da Mesa da Câmara, com a derrota de Inocêncio Oliveira para Aécio Neves. Os que imaginaram que aquela decisão do PSDB era isolada, não teria consequências, atrasaram o processo. O PFL hoje sabe que precisa ser alternativa de poder nacional e vai se preparar desde já, para daqui a quatro anos.
Não estou dizendo isso, mas é claro que qualquer político tem ambição. Os nomes vão surgir das urnas. Se eu eleger o governador do Rio, sou um nome natural, mas se meu candidato só tiver 3%, é claro
que não sou.
Não tenho dúvidas. E não serão só esses setores.
Por falta de tempo. Nomes o partido tem. O próprio senador Antonio Carlos seria forte, imediatamente. Em 30 dias estaria cabeça a cabeça com Serra, Ciro e Garotinho. Mas uma candidatura não se constrói em poucos meses, é com tempo, programaticamente.
Não. O PFL está unificado em torno de não ter candidato.
Não há hipótese de apoio nacional a nenhum candidato. Não há
divisão nenhuma.
Se o PSDB lançasse o Tasso Jereissati hoje de manhã, à tarde o PFL apoiaria o Tasso.
Nunca foi cogitado. Pelo menos nas reuniões das quais tenho participado, o nome dele nunca foi posto.
Em 1998, Fernando Henrique teve dois candidatos no Rio. Nunca veio ao meu palanque, foi ao do PSDB, mas eu o apoiava. Isso pode acontecer de novo, com Ciro ou com Lula. Estamos pondo na frente a questão regional, que vai trazer a nacional a reboque. Garotinho não é possível apoiar porque no Rio somos águas que não se misturam.
Posso, perfeitamente. Dei o exemplo de Fernando Henrique. Lula tem o candidato dele, que é a Benedita, mas eu posso apoiá-lo. O PT me apoiou no segundo turno do ano passado e nós estamos fazendo um trabalho de colaboração com o governo de Benedita.
Espero que o PMDB e o PSDB se fechem em torno da Solange Amaral (candidata do PFL ao governo do Rio). E tem de ser os dois, porque a chapa nacional é de tucanos e peemedebistas. Se vier um só, vamos discutir o status dessa aliança. Se não for possível essa costura, abrimos para a discussão, para Ciro ou Lula.
O do Serra eu não conheço. Quanto ao PT, já conheço os projetos para segurança e habitação e me pareceram interessantes, convincentes. Não tenho qualquer dificuldade em apoiar um governo social-democrata. E o PT é um partido social-democrata, europeu, clássico. Não é o PT de 20 anos atrás, que negou apoio a Tancredo Neves.
Lula e a direção do PT estão prontos, desde que resolvam o problema do radicalismo das bases.
Acho que não acabou, mas é uma extravagância. A direção do PT não produz em mim, como cidadão, nenhum tipo de ansiedade. Os quadros que controlam o PT não me criam ansiedade. Podem governar o Brasil totalmente sem sobressaltos. O problema são as bases do PT, que estão à esquerda buscando confronto com o próprio partido. O enquadramento das bases do PT paulista pelo governo da Marta Suplicy, que não é de esquerda, é de centro, pode ser um bom sinal. Esse é o caminho. Quando o PT troca Olívio Dutra por Tarso Genro dá outro sinal de que o caminho é mais social-democrata, de centro.
É um político muito vertical, o oposto de Fernando Henrique, que trabalha no tempo, que inclui. O Serra até o dia de hoje não foi um político inclusivo. Se Fernando Henrique nunca teve problemas parlamentares, a tendência é que o Serra tenha muitos. Nesse sentido é parecido com Ciro. Do ponto de vista parlamentar, seria um governo muito mais instável do que o de Fernando Henrique.
Provavelmente. Na medida em que Lula tem uma posição muito clara, a oposição pela direita sabe que há um limite da pressão que vai fazer. Vai operar com esse limite, o que é perfeitamente compreensível na teoria dos jogos. Quando você faz um lance absurdo, desmoraliza o próprio lance. No caso de Serra, não. A oposição a ele dentro do que hoje é a base do governo vai achar que ele vai se dobrar. As pressões seriam muito maiores.
Aparentemente ele está no campo da esquerda, mas quando entra em valores morais está na direita. O assistencialismo, esse populismo de direita dele abre um flanco. Mas é uma taxa de incerteza
de tal magnitude que prefiro nem pensar. Ele não tem idéias, não tem princípios, é completamente inorgânico e imprevisível. Imaginar o que possa ser um governo Garotinho é fantasia. O Brasil começa a ter um rumo, fez reformas liberais, a oposição deixou de ser radicalmente nacionalista, estatizante. É um País com rumo, com projetos.
Garotinho não tem projetos, é uma loteria. Tudo pode acontecer,
até ele criar juízo.