No momento em que o presidente Lulabusca aliança com os governadores, oeleito em Santa Catarina abre guerra interna

A primeira rebelião peemedebista em relação ao segundo mandato de Lula já tem data marcada. Vai acontecer em Florianópolis (SC), em um chique resort na praia do Costão do Santinho, entre os próximos dias 17 e 19. Ali, o governador reeleito no Estado, Luiz Henrique da Silveira, receberá os outros seis governadores que o PMDB elegeu este ano – e mais o do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto – para mandar um duro recado ao grupo governista liderado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e pelo senador José Sarney (AP): ou os dois param de negociar isoladamente posições para o PMDB no novo governo ou correrão o risco de vender mercadoria falsificada ao presidente. “O PMDB não passou procuração a ninguém para negociar por ele; ou o partido toma uma decisão unitária e institucional sobre esse assunto ou não estará no governo”, avisa Luiz Henrique. Para o governador, a discussão sobre a adesão à equipe de Lula deve se dar em torno de bandeiras, com as quais o partido se comprometesse e exigisse também o compromisso do governo, e não simplesmente a partir de cargos e de quotas de espaço que coubessem a cada legenda aliada. Ele acha que o partido não pode ser tratado como balcão de negócios. A proposta de Luiz Henrique é que a bandeira posta na mesa pelo PMDB seja a de um novo pacto federativo, que descentralize o País, tirando das mãos da União o imenso poder que tem ao ficar com dois terços de toda a tributação que é arrecadada.

Aos 66 anos, Luiz Henrique acaba de vencer a 11ª disputa eleitoral das 12 que participou em toda a sua vida. Ao contrário de todos os demais ocupantes de cargos no Poder Executivo que se reelegeram, ele renunciou para disputar a eleição. A obrigatoriedade de que isso aconteça é outra de suas obsessões: “Governador, prefeito ou presidente que se reelege no cargo não disputa, esmaga o adversário. Isso tem de acabar”, diz o governador.

ISTOÉ – Em Brasília, já se discute o número de cargos que caberá ao PMDB no novo governo e se especula sobre os nomes de quem os ocupará. É ponto pacífico que o PMDB integrará o segundo governo Lula?
Rudolfo Lago

De forma alguma. Eu convidei os meus seis colegas que se elegeram governadores pelo PMDB nas eleições deste ano e também o governador Germano Rigotto para uma reunião aqui em Florianópolis entre os dias 17 e 19 para refletirmos essa questão. Para que justamente se diga que essa é uma discussão que ainda tem de passar pelas instâncias partidárias.

ISTOÉ – Os governadores seriam uma dessas instâncias?
Rudolfo Lago

O que nós pretendemos é nessa reunião estabelecer os parâmetros sobre a decisão que será tomada pelo PMDB. Não é possível que essa seja uma discussão meramente sobre espaços destinados ao partido no governo. É preciso que ela se dê em torno de bandeiras. Eu entendo que o PMDB deva ter como bandeira a descentralização do Brasil. A descentralização que nós operamos em Santa Catarina, e que foi o que garantiu a minha eleição por uma grande margem. Não é possível que o Brasil continue arrecadando os tributos nos municípios e eles fiquem com apenas 13% dos recursos e dois terços de tudo vá parar em Brasília. Essa é a matriz de todos os problemas do Brasil. É a matriz da exclusão social. Essa é a matriz da crise brasileira.

ISTOÉ – Mas isso é um dos grandes instrumentos de poder de que dispõe o governo federal. O sr. acha possível que o presidente aceite abrir mão disso?
Rudolfo Lago

O mundo desenvolvido se governa de forma descentralizada. O Brasil se quer governar a partir de Brasília e das capitais dos Estados.
Fica aí o presidente com um instrumento muito forte de cooptação. Um instrumento inaceitável.

ISTOÉ – Voltando à questão da possível participação do PMDB no governo, qual seria o papel dos governadores nessa discussão?
Rudolfo Lago

O PMDB elegeu sete governadores. Elegeu a maior bancada na Câmara. Uma forte representação no Senado. Tem o maior número de prefeitos. De vereadores. Tem que expressar, então, essa força de uma forma coesa. Como um partido com esse tamanho pode sentar na mesa de negociação com uma postura meramente adesista, fisiológica? Isso é inaceitável.

ISTOÉ – Como se daria a decisão coesa?
Rudolfo Lago

Há três caminhos que o PMDB pode seguir: pode se aliar ao governo, pode ir para a oposição ou pode ficar numa posição de independência, apoiando ou rejeitando propostas de acordo com as suas próprias convicções sobre o País. A decisão final sobre isso tem de se dar por uma instância institucional do PMDB, que é o Conselho Nacional. Fui eu quem criou o conselho como relator do estatuto do nosso partido. Trata-se de um instrumento amplo de deliberação, que inclui os presidentes de todos os diretórios regionais, os governadores, a Executiva Nacional e todos os ex-presidentes do partido. Só o conselho tem amplitude para tomar essa decisão. Isso não é decisão de grupelhos. Não se pode aceitar esse caminho de se conversar apenas com alguns líderes isoladamente. O PMDB não passou procuração a ninguém para negociar por ele; ou o partido toma uma decisão unitária e institucional sobre esse assunto ou não estará no governo.

ISTOÉ – A sua opinião pessoal é a de que o PMDB deve seguir por que caminho: apoiar ou não o governo?
Rudolfo Lago

O PMDB deve seguir o caminho que o leve a ter uma candidatura forte à Presidência da República. E não há caminho mais forte para viabilizar isso do que, no mínimo, a independência. Agora, eu me submeterei a uma decisão partidária. O que o partido decidir, como um todo, eu apóio. Porque também já chega de divisões no PMDB. Só não aceito que se faça qualquer negociação sem ouvir o conjunto do partido, sem que haja, de fato, uma decisão partidária. O PMDB não é balcão de negócios.

ISTOÉ – Ao deixar de lado as denúncias de envolvimento do governo no mensalão e outros escândalos, o eleitor passou o sinal de que não se preocupa com a ética na política?
Rudolfo Lago

Na minha avaliação, o que mais pesou é que a candidatura do governador Geraldo Alckmin, que eu apoiei fortemente, não apresentou um projeto que o diferenciasse de fato do governo Lula. Alckmin não disse o que faria de novo, de diferente, que idéia nova para o País apresentaria. Se ia, digamos, mudar a política de juros. Ou a política de câmbio, estabelecer uma nova forma de se relacionar com os Estados e os municípios. Ou com o Congresso. O que pensava de fato em termos de política social. Uma coisa clara, enfim.

ISTOÉ – Mas não foram poucos aqueles que concluíram que não se pode fazer política sem expedientes como o mensalão ou o toma-lá-dá-cá.
Rudolfo Lago

O presidente Lula cometeu um erro. Em vez de buscar alianças com o baixo clero da Câmara, ele deveria ter feito aliança com a rua. Ninguém como ele tinha tanto apoio popular. Tinha os sindicatos. Conquistou o apoio dos empresários. Ele imaginou que só poderia fazer as coisas com maioria no Congresso. Se tivesse feito a aliança com a rua, a rua empurraria o Congresso. Eu espero que o presidente faça isso agora. Que ele se valha do peso dos mais de 60% de votos que ele teve para empurrar o Congresso a aprovar a reforma tributária, a reforma fiscal, a reforma política e a reforma administrativa que descentralize o poder através de um novo pacto federativo.

ISTOÉ – O sr. acredita mesmo que isso possa ocorrer?
Rudolfo Lago

Se a discussão que se inicia sobre a formação do governo vai ser pautada pela mera distribuição de postos entre os partidos, nós vamos pelo mesmo caminho. Se Lula for por esse caminho, se não negociar com o PMDB como um todo, se for negociar com esse ou aquele líder específico, acabará caindo nos mesmos erros.

ISTOÉ – O sr. é um dos remanescentes do MDB autêntico. Não se sente uma ovelha desgarrada ao assistir a um adesismo entusiasmado por parte do partido?
Rudolfo Lago

No passado, o MDB tinha o grupo autêntico e o grupo moderado, que já era maior. Mas nós dávamos a linha para o partido. É isso o que queremos restabelecer agora. Nós precisamos sair dessa linha meramente adesista, fisiológica, oportunista.

ISTOÉ – Por que o sr. renunciou ao cargo para disputar a reeleição?
Rudolfo Lago

O governador, o prefeito ou o presidente candidato não compete. Ele esmaga o adversário. Ele tem a máquina. Ele tem o poder na mão. Eu acho uma excrescência o poder sem desincompatibilização. É uma coisa que vou defender com os governadores: ou acabamos de vez com a reeleição ou a mantemos com desincompatibilização. Esse é um imperativo de ética política.

ISTOÉ – O sr. mencionou a necessidade de uma reforma política. Que mudanças propõe?
Rudolfo Lago

Essa que eu pratiquei isoladamente é uma delas. Mas é necessário o financiamento público de campanha. Não pode haver dinheiro privado – e os compromissos que vêm junto com ele – na eleição. Eu defendo ainda uma brutal redução no custo dos programas eleitorais de tevê. Eles, na minha opinião, deveriam ser ao vivo, em estúdio. Aí, nós acabaríamos de vez com a maquiagem, com o marquetismo. Seria o candidato falando ao eleitor, sem mágica de propaganda. Ou nós fazemos isso ou vamos assistir a novos escândalos e episódios de corrupção no futuro.

ISTOÉ – Em Santa Catarina, antigas gerações de políticos do Estado sofreram novas derrotas. Jorge Bornhausen (presidente do PFL) e Esperidião Amin (ex-governador, do PP) são página virada na história política do Estado?
Rudolfo Lago

Winston Churchill dizia que só tem um animal que ressuscita. É o político. O senador Jorge Bornhausen, por decisão própria, está se afastando da vida política. Mas creio que continuará opinando e acompanhando as coisas de perto. O ex-governador Amin acaba de perder a terceira eleição seguida. Mas, com político, como dizia Churchill, nunca se sabe. De qualquer modo, preciso trabalhar com o novo eixo que se formou aqui. O PP de Amin agora aqui se aliou ao PT, por incrível que pareça.